Vice-presidente da Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesa dos Povos Ciganos, Valdinalva Barbosa faz exame para detecção do coronavírusArquivo pessoal
Novo episódio do 'Outra estação', da Rádio UFMG
Educativa, mostra como ciganos, indígenas e quilombolas estão combatendo a
pandemia
Uma grande diversidade de modos de vida está contida na classe das
comunidades tradicionais, desde populações mais conhecidas, como as indígenas e
quilombolas, até outras pouco noticiadas, como os ciganos. São comunidades
distribuídas por todas as regiões do país com formas próprias de organização
social e que estão desprotegidas diante da ameaça da Covid-19, doença causada
pelo coronavírus.
Além de estarem expostos à contaminação pelo vírus, esses grupos têm
suas atividades econômicas e modos de vida diretamente impactados pela
pandemia. Um dos motivos é a falta de acesso dessas populações aos próprios
territórios, o que dificulta por exemplo o plantio de alimentos. O
enfraquecimento das políticas de direitos humanos nos últimos anos é outro
fator que contribui para a maior vulnerabilidade das populações tradicionais ao
coronavírus.
Essas e outras questões são
discutidas no novo episódio do Outra estação. O
programa ouviu indígenas, quilombolas e ciganos que contam como estão sendo
afetados pela Covid-19 e quais são as estratégias que vêm construindo para
enfrentar esse momento de pandemia. O programa também entrou em contato com uma
série de órgãos públicos para saber o que está sendo feito para atender às
demandas dos povos tradicionais e falou sobre as ações da UFMG voltadas para
esses grupos.
Direitos dos povos tradicionais
O primeiro bloco do programa explica
o conceito de povos e comunidades tradicionais no Brasil. Eles foram
reconhecidos formalmente pelo governo federal em 2007 por meio de um decreto que
criou a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais. O texto define esses grupos como sendo aqueles que
possuem formas próprias de organização social e que, na ocupação de seus
territórios, vivem suas diferenças econômicas, religiosas e culturais.
Cabe ao poder público garantir que as comunidades
tradicionais possam ocupar seus territórios e ter acesso aos recursos
naturais que utilizam como forma de garantir suas existências físicas,
econômicas e culturais. Porém, é comum que o direito não seja cumprido. A falta
de acesso integral a seus territórios é uma das razões para muitas
comunidades enfrentarem condições de vida precárias.
Os entrevistados nessa parte do programa foram o professor do
Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG Aderval Costa Filho, que foi
o responsável por coordenar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais na época em que ela foi construída e
implementada e a superintendente de Participação e Diálogos Sociais da
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Ana Carolina Gusmão.
Em meio a essa crise provocada pela pandemia de Covid-19, os
gestores públicos devem definir junto com as comunidades tradicionais as formas
de auxiliá-las, tanto em questões de saúde, quanto para diminuir prejuízos
econômicos. A questão foi destacada pela pró-reitora de Extensão da UFMG
Cláudia Mayorga.
"Muitas vezes nós vemos uma relação
unilateral, a política pública vem com uma série de medidas, soluções,
propostas, que acabam desconsiderando os saberes e conhecimentos tradicionais,
o que acaba tendo um efeito de violência sobre esses povos"
A professora também falou sobre as ações que a UFMG têm desenvolvido
como o acompanhamento da situação dos povos indígenas maxacalis e a
produção de boletins semanais com campanhas de apoio a indígenas, quilombolas e
terreiros de axé.
Taxa de letalidade do vírus é alta
entre quilombolas
A
coordenadora da Conaq Givânia Silva: Arquivo pessoal
O primeiro bloco do programa destacou
ainda os impactos do coronavírus para os quilombolas. Até esta quarta-feira
(13), foram registradas 21 mortes por Covid-19 entre quilombolas, de um total
de 128 casos de infecção confirmados, segundo os dados levantados pela Coordenação
Nacional de de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Esses números indicam uma morte a cada 6 infecções entre quilombolas, enquanto
no país como um todo os registros giram em torno de uma morte a cada 14
infecções confirmada.
Uma das coordenadoras da Conaq, Givânia Silva, contou que vários
problemas de ordem socioeconômica dificultam que os quilombolas cumpram
recomendações feitas pelas pelas autoridades da área da saúde para frear a
Covid-19. Por exemplo, alguns moradores precisam ir à cidade para manter suas
rendas ou buscar serviços de saúde, já que várias comunidades carecem desse
tipo de atendimento. Eles também vêm enfrentando dificuldades para solicitar o
auxílio emergencial de 600 reais do governo federal, já que o pedido deve
ser feito, preferencialmente, pela internet.
"Em alguns lugares as pessoas não têm terra
para plantar. Como elas ficam em casa? Como elas vão lavar as mãos toda hora
se, às vezes, não têm água potável nem para beber?"
Sem terras demarcadas, indígenas têm
dificuldade de implantar medidas de isolamento social
O segundo bloco do Outra estação abordou as condições dos indígenas
brasileiros diante da pandemia. Segundo a plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia da
Covid-19 no Brasil, uma parceria entre o Instituto Socioambiental e
pesquisadores da UFMG, até esta quarta-feira foram registradas 277 infecções
por coronavírus entre indígenas e 19 mortes pela doença. Esses números se
referem à zona rural, já que, segundo o site, não há um levantamento oficial de
casos entre indígenas que vivem na área urbana.
Entre os problemas enfrentados pelos indígenas estão a falta de
demarcação das terras, o que cria entraves para o isolamento dessas populações.
A questão foi levantada pelo estudante de medicina da UFMG Otávio Kaxixó, que é
o coordenador estudantil do Programa de Educação Tutorial Indígena da
universidade.
Otávio também falou sobre o projeto de prevenção e combate ao novo coronavírus
em aldeias indígenas que está sendo desenvolvido por ele e outros alunos de
graduação em parceria com a professora Lívia Pancrácio, coordenadora do
Colegiado Especial do Programa de Vagas Suplementares para Estudantes Indígenas
na UFMG. A ideia é não apenas conhecer os diversos meios que as comunidades têm
adotado para se proteger, mas também passar orientações para líderes indígenas
e equipes de saúde que atuam nas aldeias.
"Existem algumas dificuldades em fechar as
aldeias porque ainda não temos nossos territórios demarcados".
Outro entrevistado foi Dinamam Tuxá, um dos coordenadores executivos da
Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib). Ele falou sobre o aumento das
invasões nas terras indígenas durante o período de pandemia e sobre a falta de
participação dos indígenas no planos de combate à Covid-19 elaborados pelos
governos estaduais.
"A questão primordial é a vulnerabilidade dos
indígenas em termos de imunidade. O risco do coronavírus dentro das aldeias é
de um verdadeiro genocídio".
Coronavírus já
atinge acampamentos ciganos
Outra população tradicional que vem enfrentando dificuldades neste
período de pandemia de Covid-19 são os ciganos. Boa parte deles vive em
acampamentos que são formados por barracas, não possui saneamento básico,
e muito menos, banheiros, o que dificulta o acesso à água para seguir as
recomendações de higiene tão necessárias para o combate ao coronavírus. A
pandemia também têm deixado os ciganos sem renda.
Os relatos sobre a situação dos ciganos foram feitos pelo doutor em
Informação e Comunicação em Saúde e Assessor para Ciência e Comunicação da
Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso, Aluízio de Azevedo Silva
Júnior, pelo presidente da Associação Estadual Cultural de Direitos
e Defesa dos Povos Ciganos, Itamar Pena Soares e pela vice-presidente da
Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesa dos Povos Ciganos, Valdinalva
Barbosa. Ela mora em Ibirité, na região metropolitana de
BH, e foi infectada pelo coronavírus.
"Sou do grupo de risco, tenho
diabetes. Fiquei mais de 20 dias sem poder sair da barraca, me sentia
muito mal. Nós não temos saneamento básico. O mato é o nosso banheiro".
Para saber mais sobre o tema
Entrevista completa com doutor em Informação e Comunicação em Saúde e
Assessor para Ciência e Comunicação da Associação Estadual das Etnias Ciganas
de Mato Grosso, Aluízio de Azevedo Silva Júnior.
Site do
programa Saberes Tradicionais da UFMG
Site do
IBGE sobre a Covid-19
Produção
O episódio 40 do programa Outra estação é apresentado por Beatriz
Kalil, a produção é de Breno Benevides, Tiago de Holanda e Arthur
Bugre, a edição é de Tiago de Holanda, os trabalhos técnicos são de
Breno Rodrigues e a coordenação de jornalismo é de Paula
Alkmim.
O programa inseriu trechos de três
músicas. A primeira é cantada pela mestra Makota Valdina, de um terreiro
localizado em Salvador (BA) -- a gravação completa pode ser ouvida no no canal Saberes Tradicionais UFMG no YouTube. A
segunda música é um canto do grupo indígena Kaxixó e foi gravada em um encontro
de jovem indígenas desse grupo. A gravação foi enviada à Rádio
UFMG Educativa por Otávio Kaxixó. A terceira música se chama “Bute
Pilon”, é cantada em uma língua cigana e sua inclusão no programa também foi
sugerida pelos entrevistados. A gravação utilizada foi feita pela dupla Edy
Britto e Samuel.
O Outra estação aborda,
semanalmente, um tema de interesse social. Na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM),
vai ao ar às quintas-feiras, às 18h, com reprise às sextas, às 7h30. O conteúdo
também está disponível nos aplicativos de podcast, como o Spotify.