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quinta-feira, 24 de maio de 2018

Cigano afirma que sociedade ainda trata sua cultura com estereótipos e estigmas

Por Mirella Duarte
Para Site RDNEWS

Membros da comunidade cigana do município de Tangará da Serra (MT)

No mês em que se comemora o Dia Nacional dos Povos Ciganos, 24 de maio, o  entrevistou o comunicólogo, especialista em cinema, doutorando e cigano Kalon, Aluízio de Azevedo, de 38 anos, que falou sobre as dificuldades e preconceitos vividos na atual sociedade.

Além disso, pontuou especificidades de cada grupo cigano, como a cultura, história e origem dos que abriram mapas e atravessaram continentes em busca de uma vida melhor, após serem expulsos de suas terras de origem.

Segundo Azevedo, o primeiro registro escrito do degredo (afastamento) de ciganos com relação ao Brasil é de 1574, que ordenava a expulsão de Portugal do cigano Kalon João de Torres e sua família.

O comunicólogo diz ainda que após anos de segregação, foi em 2006, no governo do então presidente Lula, que a cultura cigana começou a ter maior reconhecimento, com a instauração da data de homenagem, o reconhecimento como minorias étnicas e tradicionais, além de estabelecer a Secretaria pela Igualdade Racial (SEPPIR) como a interlocutora oficial junto a esses povos.

O pesquisador alega que ainda faltam leis especificas para os povos ciganos no congresso nacional e defende a necessidade de aplicação, assim como, as que são efetuadas em prol dos povos indígenas e os de matrizes africanas.

O comunicólogo Aluízio de Azevedo desenvolve pesquisas que tratam do povo e cultura cigana

Como é ser cigano no Brasil?
Não é fácil responder essa pergunta, seja no Brasil, ou em outra parte do mundo. Somamos entre 12 a 15 milhões de pessoas, e é preciso compreender que não é possível definirmos com clareza uma única identidade ou uma única cultura cigana. Assim como as palavras “índios” ou “negros” esconde por traz de si uma infinidade de povos e costumes, com culturas e línguas diferentes, o mesmo ocorre com a palavra “ciganos”. Posso dizer que ser cigano, hoje, no Brasil, não é tão melhor do que no passado. Começou a melhorar, inclusive no próprio discurso e políticas públicas estatais a partir da redemocratização do País, com a publicação da nossa Carta Magna.

Os ciganos, historicamente, foram muitos perseguidos. Hoje, tal perseguição, ainda é uma realidade? 
Posso dizer que durante todo o período de convivência entre grupos ciganos e a população majoritária brasileira foi de muitos conflitos e perseguições, inclusive com o Estado brasileiro efetivando políticas higienistas de eliminação dos grupos ciganos ou sua completa assimilação. Por aproximadamente 100 anos (1850 a 1960) os grupos ciganos foram extremamente violentados, com muitas comunidades inteiras mortas pela polícia. Um período que ficou conhecido como “as correrias ciganas”. Ciganos evocam no imaginário nacional estereótipos e estigmatizações, que perpassa um discurso de ódio e racismo contra as pessoas ciganas. Quando falamos em ciganos, todo mundo lembra de um grupo nômade acampado perto de sua casa, mas que logo iam embora, as pessoas sempre abordam o tema de que ciganos roubam crianças, que são ladrões, trapaceiros ou bandidos perigosos. Há também um outro lado que romantiza, mas é também estereótipo, como a suposta liberdade da vida nômade, ou então, a sensualidade das mulheres ou homens ciganos, ou até o misticismo e os dons para as artes.

O nomadismo então é algo que não define mais os grupos de ciganos?
Muitos grupos deixaram de ser nômades e, hoje, cerca de 30% dos grupos ciganos continuam nômades. Isso no mundo todo e inclusive aqui. Um fato é certo, o nomadismo, que historicamente, foi associado aos grupos ciganos, atualmente, não é a realidade para a imensa maioria dos grupos. Aproximadamente 80% das comunidades ciganas ou fixaram residência nas periferias, ou passaram a semi-nômades, ou populações itinerantes, que circulam de tempos em tempos pelas mesmas cidades e territórios. Até porque, o mito romântico da liberdade nômade, por vezes, caí por terra, quando vemos que os grupos ciganos foram obrigados a migrar pela expulsão das populações majoritárias e não por vontade própria. Isto é, migraram para fugir das perseguições policiais e de fazendeiros, como estratégia de resistência e sobrevivência. A maioria dos ciganos não possuí trabalho formal, pois vivem das vendas e comércios informais, como objetos de segunda mão, venda de enxovais e panos de prato, veículos usados, etc. Essa situação dificulta o acesso à direitos como aposentadorias, pensões e afins. A leitura de mãos ou tarot não diz respeito a todos os grupos ciganos, ainda que esta é sim a profissão de muitas mulheres ciganas.

Atualmente, quais as maiores dificuldades de um cigano no Brasil?
São muitas as dificuldades, principalmente os mais pobres que, infelizmente, são a maioria. Mas há também pessoas ciganas de classe média e ricas. Creio que para os que estão em situação de exclusão social e pobreza a situação é pior, pois acumula uma série de opressões que não apenas a racial. Mas, de qualquer modo, assumir a identidade cigana e declará-la no Brasil é saber que vai ser olhado de lado, torto, sofrer racismo e preconceito e estar um passo atrás da população branca e majoritária.

A Comissão de Assuntos Sociais no Senado aprovou o Estatuto do Cigano. Isso melhora a vida deste grupo? 
Observando especificamente o projeto de lei do senador Paulo paim, que cria o estatuto, é possível averiguar que tem bastante mérito a iniciativa, na medida em que é uma iniciativa pioneira para tentar garantir legalmente os direitos dos povos ciganos no Brasil. Mas, ao analisarmos a proposta original, é possível notar que se trata ainda de um documento preliminar e, portanto, limitado, composto apenas por 19 artigos e que precisa urgentemente ser melhorado e debatido com o maior número de pessoas e comunidades ciganas possíveis.

Disponível em: https://www.rdnews.com.br/entrevista-especial/conteudos/99839

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