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sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Entrevista com o diretor cigano e circense Roy Rogeres

O multiartista cigano e circense, Roy Rogeres, produz longa-metragem abordando as culturas cigana e circense. Obra é patrocinada pela Funarte.

Leia Reportagem especial sobre a produção

Aluízio: Pode falar um pouco mais sobre este entrelaçamento entre a cultura cigana e o circo?

Roy: Há muitos elementos culturais semelhantes entre a cultura do circo e da cultura cigana. Notadamente, a gente percebe primeiro pela vida na itinerância, a paixão e a valorização das lonas, quer seja como barraca, como circo, como moradia ou para um breve pouso. Em ambas, as artes, a dança, a música e o teatro estão presentes, porque a gente sabe que os ciganos são exímios artistas, artistas completos, com charme e presenças especiais que os diferem claramente.

Fomos também os primeiros domadores de animais, a lidar por exemplo com leões, onças, com cavalos, com macacos, animais de grande porte, a domar esses animais e a mostrar em espetáculos. Eram meus tios e meus familiares que aprendiam pela via da tradição, com meus avós, e ensinavam outras pessoas a serem domadores, a manter essa função artística. Então, primeiro uma facilidade muito grande na lida com os animais e isso demonstra a nossa natureza totalmente entrelaçada ao mundo animal, que somos, o respeito à natureza, o entendimento dos outros animais, a coragem, o respeito, e acima de tudo, o talento inato.

Além disso, o fascínio pela itinerância, pela natureza, por estar em vários lugares distintos, viajar, caminhar pelas estradas a onde poucos se aventuram, e conhecer outros mundos e culturas, não ter medo de chegar até onde não tinham passado ou conhecido anres. Outra característica que podemos dizer é a alegria, comum, entre povos ciganos e circenses. Em nossos meios ciganos e circenses, a alegria ela é muito maior. A criatividade é muito grande também, tudo se transforma para o povo cigano circense em algo, em algum elemento da necessidade do circo, algo novo e necessário na engrenagem. Além disso, fazem de um tudo quanto aos equipamentos circenses, desde os figurinos e adereços, aos bailados, números, funções de empresários e negociantes.

Precisamos ver o circo como uma empresa, como uma engrenagem que requer uma série de funções e que os ciganos desempenham com muita competência todas elas. Desde ser o dono do circo, a ser palhaço, ser secretário, articular as burocracias para que possam acessar os espaços e as cidades. São uma série de funções que os ciganos desempenham de maneira magistral e que serve de referência e exemplo para os circenses não-ciganos. Isso é lindo e motivante de perceber ao acessar os dois universos circenses, ciganos e não ciganos. São nítidas as diferenças, e não é que os não ciganos não sejam também divinos no que fazem, é que do lado de cá tem um quê mágicos e especial, possível de se notar e admirar.

Aluízio: Por que registrar o circo?

Roy: É importante fazer filme sobre o circo, primeiro porque dizem que o circo é o ‘primo pobre da cultura’, apesar de ser talvez a linguagem mais rica, porque ela abrange teatro, cinema, as artes, a música, ou seja, não faz sentido permanecer sendo assim, já que a cultura circense congrega diversas linguagens, ou seja, é muito rica, mas é pouco valorizada, pouco incentivada, pouco financiada e o nosso foco é então trabalhar com circos promovidos e feitos por ciganos tanto para demarcar esse espaço e documentar, quanto pela luta por reconhecimento cultural, visibilidade do circo-cigano e pela cidadania plena para seus fazedores.

Esta é a nossa grande responsabilidade mostrar que no Brasil, assim como no mundo, os ciganos foram também são responsáveis, sendo os precursores dessas artes, apesar de até então não terem levados muitos créditos. Aludem muito a cultura circense a personagens estrangeiros, a outros grupos, de nações, mas no Brasil nós temos o circo sendo feito por ciganos, ainda que não com lona, desde a colonização o circo está presente, fomos dos primeiros a chegar, então, não é difícil reconhecer esse pioneirismo. A cultura brasileira necessita reconhecer e valorizar o circo feito por ciganos, agindo contra o apagamento cultural e em favor do reconhecimento desta tradição entre nós.

De etnia Calon, os irmãos Fernandes: Irisma (Tati), Roy e Luana nasceram no circo

Aluízio: Abordar o circo a partir da etnia Calon é algo inédito?

Roy: Estamos produzindo uma obra inédita no Brasil, que é um filme inteiramente focado na cultura circense, a partir da cultura cigana, trazendo esse entrelaçamento entre essa dupla cultura. Por si só, a cultura cigana já é alvo de perseguição e de preconceito, assim como a cultura circense também é. Ou seja, esses preconceitos e perseguições acontecem duplamente nesse caso. O filme explicita isso na narrativa de todos os personagens, então, muitas vezes, primeiro apresentam-se circenses, e só depois afirmam ou reafirmam ciganidade. É uma estratégia para poderem almenos chegar e armar o circo.

O filme vai trazer justamente esses bastidores, como as dificuldades e os desafios que os circos enfrentam para estarem onde nenhum outro equipamento cultural acesso, que são os interiores, daí a importância do circo no Brasil e no mundo, porque fora das capitais e dos grandes centros, infelizmente, o acesso à cultura, ao teatro, ao cinema, a cultura em si é muito difícil e o circo ele leva enquanto equipamento cultural todas essas artes integradas, para onde nenhum outro chega.

Apesar das dificuldades, de cada vez mais as burocracias, de negativas de terrenos, como eles têm relatado, da dificuldade para conseguir chegar, quando chegam acabam conquistando aquele espaço e sempre que voltam e podem retornar, porque há um compromisso muito grande com aquela praça, como se chama os lugares onde o circo está.

O compromisso de deixar o terreno sempre muito bem limpinho, ainda que sejam alocados em terrenos distantes, mas com muito trabalho e muita luta, vêm demonstrando ser diferente daquilo que esperam, o circo vem resistindo. E vem resistindo porque enquanto arte leva para as pessoas dos lugares mais afastados, povoados e distritos, entretenimento, a cultura a oportunidade de vivenciar este mundo mágico, especialmente para as crianças e assim elas podem ser um pouco mais felizes, um pouco mais crianças em suas infâncias no campo. São inúmeros os benefícios do circo em uma praça. O circo é também cura e felicidade, onde as vezes imperam as tristezas, misérias, desalentos...

Aluízio: Já tem data para lançamento?

Roy: A ideia inicial era que o filme fosse lançado em abril/maio de 2025, mas infelizmente, com o falecimento de dois baluartes da família Fernandes, que são os tios Cícero Roberto e José Milton, as gravações que estavam previstas para o início do ano, acabaram acontecendo apenas em agosto, então precisamos adiar esse cronograma.

É possível, que em 27 de março, dia do teatro e dia do circo, a gente faça um pré-lançamento, a depender dos próximos passos. Mas a previsão de estreia não temos como estipular, uma vez que vamos buscar novos recursos para fazer um filme a altura do que foi captado de imagem, de som, de histórias, que são grandiosas, riquíssimas. Precisamos de mais tempo e apoio tanto para novas gravações, quanto para edição e finalização, para fazer um filme a altura da ambição do projeto, do que captamos em campo e mais do que isso: daquilo que merecem, merecemos.
A Família do Circo do Palhaço Futuca pousa para foto durante gravação do filme ocorrida em Gravatá, no interior de Pernambuco, no último mês de agosto

Fotos: Barbara Jardim

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