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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Artigo: Os ciganos, o genocídio esquecido da Segunda Guerra Mundial



Barbara Warnock e Toby Simpson escrevem sobre o genocídio dos ciganos a propósito da exposição que organizam na Biblioteca Wiener sobre o Holocausto.

Asperg, deportação de Roms e Sinti. Maio de 1940. Foto de Das Bundesarchiv/wikicommons

Em comparação com o Holocausto, o assassinato em massa de meio milhão de membros das comunidades Roms e Sinti europeias permanece desconhecido e não reconhecido. Esta ausência e a perseguição de que continuam a ser alvo levantam questões às quais ainda temos dificuldades em responder.

É o “genocídio esquecido” da Segunda Guerra Mundial: à volta 500 mil ciganos da Europa foram assassinados pelos nazis e seus colaboradores durante a Segunda Guerra Mundial, no seguimento da implementação de políticas que visavam persegui-los. Porque é que o genocídio dos ciganos foi amplamente esquecido? Porque é que o reconhecimento, ainda que parcial, das suas mortes demorou tanto tempo? Que obstáculos nos impedem ainda hoje de reconhecer completamente a importância deste genocídio?

A exposição atual da Biblioteca Wiener sobre o Holocausto, em Londres, Vítimas Esquecidas: O genocídio nazi dos Sinti e Roms, é consagrada à análise da destruição da vida dos ciganos pelos nazis, ao exame das políticas que precederam o massacre e ao esclarecimento dos aspetos desta história que continuaram escondidos e amplamente desconhecidos durante décadas.

Os Roms e Sinti foram vítimas de preconceitos e de discriminações na Alemanha antes de 1933, mas a chegada ao poder dos nazis correspondeu a uma intensificação das perseguições.

Em meados dos anos 1930, os ciganos são impedidos de exercer certas profissões e muitos foram obrigados a viver em campos de internamento. No final dos 1930, a ideologia racial nazi foi ampliada para englobar a noção segundo a qual os ciganos eram de “sangue estrangeiro” e representariam uma ameaça para a força racial da “raça superior ariana”.

No quadro do desenvolvimento destas ideias, os ciganos foram submetidos a um programa massivo de investigações pseudo-científicas. Foram igualmente marcados para esterilização forçada.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os ciganos dos territórios ocupados pela Alemanha nazi foram deportados para campos e ghettos, obrigados a trabalho forçado e mortos pela fome, pelos maus tratos, pelos fuzilamentos de massa e os gaseamentos nos campos como o de Chelmno e o de Auschwitz. Regimes colaboracionistas, como os Ustashe na Croácia, perpetraram assassinatos de massa contra as suas populações judaica e cigana.

Num relato oferecido à biblioteca Wiener, o Dr Max Benjamin, um sobrevivente judeu de Auschwitz, descreveu o testemunho da “liquidação” do “campo de ciganos” em 2 e 3 de agosto de 1944: neste noite, “de um só golpe, todos os ciganos representavam a população deste campo foram enfiados nas câmaras de gás.”

Apesar dos sofrimentos e das injustiças aterradoras sofridas pela população cigana da Europa durante o período nazi, o genocídio dos ciganos foi frequentemente negligenciado ou minimizado. Uma das principais razões desta situação são as múltiplas camadas de preconceitos, de discriminação e de marginalização com as quais os sobreviventes roms e sinti continuam a ser confrontados depois da libertação. A hostilidade e os estereótipos negativos relativamente aos ciganos persistiram. Em numerosos países, a exclusão permanente dos ciganos da representação política e do poder económico impediu a sua capacidade de fazer campanha pelo seu reconhecimento.

Esta marginalização revela-se através da ausência de acusações contra os autores de crimes contra os ciganos nos primeiros processos por crimes de guerra. Na Alemanha Ocidental do pós-guerra, reinava um clima de negação da amplitude dos horrores cometidos contra as vítimas ciganas que frequentemente não recebiam as compensações atribuídas às outras vítimas das perseguições raciais nazis. Os numerosos monumentos comemorativos construídos nas décadas que se seguiram à guerra não reconheciam as vítimas ciganas.

Foi apenas em 1982 que a Alemanha reconheceu oficialmente os crimes nazis contra os ciganos como um genocídio; as primeiras desculpas da França pela sua colaboração nos crimes nazis contra os Roms e os Sinti foram apresentadas em 2016.

Na URSS e na Europa de Leste, as experiências dos ciganos durante o genocídio foram igualmente amplamente ignoradas. Os ciganos que desejavam permanecer nómadas foram obrigados a instalar-se em casas. No período pós-comunista, a discriminação face aos ciganos aumentou, enquanto que as suas condições de vida e o acesso a serviços diminuíram fortemente.

A nossa exposição tenta abordar a amnésia coletiva que envolve o genocídio dos ciganos. A Biblioteca Wiener sobre o Holocausto possui importantes coleções sobre este tema, nomeadamente os primeiros testemunhos de sobreviventes roms [https://blog.ehri-project.eu/author/cschmidt/](link is external) recolhidos no quadro de um projeto desenvolvido pela Drª Eva Reichmann a partir dos anos 1950. A Biblioteca prevê publicar alguns destes testemunhos mais tarde ainda durante este ano.

Possuímos igualmente material recolhido aquando do primeiro projeto de investigação que tentou documentar sistematicamente o genocídio, um projeto conduzido por Donald Kenrick e Grattan Puxon no final dos anos 1960. Um certo número de elementos desta coleção incluindo resumos de testemunhos de sobreviventes são apresentados na exposição.

Um outro elemento impressionante da exposição é uma fotografia do pós-guerra de Margarete Kraus. A tatuagem do número do campo no seu antebraço esquerdo é pouco visível: Margarete Kraus era uma sobrevivente rom checa de Auschwitz, onde tinha sido vítima de experiências médicas forçadas. O retrato de Kraus foi feito pelo jornalista leste-alemão Reimar Gilsenbach nos anos 1960. Gilsenbach investigou a perseguição dos ciganos durante o período nazi.

Uma peça bastante diferente é um documento intitulados “Interdições publicadas relativamente a polacos, judeus e ciganos” submetida mais tarde no processo por crimes de guerra de Nuremberga como prova dos crimes nazis. Data de 10 de março de 1944, trata-se de uma circular enviada por Heinrich Himmler a um grupo de altos funcionários do Estado, informando-os que “terminada a evacuação e o isolamento” dos judeus e ciganos isso significava que não eram necessárias novas diretivas.

“Evacuação” e “isolamento” neste contexto significavam que a vasta maioria dos judeus, Sinti e Roma da grande Alemanha tinham já sido deportados para ghettos e campos e assassinados. A terminologia usada aqui exemplifica a “pesada matéria de facto” da linguagem burocrática dos SS, memoravelmente descrita pelo historiador Mark Roseman como uma “diabólica paródia da precisão administrativa”.

Outra história contada na exposição é a de Hans Braun, um homem Sinti alemão nascido em Hannover em 1923. Braun sobreviveu aos campos de Auschwitz e Flossenbürg. A maior parte da sua família morreu em Auschwitz. Quando em 1950 reclamou uma compensação do Estado alemão, a polícia local decidiu pelo contrário abrir uma investigação contra ele – buscando provas espúrias de que Braun tinha sido preso enquanto “criminoso” - como fundamento para rejeitar a sua petição.

O facto de que a verdadeira natureza e escala do genocídio cigano tenha sido negado, minimizado ou ignorado por tantos durante tanto tempo foi doloroso e enfurecedor para as vítimas e as suas famílias.
Apesar de ser tarde demais para retificar as injustiças que eles experienciaram, não é tarde demais para lidarmos com a marginalização e discriminação que enfrentam as comunidades ciganas hoje em dia em lugares como a Hungria, nos quais a discriminação e hostilidade contra os ciganos é comum, e a Ucrânia, onde grupos fascistas levaram a cabo muitos ataques violentos contra ciganos nos últimos anos. Talvez esta exposição marque um começo, por reconhecer aquilo a que a discriminação e o preconceito podem conduzir.

Artigo publicado(link is external) no A l'encontre. Tradução de Carlos Carujo
Toby Simpson é diretor da Biblioteca Wiener sobre o Holocausto da Biblioteca de Londres.
Barbara Warnock é curadora e responsável pelo setor educativo. É a responsável pela exposição: As vítimas esquecidas: exposição sobre o genocídio nazi dos Roms e Sinti.

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