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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Por que é urgente a mídia e o Estado Brasileiro conhecerem os povos ciganos

Nota de Esclarecimento da Roda Cigana de São Paulo combate preconceito em plataforma do ABC

O Coletivo Roda Cigana de São Paulo – Rede Humanitária vem a público esclarecer o absurdo e a situação vexatória que uma família extensa de etnia cigana Calon do município de Taubaté passou, graças a uma infeliz atuação de uma conselheira tutelar do município de Santo André e três integrantes da guarda municipal, ocorrida no dia 30 de julho. Na ocasião, três crianças, uma de dois anos e dez meses, uma de um ano e oito meses e outra de oito meses, foram privadas do direito ao convívio familiar e comunitário. Essa “atuação infeliz” as deixou afastadas da família até o dia 09 de agosto, quando foram reintegradas às famílias por Decisão Judicial da Comarca de Taubaté.

O caso foi divulgado na Plataforma Viva ABC na página da rede social Face book, contemplando apenas a versão da conselheira e dos guardas municipais que a auxiliaram nesta “ação infeliz”, mas não ouviu o outro lado, um equívoco que precisa de reparação. Desta maneira, escrevemos este texto, como direito de resposta, para que o digníssimo veículo coloque a versão da família, que não foi ouvida na reportagem.

A situação ocorreu quando as mães de duas crianças e as avós das três que estavam com elas, vendiam panos de prato no Centro de Santo André e foram abordadas de forma truculenta pela Conselheira Tutelar que acionou a guarda municipal; sendo conduzido a uma delegacia de polícia, após a conselheira, “perceber”, quando foram tirar os documentos das crianças de suas bolsas, que traziam um valor em espécime em suas bolsas.

Preconceito - Descumprindo o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); à revelia do desespero da mãe e da avó; e sem ter o cuidado de procurar outros parentes como o pai, o avô e a própria mãe de uma delas, que não estava presente no ato por estar convalescente; a conselheira retirou de imediato as crianças  de suas legítimas tutoras, as enviando para uma casa transitória em Santo André. De lá, a partir de uma ordem da promotoria, foram recambiadas para a casa transitória de Taubaté, só retornando ao lar de suas famílias no último dia 09.

Na reportagem, a conselheira, a guarda municipal e o repórter, atuaram de maneira preconceituosa e estereotipada, inclusive afirmando que pareciam estrangeiras e que estariam fugindo de Taubaté. Ora, o direito de ir e vir são garantidos constitucionalmente. Viajar é fundamental para o comércio informal, em que a maioria das pessoas ciganas se dedicam tradicionalmente, pois ocorre nas praças em que clientes e recursos são maiores.

Por certo, as pessoas que aparecem na notícia desconhecem o universo cigano e a imensa diversidade cultural existente entre as etnias ciganas, aparentemente, praticando racismo institucional. Não sabem, por exemplo, que somos constituídos por três grandes troncos étnicos, os Calon, os Rom e os Sinti e seus inúmeros grupos e subgrupos. Tão poucos sabem que juntos constituímos em torno de 500 mil pessoas, espalhadas por todos os estados brasileiros, mas com línguas, costumes e culturas únicas e próprias, porém, diversas e com um histórico de diferenças regionais e temporais.

As crianças ciganas não estavam perdidas, em situação de rua ou sendo exploradas. Para as culturas ciganas, idosos e crianças são tratadas com muito amor, carinho e respeito. Os anciãos por serem nossa fonte de sabedoria, conselhos e experiências. As crianças são os nossos “bens” mais preciosos, pois elas significam a continuidade da família, da cultura e do estilo de vida de ser e estar cigano. O cuidado e a educação nas comunidades ciganas são coletivos, executados essencialmente pelas mulheres. As principais responsáveis pelas crianças ciganas são suas mães ou avós, assim como as tias e tias-avós. Para uma mãe cigana, deixar seus filhos com avós significa que os deixarão com aquela que é mãe duas vezes e, portanto, não haveria melhor cuidado.

Determinações sociais da saúde - A conselheira afirmou e o repórter confirmou, sem qualquer qualificação médica, que as crianças estariam doentes e aplicando diagnósticos médicos; inclusive, afirmando que as crianças estavam “dopadas”.  Depois perceberam que elas estavam sendo acompanhadas por tratamento médico, inclusive com os remédios delas na bolsa da mãe e da avó, o que a obrigou a rever sua posição. Entretanto, continuou a falar e o repórter a concordar sobre os dentes com cárie das crianças ciganas e que estavam sem condições de higiene.

A conselheira e o veículo de comunicação, deveriam se recordar que a saúde pública brasileira é bastante omissa e negligente para com grupos excluídos e em situação de vulnerabilidade, que sequer têm acesso a saúde primária, que dirá, à saúde bucal. Ademais, enquanto conceito, a saúde se faz a partir de múltiplas determinações sociais, em que a exclusão e a discriminação, são vetores que ampliam a situação de vulnerabilidade de grupos excluídos, mantendo-os longe do acesso aos serviços de saúde, muitas vezes, reforçando o já arraigado racismo institucional dessas instituições.

Além disso, foi esse modelo higienista adotado pelo estado brasileiro durante séculos na saúde pública, que levou ao fortalecimento de um estereótipo bastante nocivo sobre às pessoas e comunidades ciganas, contribuindo e fortalecendo com a exclusão social e a ausência de serviços cidadãos. Seria muito mais efetivo, se a conselheira tivesse auxiliado as mães a procurarem os serviços de inclusão social na saúde e acompanhá-las nesta burocracia, nem sempre fácil para quem desconhece as leis, como a Constituição Federal, que garante isonomia e equidade no tratamento para com todas as pessoas, independente de origem étnico-racial ou social.

Desconhecimento - Por outro lado, conselheira e guardas afirmaram, sem provas, que as crianças estariam circulando entre carros e adentrando em instituições bancárias. Perguntamo-nos e qualquer pessoa inteligente sabe que uma criança de oito meses ainda não sabe andar, e que as outras duas jamais seriam capazes de andar sozinhas em meio a carros. Qualquer banco, com todas as medidas de segurança, incluindo portas rotatórias com detectores de metal e seguranças armados à vista, nunca permitiriam crianças sozinhas adentrando em seus recintos.

Importante destacar que em nenhum momento a mãe e a avó se separaram das crianças ou as fizeram passar por situação de risco de vida. Repudiamos as falas levianas e recheadas de segundas intenções, acerca o recurso financeiro que as duas mulheres traziam em suas bolsas. Cabe questionar: é proibido andar com dinheiro na bolsa? Alguém sabe qual seria o destino desta quantia? Como sabem se não era inclusive para tratamento médico? Ou para a compra de materiais para vendas de comércio informal, especialmente, enxovais, uma tradição entre as mulheres ciganas?

Em que momento, a conselheira tutelar, o repórter ou mesmo a guarda civil se preocuparam em saber como o trabalho das mulheres ciganas foi impactado com a pandemia? Em saber que muitos acampamentos ciganos não têm acesso a água encanada em todas as barracas, que dirá saneamento básico? Será que não existem crianças de rua abandonadas na cidade de Santo André?

Por fim, esclarecemos que todas as ações equivocadas da conselheira e da guarda municipal de Santo André foram relatadas aos órgãos competentes, como o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), que deverão adotar as medidas cabíveis

São Paulo, 13 de agosto de 2021,

ASSINA: – Coletivo Roda Cigana do Estado de São Paulo – Rede Humanitária


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