Reportagem / Entrevista
Especial, por Aluízio de Azevedo
Fotos: Barbara Jardim
Quem já foi criança um dia,
sabe que um dos maiores desejos das pequenas é ir embora com o circo. Artes,
artistas, palhaços, mágicos, picadeiros, lonas e muita luz e brilho do circo,
uma das mais antigas formas de organização artística do mundo, fascinam e fazem
a felicidade também de adultos e idosos, tornando os nossos dias mais alegres e
menos enfadonhos.
Leia aqui entrevista completa com o diretor do filme, Roy Rogeres
Pois foi essa rica
experiência de conviver com um circo que vivenciei durante cinco dias do mês de
agosto (22 a 26), quando acompanhei as gravações do projeto “Ciganenses”. A
produção é dirigida e roteirizada pelo multiartista de etnia cigana Calon, Roy Rogeres
Fernandes Filho. Roy foi essa criança que nasceu e cresceu no circo da sua
própria família, iniciando na arte da palhaçaria muito cedo.
Acesse a página de Cinagenses no Insta e acompanhe as novidades da produção
A família Fernandes é uma
das precursoras do circo no país e hoje uma das maiores dinastias circenses,
contando com mais de 10 circos, entre eles o Circo do Palhaço Futuca, o qual
participei das gravações e pude conhecer o seu líder, Daniel Fernandes e toda a
comunidade itinerante que o acompanha, durante sua estadia na cidade de
Gravatá, em Pernambuco (PE).
A gravação no circo do
Palhaço Futuca, também uma das personagens principais da obra, foi a segunda
etapa das captações. A primeira etapa ocorreu entre os dias 08 e 12 de agosto
junto ao Circo Holiday, na cidade Valença do Piauí, no Piauí (PI), sendo este
um dos primeiros circos da família Fernandes. Antes tiveram o Circo Chibiu,
Circo Uberlândia, o Arte Palácio e depois foram formando-se e resultando nos
demais.
As despesas para minha
participação no evento e de outras duas pessoas ciganas da equipe, o design
gráfico, Danillo Kalon e a social media, Sara Macedo, foram efetuadas pela
Coordenação de Acesso e Equidade (Caeq) da Secretaria de Atenção Primária à
Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde (MS), que atua na pauta da saúde circense e
cigana no órgão.
Re-existência e
pioneirismo dos ciganos circenses
Não é por acaso, que
tanto os povos ciganos, quanto os trabalhadores circenses, convergem na
Coordenação das políticas de equidade do MS e do SUS. Além desse imaginário
fantástico e romantizado do circo, há outros bem reais e negativos, que
caminham lado a lado. Em tempos de globalização, streamings e redes sociais,
essas comunidades - empresas enfrentam diversos problemas para manterem a
cultura circense, levando alegria aos rincões mais distantes, onde as produções
culturais não chegam.
Como bem destacou Roy
Rogeres, que também é pesquisador do tema e um dos principais defensores da
pauta circense e cigana no país, são resiliência e re-existência. “Importante
destacar que os governos, as cidades, tenham olhares mais sensíveis e acolhedores
para os povos circenses e ciganos, que enfrentam essa dupla perseguição e
preconceito, mesmo querendo levar aquilo que há de melhor para as pessoas, que
é a cultura, a alegria, as artes, a ludicidade. Esperamos conseguir contribuir,
ainda que minimamente, para mostrar o quanto o circo é grandioso e rico, mas,
ao mesmo tempo, atravessa e passa por desafios inúmeros para se manter em pé”.
Neste sentido, cultura,
cinema, artes e culturas circenses e ciganas e saúde, se conjugam no filme
Ciganenses para “projetar luz para a cultura do circo promovida por ciganos”.
Na avaliação do diretor, “infelizmente a literatura não tem dado conta e não deu
conta até aqui de explicitar essa relação diretamente entrelaçada entre os
ciganos e o circo”.
“Defendo que nós fomos os
precursores do circo no Brasil desde a colonização, uma vez que a gente já
fazia circo e arte durante o período colonial, nas praças coloniais. Não tem
como a gente falar de circo com justiça social, sem falar da contribuição dos
ciganos para as artes circenses no país”, enfatiza.
Outro objetivo principal
da obra é registrar e documentar a história e a memória da família Fernandes,
de origem cigana Calon, que lidera em torno de 10 circos no Brasil, que vêm
resistindo ao longo de décadas.
“Apresentaremos no filme
a cultura do circo no Brasil promovida pela resiliência e resistência da
família Fernandes que conta hoje com todos esses circos e especialmente a
tradição da palhaçaria, que na nossa família é o grande forte. No meio
circense, nossos palhaços são respeitados. São inspirações para palhaços no
Brasil inteiro, então, queremos mostrar a dupla cultura cigana e circense,
especialmente a tradição da palhaçaria”, revela Roy.
A relação entre o circo e
os povos ciganos não ocorre apenas no Brasil. Mas o ineditismo na obra
produzida por Roy, é justamente mostrar que entre a etnia Calon as artes
circenses também estão profundamente entrelaçadas. “Na América do Sul e em
outros países têm muitos circos feitos por pessoas ciganas, a grande parte
feita por etnias Rom e outras, mas os Calon também estão nesta vanguarda e é
isso que a gente quer demarcar o espaço dos ciganos da etnia Calon nos circos
do Brasil, enquanto fundadores e mantenedores desta tradição”.
A dinastia de Maria
Cigana e João Cartomante
Segundo Roy, os Fernandes
começaram a fazer circo de 1940, 1950 pra cá. Primeiro com a apresentação de
cinema em praças públicas, com projeções fílmicas, e a labuta com animais e
nessas praças, passando o chapéu antigamente, até ter o circo como conhecemos
hoje em formato de lona.
“Em nossa família, o
circo começou com a dona Maria Cigana, minha bisavó, junto como meu bisavô, o
João Cartomante, que era caixeiro viajante e trabalhava com artes. A partir da
perseguição e injusta morte dele, que é hoje um beato na cidade de Cocal (PI),
D. Maria Cigana se envereda pelo lado do circo, com suas filhas e filhos,
especialmente a mais velha, Josefa Fernandes, conhecendo um pouco mais das
artes, pois já eram bons cantores, completos artistas, dançarinos. É muito
talento e resistência, é muita resiliência”, relata o multiartista Calon.
Entre as personagens principais do filme estão vários palhaços que pertencem à Família Fernandes. Entre eles, “o Palhaço Sapatão, que primeiramente era o Tio Rogério que fazia, depois passou para o irmão dele, o tio Cícero e agora é o Kenny Hollyman quem faz, o filho do Cícero; o palhaço Futuca, que é o Daniel, o palhaço Pipoquinha/Chapolin, o Wanderson; e o Beto Chameguinho, que hoje trabalha no Parque Beto Carreiro World. O Palhaço Chameguinho é um dos grandes nomes do circo nacional, uma das principais referências, tendo sido eleito em diversos concursos e páginas especializadas, o melhor palhaço do Brasil, por diversas vezes”, explica Roy, acrescentando que:
“Nós temos também a
intenção de gravar com o palhaço Safadinho, que tá hoje em São Paulo e pertence
à família e alguns outros, para além, claro, daquelas que conviveram e que
desde então estão juntos fazendo o circo acontecer, suas esposas, as mães, como
a tia Edna e a tia Lina, que são mulheres que dedicaram mais de 40 anos as
artes do circo, além da nossa matriarca, a tia Iracilda, que mora em Barreiras,
uma grande artista, com muita memória”.
Financiamentos e Apoios - O projeto Ciganenses foi aprovado no Edital Retomadas na categoria Circo da Funarte, com previsão de finalização até dezembro de 2025. “Para além disso, nós resolvemos que é muito importante buscar financiamento para finalização do filme, o que demanda um custo maior. Agora terminadas as gravações primeiras, a gente vai em busca de apoio para novas gravações e a finalização fílmica. Tivemos o apoio do Ministério da Saúde e do Ministério da Igualdade Racial para participação de pessoas que moram em Estados distantes, como o palhaço Beto Chameguinho e dos membros do Coletivo Ciganagens, o Aluízio, a Sara e o Danilo pudessem participar presencialmente, o que foi de suma importância”, conclui o diretor.
Saúde Cigana e Saúde Circense – As comunidades e trabalhadores circenses, assim como os povos ciganos, são acolhidos no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das políticas de equidade. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani (Portaria do Ministério da Saúde 4348 de 28/12/2018) ampara os povos ciganos e determina o atendimento diferenciado as pessoas das etnias ciganas presentes atualmente no Brasil. São elas os troncos étnicos Calon, Rom e Sinti e seus subgrupos.
Também no âmbito do SUS,
a Portaria do MS 940 de 2011, que dispensa circenses, trabalhadores de parques
e itinerantes e povos ciganos de apresentar comprovação de endereço para serem
atendidos nos serviços do SUS. Atualmente tanto a pauta da saúde cigana, quanto
da saúde circense, está sob os cuidados da Caeq/Saps/MS. Saiba mais no link: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/equidade-em-saude
.
Ficha técnica
- Patrocínio: Funarte /
Edital Retomadas – Categoria Circo
- Direção Geral: Roy
Rogeres Fernandes Filho
- Fotografia e Montagem:
Letícia Ribeiro
- Som Direto: Ronne
Portela
- Stil e fotografia:
Bárbara Jardim
- Supervisão de montagem
e pesquisa e colaboração imagens: Aluízio de Azevedo
- Coordenação de
Produção: Luanna Marylack
- Produção: Mariana
Passos
- Assistente de Produção:
Carla Lumena
- Redes sociais: Sara
Macêdo
- Artes/designer: Danillo
Kalon
- Condução e Assistência:
Valney Transportes e Turismo
- Assistência de produção
e direção: Irisma Fernandes
- Chefe de cozinha:
Kleber Luis Souza Júnior
- Apoios: Ministério da
Saúde e Ministério da Igualdade Racial
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