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domingo, 26 de março de 2023

Indesejados um retrato profundo dos povos ciganos na Europa

 

Bairro Cigano em Paris - França

O fotolivro Non Grata, de Åke Ericson, é um retrato singular do povo cigano realizado ao longo de oito anos, em dez países europeus. "Eles sentem-se discriminados em todos os países que visitei", concluiu, em entrevista ao P3, o autor sueco.

Foi sob o calor de Agosto de 2009, na cidade de Břeclav, na República Checa, que o fotojornalista sueco Åke Ericson tomou conhecimento de uma história que viria a alterar o rumo da sua vida. “O município acabava de relocalizar duas famílias ciganas, após tê-las expulsado das suas casas – onde viviam há várias gerações – para que, no mesmo local, pudesse ser construído um centro comercial”, explicou ao P3, numa entrevista via Skype.

Ericson conheceu as duas famílias deslocadas. “Eram pessoas muito gentis, amistosas”, relatou. “O município empurrou-as para fora da cidade; passaram a viver a 15 quilómetros de distância do centro de Břeclav, em casas que não dispunham de água canalizada ou aquecimento.” O desrespeito de que foram alvo por parte da instituição governamental checa indignou o sueco, que passaria os oito anos seguintes a documentar o quotidiano deste grupo étnico minoritário em dez países europeus: Roménia, Kosovo, Sérvia, Hungria, Eslováquia, República Checa, Suécia, Suíça, França e Espanha.

“Foram 18 viagens, ao todo”, relembra o fotógrafo. “Oito anos, 18 viagens por dez países.” Mais do dobro dos países que documentou o lendário Josef Koudelka, da Agência Magnum, nos anos 70. Com este projecto, que deu origem ao fotolivro Non Grata, publicado em 2018, Åke pretende desmistificar e deitar por terra os preconceitos que se formaram, na Europa, acerca do modo de vida roma. “Quero revelar a repressão e a miséria de que são vítimas, mas também retratar aqueles que vivem integrados no quotidiano europeu.”


Um jovem homem enche uma vasilha com água para lavar o cabelo. Em Apold, na Transilvânia, a comunidade cigana continua a viver em condições extremamente precárias. Apold, Roménia, 2010


Entre o ponto mais a Ocidente e o mais a Oriente onde esteve em contacto com as comunidades ciganas, grandes diferenças se manifestaram, em termos de discriminação, integração e das condições em que vivem. “Em Espanha, por exemplo”, enuncia Åke, “governo após governo tentou integrá-los". "Trinta anos depois, já se dão casamentos entre roma e não-roma e a maioria das crianças ciganas já frequenta a escola pública. Também existe discriminação, claro, mas eles estão integrados. Há ciganos, na Andaluzia, que já esqueceram a língua romani.”


Viver à margem

 

Na Suécia, por exemplo, os ciganos “vivem em muito melhores condições” do que no Kosovo, afirma, apesar de referir que existem muitos em situação de sem-abrigo no seu país de origem. “Mas a situação a Leste é radicalmente diferente”, sublinha: “Em Mitrovica [no Kosovo], há ciganos a viver em acampamentos montados sobre solos contaminados por chumbo. Em consequência, nesse local, as crianças nascem com malformações. O estado kosovar não presta qualquer tipo de auxílio a esta população.” Åke é peremptório e não se refere, em exclusivo, ao caso kosovar. “[Os ciganos] vivem à margem da sociedade, sem quaisquer direitos humanos: sociais, políticos, culturais ou económicos.” 

A posição longitudinal de cada país não é um indicador fidedigno em matérias de tolerância. Em 2010, o então Presidente francês, Nicolas Sarkozy, expulsou de França mais de mil indivíduos de etnia cigana, de nacionalidades romena e búlgara. Apesar do escândalo que estalou no seio da Comissão e do Parlamento europeus, a medida manteve-se – mesmo que, nos anos seguintes, tenha perdido, consistentemente, tempo de antena nos meios de comunicação social internacionais.

 

O fotógrafo sueco retratou o quotidiano de várias comunidades ciganas na Europa durante oito anos. França, Sérvia, Kosovo, Roménia, Suécia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Espanha e Suiça são os países que visitou

O fotógrafo sueco esteve, em Novembro de 2011, nos arredores de Paris, mais especificamente na comuna de Saint Denis, e assistiu ao desmantelamento de vários acampamentos – prática comum do Governo francês para o combate à habitação ilegal. Visitou um acampamento em particular, onde permaneceu alguns dias. “Nessa altura, não tive muito tempo e as condições eram muito adversas. Quando cheguei a casa e vi as imagens que fiz, fiquei insatisfeito. Quando regressei, por esse motivo, em Junho do ano seguinte, as pessoas que conheci começaram a gritar ‘Mon ami, mon ami’.” “Foi um momento muito emotivo”, recorda.

 

Em Zurique, na Suíça, o único retrato que incluiu em Non Grata é referente a uma mulher roma vítima de tráfico humano para exploração sexual. “Li sobre o assunto e decidi ir até lá. Tive sorte, porque o bordel que encontrei, onde trabalhavam mulheres ciganas, pertencia à máfia kosovar.” Åke desenvolvera trabalho fotográfico documental sobre o período pós-guerra do Kosovo, entre 1999 e 2009, que deu origem ao fotolivro prefaciado por Kofi Annan, Kosovo In Progress. O domínio da língua albanesa ajudou-o a ganhar a confiança dos donos do estabelecimento, que lhe garantiram a entrada. “Fiz várias imagens, mas apenas uma integrou Non Grata”, disse. Nela figura Victoria, que paga 2360 euros de renda pelo quarto onde vive e trabalha; para trás, numa aldeia romena, deixou a sua família e um filho de cinco anos.

 

Homem caminha no exterior de um antigo estábulo convertido em habitação. Dois anos antes, três famílias ciganas foram obrigadas pelo município a mudar de morada para um antigo celeiro nos arredores da cidade. Breclav, República Checa, 2009

Em Belgrado, na Sérvia, Åke esteve em contacto com uma situação peculiar. “Dos membros da comunidade cigana que visitei, nenhum tinha cidadania sérvia. Vivem numa floresta, dormem, por vezes, sob temperaturas de 20 graus Celsius negativos.” Os roma que vivem na Sérvia foram expulsos do Kosovo pela comunidade albanesa, por terem tomado partido no conflito que marcou o país entre 1998 e 1999. O apoio às forças militares sérvias não garantiu, no pós-guerra, qualquer protecção por parte do país, que os vê como indesejados.

“Fiquei duas semanas com eles, em Julho de 2015. Era Verão, os termómetros marcavam 42 graus Celsius, foi uma experiência difícil. Eu voltava, ao fim do dia, para um quarto de hotel refrigerado, eles não. Mas não se pense que, por isso, eu seja rico. Acho que empobreci para poder realizar o projecto.”

O fotógrafo sueco foi apoiado pelo Instituto de Artes de Estocolmo e beneficiário de algumas bolsas de mérito. “[Esses fundos] foram uma grande ajuda”, ressalvou, ainda que a maior parte das despesas tenha sido suportada por si.

 

O foco de Non Grata está, sem dúvida, na região da Europa Central e de Leste, assume. Passou, por isso, parte significativa do seu tempo na Eslováquia e na Roménia, onde testemunhou os episódios mais críticos e onde a discriminação é mais evidente. A selecção fotográfica de Åke reflecte isso mesmo: a grande maioria das imagens foram feitas nesses países.


O maior gueto cigano na Europa

 

Na Eslováquia, Åke Ericson encontrou o maior gueto cigano da Europa: Lunik IX, em Košice. Um conjunto de edifícios construído pelo Governo eslovaco para albergar 2500 pessoas de classe média é agora a residência de 7500 indivíduos de etnia cigana, de acordo com dados obtidos pelo fotógrafo. “Ao longo dos anos, Lunik IX deteriorou-se e transformou-se numa favela onde existe um escoamento de resíduos urbanos deficitário. As condições de vida são muito precárias, as casas não têm gás, água ou electricidade”, descreve. Na Eslováquia, garante, ter um sobrenome cigano ou viver em Lunik IX “é um passaporte para a pobreza e para a marginalização”.

 

Åke​ procura entender o motivo pelo qual a comunidade cigana é discriminada na Europa e acredita que a génese está nas conversas que se geram no seio dos lares europeus. “É uma ideia passada de geração em geração”, justifica. “Os pais que têm uma opinião negativa acerca do povo roma transmitem-na aos seus filhos. É algo que passa em conversas corriqueiras que se têm à mesa do jantar. E é verdade que, quando as crianças e jovens saem à rua, também vêem pessoas ciganas a mendigar, o que vem confirmar a tese que lhes foi imputada; mas é um fenómeno circular. 

No caso da Suécia, 80% dos roma que deambulam, sem rumo, pelas ruas de Estocolmo, são provenientes da Roménia e emigraram para escapar às duras condições que enfrentavam no seu país de origem. “Em Janeiro de 2015, a ministra do Trabalho, Família, Protecção Social e do Idoso do Governo da Roménia, Rovana Plumb, visitou Estocolmo”, recorda Åke. “Durante o encontro, a ministra recusou-se a admitir que existe discriminação [contra a etnia cigana] na Roménia. Não foi capaz de assumi-lo.”

Estava um dia muito frio, conta, nevava e as temperaturas rondavam os 15 graus Celsius negativos. “Rovana Plumb recusou encontrar-se com os compatriotas ciganos no exterior.” Para Åke, este é um episódio-modelo, que, acredita, está na génese da relação de mal-estar estabelecida entre ciganos e não-ciganos nos vários países de Leste, onde a tensão é palpável. “A União Europeia tem fundos direccionados para a causa da integração desta minoria que não são usados por estes países, onde a exclusão continua a ser solução”, conclui.

“Desde os três anos que me lembro de me dizerem que todos os seres humanos têm o mesmo valor, independentemente da sua origem”, recorda o sueco de 57 anos. Foi essa máxima que o guiou ao longo dos 40 anos de carreira, feitos em 2018. “Nos anos 90, trabalhava num famoso jornal escandinavo que me levou até à Ucrânia, onde fotografei uma reportagem. O resultado da peça, quando esta foi publicada, foi uma angariação de fundos que recolheu 300 mil euros em prol de uma causa. Aprendi, nesse momento, que o meu trabalho tem o poder de mudar o rumo dos acontecimentos.”

Åke Ericson acha que Non Grata, expressão que significa “indesejado”, deveria ser visto pelo máximo número de pessoas – mas, sobretudo, pela classe política de Bruxelas. “Eu não fiz este trabalho para mim ou por mim. Fi-lo com o coração, sim, mas pensando nas pessoas que retratei.”

Texto: Ana Marques Maia

Fotos: ©Åke Ericson

 

Disponível em: https://www.publico.pt/2019/01/14/p3/noticia/indesejados-retrato-profundo-povo-cigano-europa-1856844?activate-overlay=true&fbclid=IwAR1Sx8_5qBrxkjHleKNfKVN41os1jdax7P8jxxXepVrKutgFkPVeaY4pQCA

sábado, 25 de março de 2023

CNPIR realiza reunião com presença de Anielle Franco e discute prorrogação de mandato

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, é presidente do CNPIR e participou da reunião

O Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR) realizou na última sexta-feira (24.03) sua 82ª reunião ordinária. Este é o primeiro encontro realizado pelo atual governo e contou com a participação da Ministra da Igualdade Racial (MIR), Anielle Franco, que também acumula o cargo de presidente do Conselho.

Três pautas foram debatidas na reunião: a prorrogação do mandato dos atuais conselheiros da sociedade civil, cujo período se encerra no fim deste mês de março; assim, consequentemente, a prorrogação do calendário eleitoral do Conselho; e, por fim, o adiamento da V Conferência Nacional de Promoção de Igualdade Racial (Conapir).

A Conapir estava inicialmente prevista para ocorrer em 2021, mas devido a pandemia foi adiada para dezembro de 2022, depois para maio de 2023 e agora, a proposta inicial do MIR é que possivelmente ocorra em dezembro deste ano, com probabilidade, de ocorrer somente em 2024.

Na ocasião, Anielle também realizou uma apresentação sobre as ações que o Ministério já realizou durante os primeiros 100 dias de governo, que inclui decreto presidencial que implementa cotas de 30% para pessoas negras e pardas nas funções cargos comissionados, mais conhecidos como DAS, que variam entre níveis que vão de 1 até o 17.

Decreto reserva 30% dos cargos de comissão e funções gratificadas do Poder Executivo Federal a pessoas pardas e pretas

Além disso, entre as ações realizadas pelo MIR nos primeiros 100 dias de governo, a ministra relatou a criação de alguns grupos de trabalho, entre eles, o Grupo de Trabalho Interministerial do Novo Programa Nacional de Políticas Afirmativas e o Grupo de Trabalho do Plano Juventude Negra Viva. Outro programa apresentado pela Ministra é o Aquilombola Brasil e Titulação Quilombola, que visa a regularização das áreas remanescentes de quilombos; o Banco de Currículos de Pessoas Negras e Trans; e o Decreto Mulher Viver sem Violência.

Presente na reunião, o conselheiro nacional de igualdade racial, Aluízio de Azevedo, que representa os povos ciganos, por meio da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), solicitou à ministra um olhar especial às comunidades ciganas, especialmente, porque na apresentação de Anielle não constava nenhuma ação relacionada aos povos romani.

“Em primeiro lugar Ministra quero externar a minha felicidade na recriação do Ministério da Igualdade Racial e parabeniza-la pela nomeação e pelo trabalho de reconstrução que vem realizando a partir da reestruturação do órgão. Gostaria de lembrar algumas demandas importantes para os povos ciganos, que queremos de contar com o apoio, articulação e ação do MIR”, ponderou Aluízio.

Entre as demandas, o conselheiro nacional lembrou a aprovação do plano nacional para integração dos povos ciganos, que começou a ser desenvolvido pelo governo federal, mas está parado; apoio para aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS), de autoria do Senador Paulo Paim, que cria o dia Estatuto Nacional dos Povos Ciganos, que atualmente tramita na Câmara dos Deputados; a realização de um encontro nacional dos povos ciganos; e a inclusão das pessoas no programa de banco de currículos para pessoas negras e trans que foi criado pelo MIR.

A participação da ministra ocorreu apenas na primeira hora da reunião, que durou um total de três horas. Após sua saída, os conselheiros do CNPIR debateram a reorganização do órgão à nova estrutura administrativa do Governo Federal, consensuaram uma indicação para prorrogação do mandato dos conselheiros da sociedade civil do órgão até dezembro. O tema será levado e decidido em conjunto com a Ministra Anielle Franco, em conjunto com as datas para realização da V CONAPIR e do processo eleitoral do CNPIR.


Texto: Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT

 

domingo, 19 de março de 2023

Unilab abre edital com vagas remascentes para ações afirmativas e inclui povos ciganos

 

Um total de 80 vagas são oferecidas no Ceará e 70 na Bahia para acesso em 23 cursos de graduação: inscrições de 17 a 22 de abril

A Pró-Reitoria de Graduação da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), abre inscrições, de 17 a 22 de março, para realização de processo seletivo especial destinado ao preenchimento de 1.088 vagas remanescentes dos semestres 2020.1 e 2020.2, nos cursos de graduação presencial, para ingresso no período letivo 2022.2, nos Campus das Auroras, em Redenção/Ceará, e no Campus dos Malês, em São Francisco do Conde/Bahia, para atendimento ao Programa de Ações Afirmativas da Unilab, conforme o Edital 02/2023.

Entre as vagas, 150 são destinadas para pessoas ciganas, sendo 80 vagas no Ceará e 70 na Bahia. A Seleção de que trata este Edital consistirá no aproveitamento de resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) referente aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 para o preenchimento de vagas na modalidade cotas estabelecidas pelo Programa de Ações Afirmativas da Unilab.

A Unilab, no campo da autonomia, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012, ofertará no certame vagas para indígenas, quilombolas, ciganos, povos e comunidades tradicionais, refugiados, pessoas com identidades trans e pessoas em situação de privação de liberdade ou egressas do sistema prisional.

Confira o Quadro das modalidades:

Inscrições

As inscrições para ocupar as vagas remanescentes acontecerão exclusivamente pela Internet, via Sistema de Seleção Especial Utilizando os Resultados do Enem (SISURE), no período de 17 a 22 de março.

Pré-Matrículas

O procedimento de matrícula na Unilab, de acordo com a resolução do Consuni nº 30/2013, de 25/11/2013, acontecerá, necessariamente, em duas etapas:

Pré-matrícula: a pré-matrícula será realizada de maneira virtual nas datas previstas no cronograma (item 3.1) por meio de sistema eletrônico que será disponibilizado no site do SISURE.

Matrícula Curricular: a matrícula curricular será realizada presencialmente nas coordenações de curso, em disciplinas a partir do 2º semestre conforme o PPC de cada curso, nas datas e horários a serem comunicados aos(às) candidatos(as) pré-matriculados(as). É responsabilidade do interessado estar atento aos informes para manter-se atualizado.

A UNILAB lança semestralmente   dois editais  de inscrição aos auxílio estudantis.

São várias modalidades de Auxílios:

- Instalação 380,00

- Moradia 380,00

- Alimentação 150,00

- Transporte 150,00

- Digital 380,00

- Social 380,00

- Emergencial 380,00

Por ser uma Universidade de Integração  Internacional, São garantidos até 3 auxílios por estudante para garantir a permanência no município de Redencao/CE.

Outras informações na página de Editais – Pró-Reitoria de Graduação. ou via e-mail: (selecao@unilab.edu.br).

Fonte: https://unilab.edu.br/2023/03/17/inscricoes-de-17-a-23-para-1-088-vagas-remanescentes-nos-cursos-presenciais-de-graduacao-destinado-ao-programa-de-acoes-afirmativas-da-unilab-ce-e-ba/ 

quinta-feira, 2 de março de 2023

Jovens Ciganos participam de curso para combate às fake news em saúde

INTEGRAÇÃO:Exclusivo para juventude romani, encontros começaram nesta terça (28.02) e ocorrerão online até o próximo dia 23 de março

O curso de extensão Juventude Cigana: da Invisibilidade à Comunicação Popular em Saúde teve sua sessão inaugural nesta terça-feira (28.02). É a primeira sessão de uma programação que contará com oito encontros, voltados para o combate às fake news em saúde e a valorização das identidades e culturas ciganas. A formação é voltada para 30 jovens ciganos oriundos de 14 Estados brasileiros e pertencentes aos três troncos étnicos, os Calon, os Rom e os Sinti, que possuem culturas e identidades diferenciadas.

Nascida e criada no interior de Goiás e atualmente moradora de Goiânia (GO), a advogada e mestre em Direito Agrário, Sara Macedo, 26 anos, é uma das 30 jovens selecionadas para participar do curso. Pertencente ao tronco étnico Kalon, ela pondera que a relação entre a saúde dos povos ciganos, a comunicação e a saúde são pontos centrais. 

“A saúde sempre foi um debate que me atravessou de uma maneira muito grande. Toda minha família é usuária do SUS. Ninguém tem plano de saúde, no máximo aqueles planos funerários e a gente sabe que a saúde é um indicador importantíssimo das desigualdades em todas as comunidades historicamente perseguidas”, reflete Sara (foto).

Advogada popular ligada à Pastoral da Terra e atuando em Rondônia e Pará com casos de massacre no campo, Sara lembra que dados fidedignos são importantes para que os trabalhadores do SUS reconheçam os povos ciganos. “Quando a gente fala do SUS e dos profissionais destinados ao trabalho de unidades básicas de atendimento e nos postinhos do interior, a gente sabe que esse pessoal chega a partir dos dados e quando a gente fala da população cigana esses dados não existem. Então, como a gente faz?”, questiona a advogada Romani e complementa:

“A pauta da comunicação ou outra forma de comunicação para os nossos povos, que não fale de nós de maneira estereotipada e criminalizando, mas de outra forma de abordar, como a gente vai ver aqui, a partir da saúde. Este espaço do curso vai ser riquíssimo para a gente criar de fato alternativas de sobrevivência neste mundo”, conclui a participante.

Cursando o último ano do ensino médio e trabalhando como jovem aprendiz na área de direitos humanos, Renata Letícia Beserra de Matos, 16 anos, de Cuiabá, também participou da abertura do curso e está animada com a possibilidade de aprendizado. “A minha expectativa para este curso é poder adquirir mais conhecimento como jovem cigana e fazer com que a cultura da nossa etnia continue crescendo e não seja deixada de lado”, comentou.

Integração entre jovens ciganos brasileiros

Durante a abertura, a presidente da AEEC-MT, Fernanda Alves Caiado, abriu a sessão inaugural destacando a felicidade em reunir participantes ciganos e ciganas de todo o Brasil. Ela também ressaltou a importância do curso, inédito no país, que também objetiva a produção de conteúdos digitais nas áreas de saúde, a consolidação de modelos de comunicação dialógicos e comunitários, que reconheçam e dialoguem com as realidades das comunidades romanis e debatam o conceito ampliado de saúde.

“Estamos muito felizes com a presença de todos esses jovens de vários Estados, para aprendermos e refletirmos conjuntamente o que é fake news e como enfrentá-la, a ligação entre informação, comunicação e saúde e a valorização das identidades e das culturas ciganas. Agradeço a todos que se dedicaram a este momento, em especial à Fiocruz, ao governo do Canadá, à UFMT e todas as organizações parceiras.  Estamos aqui com vocês, por vocês e para vocês. Que o curso fortaleça a comunicação e integração entre os ciganos brasileiros”, ponderou Fernanda.

Também na oportunidade, esteve presente a assessora sociotécnica do projeto pela Fiocruz Brasília, Aedê Cadaxa. Em sua fala, a jornalista e servidora pública, enfatizou que o projeto Juventude Cigana integra um projeto maior, com 15 instituições não governamentais, que trabalham com a proposta da comunicação e saúde, pró direitos humanos. Aedê desejou a todos “momentos de muito aprendizado, troca, conhecimentos e fortalecimento, especialmente porque a partir deste curso poderão criar uma rede de jovens ciganos comunicadores populares”. 


Segundo Aedê (foto acima), o objetivo da chamada é “justamente trabalhar a comunicação popular, comunitária, feita por vocês, por quem vivencia as realidades e busca espaço, a garantia dos seus direitos, respeito à sua cultura e modos de viver. A partir do governo federal, não conseguiríamos potencializar ou trabalhar formadores para trabalhar desta forma. Acreditamos muito no território, nas pessoas fazendo por elas, e é isso que a gente quer que instituições como a de vocês criem redes, formem vocês, para serem as vozes dos seus povos”, ressaltou.

Por fim, Aedê Cadaxa comentou sobre a importância do debate do conceito ampliado de saúde e o envolvimento dos jovens no enfrentamento às fake news neste campo. “Vemos em vocês jovens e que trabalham com as redes sociais muita potência, para que todos posam alcançar uma saúde de forma equânime e universal e não apenas o conceito de saúde que se vincula a doença, mas também o conceito de saúde que tem o direito, à identidade, às escolhas, aos modos de viver, trabalho, transporte, moradia e ser reconhecido como é”, concluiu.

Encerrando a abertura da sessão inaugural, a Coordenadora Pedagógica do projeto pela UFMT, a professora do Departamento de História da instituição, Ana Carolina Borges Nascimento, destacou que está participando com uma ponte para garantir que ele seja registrado e institucionalizado e o certificado saia em tempo hábil. Também representante do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural e Imaterial de Seção Mato Grosso, Ana Carolina ponderou sobre a importância de cursos de extensão para trazer os povos ciganos para o ambiente acadêmico e também fortalecer as pautas da visibilidade romani e as questões de cidadania.

“Sabemos que vocês têm pautas e demandas complexas, envolvendo sobretudo as questões de cidadania e de território e também da fake news. Estou para parabenizar e mais para aprender, para escutar, fazer trocas. A discussão que venho envolvendo raça, gênero e este mundo do trabalho está mais realocado para populações indígenas e negras e agora conhecendo mais e trabalhando também com os povos romanis. Minha mãe é descendente de Boé Bororo e eu sou preta, então, espero poder partilhar e me coloco à disposição”, finaliza Ana Carolina.

Professora do Departamento de História da UFMT e coordenadora pedagógica do Projeto Juventude Cigana, Ana Carolina Borges

Juventude Cigana

Organizada pela Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) e o Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a formação oferece 30 vagas para pessoas ciganas entre 15 e 35 anos. 

Online, o curso é ofertado por meio de chamada pública lançada pela Fiocruz Brasília, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e financiamento do Governo do Canadá. Também conta com as parcerias dos coletivos ciganos “Orgulho Romani” e “Ciganagens”, bem como o projeto Mapas da Vida, da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). A solenidade de abertura do curso, que é online, contou com a participação de representantes de todas as instituições parceiras do curso.

Texto: Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT

Fotos: Arquivos pessoais e Karen Ferreira