Por Aluízio de Azevedo Silva Júnior, Ex-orientando de Mestrado de Mimi Sato
Borboleta
O
privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por
certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu
imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um
mundo livre aos poemas.
Daquele
ponto de vista:
Vi
que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi
que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi
que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi
que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Manoel
de Barros
Não foi com Manoel de Barros, que escreve este
belo poema que aprendi a ser borboleta. Foi com Mimi Sato. O tomo emprestado
para começar este texto e entrelaça-lo nesta homenagem, pois descreve
perfeitamente o meu sentimento em ser borboleta e cada vez que vejo e me sinto
uma borboleta, lembro que foi a Mimi que me ensinou a ser assim.
Musa inspiradora da ciência e da arte,
orientadora de Mestrado e amiga querida, foi quem abriu os meus olhos e alma
para um mundo com seres humanos, animais, plantas e todos os seres coexistindo
e vivendo em uma ecologia centrada em Gaia, essa nossa mãe terra que a tudo nos
oferece para a existência.
Com Mimi, tive o privilégio insetal de ser uma
borboleta. Fã ardorosa de Manoel de Barros, além de pesquisadora altamente
produtiva nos campos da Educação e da Educação Ambiental (EA); era poeta de mão
cheia. Uma artista sensível, que como Gaston Bachelard, conseguia unir esses
dois contrários que parecem impossíveis de coexistirem: a ciência e as artes,
como fez em seus escritos. Uma marca que ficará viva no seu legado e
ex-orientandos.
Foi com Mimi Sato aprendi que as árvores são
sim mais competentes em auroras do que os homens. Primando por uma educação
Paulo Freireana, mais do que repetir que “eva viu a uva”, praticava a conexão
contextual, não apenas socioeconomicamente, como também ambientalmente. Entre
conceitos e os afetos, espalhava amor no acolhimento a todas as diversidades e
grupos em situação de exclusão.
Ao mesmo tempo, tecia habilidosas e
contundentes críticas pela libertação do planeta das garras da opressão
desenvolvimentista da globalização neoliberal. Com ela, me situei em uma
educação ambiental viva, que não separa a cultura da natureza e nem os direitos
humanos dos direitos da terra e, assim, senti que o diálogo com os povos
ciganos é possível dentro de uma ciência da vida, que prima pela inclusão.
Convivendo e sendo acolhido enquanto cigano,
LGBTQIAP+ por Mimi Sato, compreendi “que as tardes são mais aproveitadas pelas
garças do que pelos homens”. E que o Pantanal tem um valor inestimável. Aprendi
que a ciência não precisa ser dura, nem fixa, nem rígida. Que as metodologias
podem dialogar com os fenômenos, mas que os sujeitos jamais devem ser relegados
a segundo plano, assim como a natureza.
Aprendi com Mimi “que as águas têm mais
qualidade para a paz do que os homens”. Que os espíritos das águas das culturas
indígenas ou do folclore popular brasileiro não são meras lendas ou mentiras.
Que os mitos representam essa imbricação total entre humanos e meio ambiente,
cultura e natureza e que são uma forma muito rica de percepção dos povos
tradicionais.
Mimi Sato me ensinou que o desenvolvimentismo,
o progresso, a globalização e o capitalismo, são cegos não apenas para o bem
estar, o bom viver, a inclusão social e educacional, como também é cego quanto
às graças oferecidas pelo meio ambiente. Ainda com essa “Borboleta”, aprendi
“que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas”, que, por vezes,
se assoberbam, ficam indolentes e giram apenas em torno de si mesmos e de um
modelo hegemônico que apenas mantém opressões, colonialidades e exclusões do
capitalismo, justificando-o.
Mas também foi com Mimi Sato que aprendi o verbo
“esperançar”, que conjuga sempre acreditar e ter fé que é possível mudar o
mundo para melhor, com mais justiça ambiental, justiça social e justiça
epistemológica.
Que os povos tradicionais e os povos ciganos e
todas as minorias oprimidas pelo capitalismo, colonialidade ou
heteropatriarcalidade, como e mulheres e dissidentes de gênero e sexualidade,
são também re-existentes e promovem sociedades sustentáveis, uma alternativa ao
modelo de desenvolvimento sustentável, que não passa de um arremedo ao velho sistema.
Figura: Cara-col, autores: Aluízio de Azevedo e Cícero Garcia. Oferecida à Mimi Sato. Ano 2007.
Fundamentalmente, foi com Mimi, que aprendi e
a ser pesquisador e me apaixonei pela ciência e aprendi a ser educador
ambiental. A conheci em 2004, ano em que trabalhava na Assessoria de
Comunicação da (Ascom) da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
(Seduc-MT) e ela foi consultora do Projeto de Educação Ambiental (Preá),
política na área da educação ambiental do órgão.
O Preá era vinculado ao setor de educação
ambiental na Seduc, que tinha à frente como coordenadora a bióloga e doutora em
Educação Ambiental, Débora Pedrotti, que tinha acabado de defender a tese com
Mimi no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT).
Mas a minha aproximação ocorreu apenas em
agosto de 2007, após ingressar no Mestrado do PPGE em março daquele ano, com
outro orientador, que assumiu outro compromisso fora da universidade e menos de
seis meses de adentrar no curso me vi na situação obrigatória de ter que mudar
de orientação.
De todos os professores do PPGE, Mimi era é
que a mais me despertava emoção e brilho nos olhos. Seu jeito doce, mas também
firme, crítico e com afeto, me cativou desde a primeira vez que a vi. Mas ali,
no PPGE, pude ver de perto o tamanho do coração e o acolhimento que Mimi
projetava no GPEA.
Nossa relação mais íntima começou também com
uma poesia, que fiz, após procurar Débora e ser aconselhado por ela que Mimi
Sato era a melhor orientadora possível para acolher os povos ciganos,
convidando-a para me orientar neste processo. Quando conversei e li a poesia
com o convite, os olhos dela brilharam e aceitou imediatamente.
Não poderia ter outra orientação melhor, pois
além de uma orientadora de primeira qualidade em produção acadêmica, mantinha
uma poderosa crítica no campo da educação ambiental brasileiro, revigorando-o a
partir da periferia mato-grossense.
E, principalmente, além de uma orientadora
atuante, pronta para atender e muito parceira e compreensiva, ganhei também uma
amiga pessoal querida e mais do que isso uma forte aliada dos povos ciganos,
que desde 2007 nunca deixou de estar em todos os seus diálogos com os povos
tradicionais. Mimi você vive em nós e seu legado será honrado!
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