quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Exposição Multimídia Calin: acesse a plataforma digital

 

A Mestra da Cultura Mato-grossense e mestra da medicina tradicional cigana, Maria Divina Cabral, a Diva, é uma das principais fotografadas para a Exposição Multimídia Calin

A resistência, a diversidade e a beleza das mulheres ciganas do tronco étnico Calon que pertencem as comunidades romanis de três municípios: Rondonópolis, Cuiabá e Tangará da Serra. Este é o tema central que os interessados no universo romani poderão conferir na Exposição Multimídia Calin, disponível para ser acessada no link: https://galeriacalin.com.

A exposição “Calin” é um dos produtos transmídias que integram o projeto “Diva e as Calins de Mato Grosso: Ontem, Hoje e Amanhã”; aprovado no edital Conexão Mestres da Cultura, da Lei Aldir Blanc, da Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer de Mato Grosso (SECEL-MT). Proposto pela Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), o projeto homenageia a raizeira e benzedeira cigana, Maria Divina Cabral, a Diva, como Mestra da cultura mato-grossense.

Trata-se da primeira exposição multimídia com foco no universo das mulheres ciganas do tronco étnico calon no país. Ao trazer as “Calins de Mato Grosso”, o projeto visa mostrar a diversidade das mulheres ciganas que vivem no Estado, registrar e valorizar seus valores, tradições e saberes. Também é uma forma de combater estereótipos e preconceitos sobre as mulheres ciganas.

A negociante Cleide Alves Cabral é filha da Mestra Diva e uma das participantes da Exposição Calin

“O material multimídia exposto é resultado de um encontro sutil e delicado entre nossa equipe e o modo como nos vemos, nos mostramos e, principalmente, queremos ser vistas. Assim, brindamos o público com novas autorrepresentações do universo romani, especialmente, do tronco étnico Calon. Esperamos que a plataforma se transforme numa referência nacional, quiçá internacional”, comemora a presidente ada AEEC-MT e coordenadora geral do projeto, Fernanda Alves Caiado.

O trabalho registrou mulheres de diferentes idades, propondo novas possibilidades do que é ser calin, cigana, mulher, mato-grossense, brasileira... A exposição une as famílias de Maria Divina Cabral, a Mestra Diva e suas parentas Nerana (Tangará da Serra), Irandi (Cuiabá), Terezinha (Cuiabá) e Nilva (Rondonópolis), mulheres que também consideramos como mestras da cultura cigana, pois conservam os saberes, as filosofias e as identidades da cultura cigana.

A estudante de administração da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Taize Aracelli Caiado Siqueira

Conceito - Em fotos, vídeos e textos, “Calin” vislumbra a criação de novas narrativas para que mais e mais mulheres ciganas se inspirem e possam criar os próprios caminhos. O site é composto por menus explicativos apresentando a exposição, o projeto, a mestra Diva, as mulheres que participam do trabalho; bem como traz vídeos e links para o blog e redes sociais da AEEC-MT.

“Apresentamos um universo ora onírico, ora de realidade, que se revela através da compreensão feminina de uma cultura milenar de resistência, cuja medicina tradicional se baseia na natureza. Como as raízes profundas das árvores retorcidas e sertanejas do cerrado, que resistem ao fogo e a seca, produzindo flores e frutos; as mulheres ciganas produzem cultura e cura que precisam chegar a mais e mais pessoas, ainda mais nesses tempos em que vivemos de pandemia, em que a saúde tornou-se uma questão central”, enfatiza a fotógrafa e curadora, Karen Ferreira.

A odontóloga Lara Karoline Alves Teixeira e sua filha Laura Teixeira Locatelli – Tangará da Serra

“Calin” é o modo como as mulheres do tronco étnico Calon se autodenominam. Assim, o nome da exposição, que também vai no projeto, é também uma forma de promover e valorizar os saberes ancestrais das mulheres ciganas mato-grossenses.

“A escolha por este nome sintetiza a desconstrução da palavra “cigana”, na busca por uma produção em artes visuais dialógica, que de fato represente as Calins a partir de suas percepções e modos de ver e viver a vida, enquanto ciganas, trabalhadoras, ativistas, estudantes... Este é um trabalho muito importante para a quebra de preconceitos e estereótipos que historicamente estiveram associados às ciganas, mas que são equivocados e racistas” conclui o diretor de arte e curador da exposição, Rodrigo Zaiden.

Nilva Rodrigues Cunha - Rondonópolis

Produtos transmídia - A plataforma virtual da exposição conta com uma abertura que se baseia na bandeira cigana, cuja roda vermelha que demarca o seu centro, dividindo a parte azul celeste acima, da verde abaixo. A Galeria Calin abrange quatro salas principais, a primeira delas, “Diquela Calin”, é composta por 34 fotografias e abre o site após a abertura animada.

As outras salas são “Tali Lachin”, “Lage no Mui” e “I Encontro de Mulheres Ciganas de Mato Grosso”. Este último evento é outro dos produtos transmídias do projeto “Diva e as Calins” e ocorreu entre os dias 22 e 24 de abril de 2021, em Rondonópolis, ocasião em que a Mestra Diva ministrou oficinas sobre medicina tradicional cigana para 15 mulheres das comunidades ciganas de Rondonópolis e de Cuiabá.

Audelena Dias Cabral é coordenadora do grupo de danças Tradição Cigana - Rondonópolis

O terceiro e último produto transmídia do projeto Diva é a websérie “Diva e as Calins de MT”, cujo teaser também está linkado no site da exposição, em conjunto com outros pequenos vídeos. A websérie é composta por cinco episódios, com cinco minutos, sendo que cada um deles traz uma mulher cigana, sendo o primeiro deles, a mestra Diva. As outras mulheres abordadas nos quatro episódios são: Nerana, Irandi, Terezinha e Nilva.

Para saber mais sobre o projeto “Diva e as Calins de Mato Grosso: Ontem, Hoje e Amanhã”, acesse a plataforma da Exposição Multimidia Calin ou o Blog da AEEC-MT.

 

Texto: Aluízio de Azevedo

Fotos e gifs: Karen Ferreira

 

Mulheres Ciganas na Exposição

- Mestra Maria Divina Cabral – Rondonópolis

- Lurdes Rodrigues Cunha – Rondonópolis (In Memoriam)

- Venerci Rodrigues Cunha - Rondonópolis

- Venerana Rodrigues Pereira – Tangará da Serra

- Nilva Rodrigues Cunha – Rondonópolis

- Irandi Rodrigues Silva – Cuiabá

- Terezinha Alves - Cuiabá

- Cleide Alves Cabral - Rondonópolis

- Jéssika Lorrayne Alves Cabral Lima Leme - Rondonópolis

- Leidiane Alves Pereira - Rondonópolis

- Cristiane Alves Pereira - Rondonópolis

- Ana Cristina Souza Pereira - Rondonópolis

- Suiany Mendes Cabral - Rondonópolis

- Isabella Souza Pereira - Rondonópolis

- Paula Cabral Leme – Rondonópolis

- Erlaine Rodrigues Silva - Cuiabá

- Eunice Alves Pereira Teixeira – Tangará da Serra

- Fernanda Alves Caiado - Cuiabá

- Lucélia Márcia Alves Pereira - Cuiabá

- Laura Teixeira Locatelli – Tangará da Serra

- Lara Karoline Alves Teixeira – Tangará da Serra

- Rafaela Alves Ribeiro – Tangará da Serra

- Rosana Cristina Alves de Matos Cruz  - Cuiabá

- Renata Letícia Bezerra de Matos - Cuiabá

- Taize Aracelli Caiado Siqueira - Cuiabá

- Rafaela Caiado Sacramento Siqueira - Cuiabá

- Audelena Dias Cabral – Rondonópolis

- Clara Silva Zaniboni - Cuiabá

- Elizângela Marcel - Rondonópolis

- Márcia Rodrigues – Rondonópolis

- E os meninos Benjamim Romeu Alves Fonseca (Tangará da Serra ) e Davi Silva Zaniboni (Cuiabá)

 

Ficha Técnica

- Coordenação Geral – Fernanda Alves Caiado

- Produção Executiva - Fernanda Caiado e Lucélia Márcia Alves Pereira;

- Direção de Fotografia e fotografia - Karen Ferreira

- Concepção, Pesquisa e Direção de produção - Aluízio de Azevedo e Rodrigo Zaiden

- Curadoria - Karen Ferreira, Aluízio de Azevedo e Rodrigo Zaiden

- Direção de Produção - Nilva Rodrigues

- Direção de Programação - Terezinha Alves

- Direção de Arte, Rodrigo Zaiden

- Produções Locais - Jéssika Lorraine, Audelena Dias Cabral, Rosana Cristina Alves de Mattos e Suiani Alves Pereira.

- Projeto Expográfico Virtual  - Rodrigo Zaiden e Aluízio de Azevedo

- Webdesigner - Vicente de Albuquerque

- Desenvolvimento da plataforma – Trinca Produções

- Contabilidade: Adriana Rodrigues Angola

- Assessoria para Ciência e Comunicação - Aluízio de Azevedo

- Maquiagem e Cabelo - Alisson Rangel

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Calins de MT: Exposição multimídia homenageia mestre cigana e combate preconceito

Mestra Diva, suas duas filhas, quatro netas e três bisnetas - Rondonópolis

Site Gazeta Digital publica com exclusividade reportagem sobre a Exposição Multimídia Calin

Da redacao@gazetadigital.com.br

 Fotos: Karen Ferreira


A resistência, a diversidade e a beleza das mulheres ciganas do tronco étnico Calon que pertencem às comunidades romanis de 3 municípios: Rondonópolis, Cuiabá e Tangará da Serra. Este é o tema central da Exposição Multimídia Calin, disponível para ser acessada no link: https://galeriacalin.com.

 

A exposição “Calin” é um dos produtos transmídias que integram o projeto “Diva e as Calins de Mato Grosso: Ontem, Hoje e Amanhã”; aprovado no edital Conexão Mestres da Cultura, da Lei Aldir Blanc, da Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer de Mato Grosso (SECEL-MT). Proposto pela Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), o projeto homenageia a raizeira e benzedeira cigana, Maria Divina Cabral, a Diva, como Mestra da cultura mato-grossense.

 

Essa é a primeira exposição multimídia com foco no universo das mulheres ciganas do tronco étnico calon no país. Ao trazer as “Calins de Mato Grosso”, o projeto visa mostrar a diversidade das mulheres ciganas que vivem no estado, registrar e valorizar seus valores, tradições e saberes. Também é uma forma de combater estereótipos e preconceitos sobre as mulheres ciganas.

 

“O material multimídia exposto é resultado de um encontro sutil e delicado entre nossa equipe e o modo como nos vemos, nos mostramos e, principalmente, queremos ser vistas. Assim, brindamos o público com novas autorrepresentações do universo romani, especialmente, do tronco étnico Calon. Esperamos que a plataforma se transforme numa referência nacional, quiçá internacional”, comemora a presidente ada AEEC-MT e coordenadora geral do projeto, Fernanda Alves Caiado.

 

O trabalho registrou mulheres de diferentes idades, propondo novas possibilidades do que é ser calin, cigana, mulher, mato-grossense, brasileira. A exposição une as famílias de Maria Divina Cabral, a Mestra Diva e suas parentas Nerana (Tangará da Serra), Irandi (Cuiabá), Terezinha (Cuiabá) e Nilva (Rondonópolis), mulheres que também consideradas mestras da cultura cigana, pois conservam os saberes, as filosofias e as identidades da cultura cigana.

 

Conceito 


Mestra Diva ministra oficina de medicina tradicional cigana no I Encontro de Mulheres Ciganas de MT ocorrido entre os dias 22 e 24 de abril, em Rondonópolis

Em fotos, vídeos e textos, “Calin” vislumbra a criação de novas narrativas para que mais e mais mulheres ciganas se inspirem e possam criar os próprios caminhos. O site é composto por menus explicativos apresentando a exposição, o projeto, a mestra Diva, as mulheres que participam do trabalho; bem como traz vídeos e links para o blog e redes sociais da AEEC-MT.

 

“Apresentamos um universo ora onírico, ora de realidade, que se revela através da compreensão feminina de uma cultura milenar de resistência, cuja medicina tradicional se baseia na natureza. Como as raízes profundas das árvores retorcidas e sertanejas do cerrado, que resistem ao fogo e a seca, produzindo flores e frutos; as mulheres ciganas produzem cultura e cura que precisam chegar a mais e mais pessoas, ainda mais nesses tempos em que vivemos de pandemia, em que a saúde tornou-se uma questão central”, enfatiza a fotógrafa e curadora, Karen Ferreira.

 

“Calin” é o modo como as mulheres do tronco étnico Calon se autodenominam. Assim, o nome da exposição, que também vai no projeto, é também uma forma de promover e valorizar os saberes ancestrais das mulheres ciganas mato-grossenses.


“A escolha por este nome sintetiza a desconstrução da palavra 'cigana', na busca por uma produção em artes visuais dialógica, que de fato represente as Calins a partir de suas percepções e modos de ver e viver a vida, enquanto ciganas, trabalhadoras, ativistas, estudantes.Este é um trabalho muito importante para a quebra de preconceitos e estereótipos que historicamente estiveram associados às ciganas, mas que são equivocados e racistas” conclui o diretor de arte e curador da exposição, Rodrigo Zaiden.


Para saber mais sobre o projeto “Diva e as Calins de Mato Grosso: Ontem, Hoje e Amanhã”, acesse a plataforma da Exposição Multimidia Calin ou o Blog da AEEC-MT.

Disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/exposio-multimdia-homenageia-mestre-cigana-e-combate-preconceito/671645?fbclid=IwAR28bImcK_vSSA8sgnJmdXqOKUr-ULLV-v-Z1I09b_DHo7sIsCi2Op9pDjk

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Saúde irá incluir populações circenses, povos ciganos e populações em situação nômade no ConecteSUS

Imagem do movimento do circo no Brasil
Não será necessário comprovante de domicílio no cadastro do Cartão Nacional de Saúde

Em uma ação interministerial que integra ações nas áreas de Saúde, Cultura, Educação, Direitos Humanos e Assistência Social em benefício da população circense itinerante no Brasil, o Ministério da Saúde amplia o acesso à saúde dessas populações ao identificar a itinerância no Cartão Nacional de Saúde pelo aplicativo ConecteSUS Cidadão. Assim, pessoas em situação nômade terão alcance aos serviços sem necessariamente comprovar endereço.

Para anunciar essa e outras ações, a Secretaria Especial da Cultura e a Funarte lançam a campanha interministerial “Respeitável Circo!”, nesta quarta-feira (20). Durante o evento, a Funarte vai apresentar a cartilha “Respeitável Circo!”, material que busca orientar agentes públicos e instituições.

Normalmente, quando uma pessoa vai se consultar em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) é exigido comprovante de residência. Para essas populações, como os circenses, isso acabava sendo uma barreira uma vez que a itinerância é uma das principais características de sua cultura. Ou seja, essas pessoas não conseguiam atendimento.

Agora, o Ministério da Saúde vai disponibilizar um campo no ConecteSUS onde será possível identificar a pessoa, dispensando a obrigatoriedade da apresentação do comprovante de residência.

A ação visa manter o cuidado contínuo dessas populações no âmbito da Atenção Primária à Saúde e possibilitar o registro e acompanhamento da população itinerante pelos profissionais de saúde e os gestores.

A população circense brasileira compreende mais de 20 mil pessoas, distribuídas em cerca de 800 circos itinerantes de pequeno, médio e grande porte nas cinco regiões do país.

“Respeitável Circo!”

A campanha interministerial tem a finalidade de contribuir para o desenvolvimento da atividade artística circense no país e de qualificar a intervenção dos agentes públicos dos municípios, estados e do Distrito Federal, na implementação de ações regionais.

É de suma importância que as três esferas de governo - União, estados e municípios - bem como a sociedade civil, se empenhem na concretização das ações que visem ampliar a promoção, a atenção e o cuidado em saúde das populações específicas e em situação de vulnerabilidade social, materializando os princípios que alicerçam o Sistema único de Saúde (SUS).

Cartilha da campanha Respeitável Circo!

A cartilha da campanha "Respeitável Circo!" procura facilitar o acesso do artista circense a programas de assistência social, saúde, educação e, também, estimular o incentivo à formação de público. Busca ainda auxiliar na redução dos empecilhos de ordem burocrática para a montagem das lonas nas cidades por onde passam. Na cartilha, são esclarecidos os direitos, deveres e principais necessidades desses artistas. Ela também pretende conscientizar os gestores públicos e privados de que o circo é uma atividade artística e cultural reconhecida por lei e que, como tal, deve ser apoiada de várias formas.

Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/outubro/saude-ira-incluir-populacoes-circenses-povos-ciganos-e-populacoes-em-situacao-nomade-no-conectesus

Por Ministério da Saúde

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Ensaio: Globalização, ou a substituição da mandala pelo caleidoscópio

Ensaio publicado originalmente no E-book "Olhares sobre Educação" uma obra da Editora do Ministério da Saúde. 

Obra acima, Mandala das Minorias, que abre a capa do livro, é de autoria de Aluízio de Azevedo, que também assina este ensaio

Resumo

Apresento neste ensaio a metáfora da substituição da mandala pelo caleidoscópio para refletir sobre as opressões causadas pela globalização neoliberal aos povos não-europeus, incluindo aí as comunidades ciganas, em seu eixo civilizacional-cultural. Evidencio que as comunidades ciganas não sofreram essas violências simbólicas sem lutar. Exemplifico tal cenário apresentando a “tática do coringa”, uma categoria discursiva anticolonial criada pelas pessoas romani para se manterem enquanto culturas distintas, mantendo filosofia e modos de organização próprios, que confrontam os valores de vida ocidentais.

Palavras-chave: Ciganos. Decolonização. Comunicação e Saúde.


1. Entre táticas e metáforas: a decolonização da saúde cigana

Esse texto nasce como uma continuidade das reflexões que teci para ser mediador da mesa “Educação e Saúde Pública para Minorias: como desenvolver uma sociedade plural e inclusiva”, que abriu o Ciclo de Debates “Olhares sobre Educação”. O evento foi organizado pela Área de Ensino e Pesquisa do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) e ocorreu no dia 10 de setembro de 2020. Nesse contexto, me foi dada a possibilidade de aprofundar o debate sobre as comunidades ciganas. Após muito refletir, pensei que este seria um espaço apropriado para debater sobre a decolonização no campo da comunicação e saúde para as “minorias”, tendo como foco as comunidades ciganas.

O farei partindo de uma metáfora que construí na tese de doutorado para compreender o atual cenário de opressão civilizacional-cultural do ocidente para com todos os povos não-europeus, incluindo os povos romani. E também o conceito de “Tática do Coringa”, para representar uma das táticas que as comunidades ciganas colocaram em prática para não serem assimiladas ou destruídas. Esta construção se deu a partir de um arranjo epistemológico que se ancorou em quatro matrizes teórico-metodológicas: os estudos culturais, os estudos semiológicos, os estudos decoloniais e a filosofia cigana.

Tal arranjo proporcionou a construção de um saber compartilhado junto ao movimento e comunidades ciganas, valorizando suas vozes, olhares e conhecimentos, que foram silenciados ou invisibilizados pelas sociedades ocidentais e a ciência hegemônica. Os processos de invisibilidade/hipervisibilidade negativa (estereótipos, estigmas, nomeações, etc.) e as políticas de silenciamento foram duas das principais estratégias utilizadas pelo colonialismo e capitalismo para a exclusão da filosofia de vida e os sistemas de ação e organização Calon (também pode ser escrito “Kalon” ou “Calom” é um dos três grandes troncos étnicos ciganos. Os outros dois troncos étnicos são os Rom e os Sinti) e desqualificações das comunidades e pessoas ciganas.

2. A substituição da mandala pelo caleidoscópio

Na aula magistral ministrada em 19 de abril de 2017, na Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos destacou que vivemos um tempo de transição paradigmática; oportuno para a ocorrência de monstruosidades sociopolítica-econômicas. Segundo ele, essas monstruosidades se expressam por meio da aplicação da violência física; e acrescento que também por meio da aplicação de violências culturais-civilizacionais.

Para representar sinteticamente a esses processos opressores simbólicos, utilizo a mandala, uma representação geométrica oriental e o caleidoscópio, um aparelho óptico. Simbolicamente, o atual estágio da sociabilidade global, imposta pelo colonialismo/capitalismo, mais conhecido como globalização, está trocando a mandala pelo caleidoscópio. A mandala é uma arte de diversas culturas orientais, como hindus e budistas, sendo construídas em variadas formas, tamanhos e cores, dispostas ou não de maneira simétrica a conformar um círculo em expansão que pode ser ampliado infinitamente.

Introduzida no ocidente nas obras de Jung, para representar a totalidade do self e da psiquê, em sânscrito, mandala significa círculo e simboliza a unidade nas alteridades. Sendo aberta e expansiva, sai dos dualismos e acolhe a todos os elementos, ainda que diversos. Tem fundo artístico espiritual, de respeito mútuo e reconhecimento. Interliga sem descaracterizar e é entendida como resumo da manifestação espacial do divino, uma síntese da imagem do mundo. Também simboliza as leis que governam o cosmos e às quais estão submetidas a humanidade e a natureza, agregando inclusive o caos.

Já o caleidoscópio, criado pelo físico escocês Dawid Brewster, é realizado com um tubo cilíndrico, que mantém uma pequena abertura em um apenas um dos lados, sendo conformado por espelhos internos e pedras multicoloridas de vidro. Os espelhos são arranjados de uma forma que se autorrefletem e conforme são viradas formam múltiplas figuras, dando a impressão que são diferentes. Porém, sempre se limitam a um número específico de vezes que as pedras são giradas, modificando o modo como são refletidas.

Esse aparelho dá a sensação de estar sempre em movimento, conformando novas figuras. Todavia, está girando em torno de si mesmo e nunca permite configurações completamente diferentes das que ali são combinadas. Uma ilusão ótica, limitada aos reflexos e a quantidade de giros do aparelho e a combinação do jogo dos espelhos, que parece infinito, mas é ordenado, encaixando o olhar em ilusões, ainda que belas.

Nesta metáfora, a globalização liberal é uma estratégia do ocidente, assemelhada ao caleidoscópio, que se constitui de uma parte trânsfuga do oriente, representado pela mandala, buscando substitui-lo enquanto matriz fundadora civilizacional, totalizante e antidicotômica, que abarca uma multiplicidade de tempos e mundos - entre eles o ocidente (SANTOS, 2010). De fato, o ocidente nunca se transformou num centro alternativo ao oriente, mas tenta se impor aplicando “a produtividade e a coerção legítima”. Processos que se dão principalmente pela adoção de um padrão pela ciência e arte modernas obcecadas pela “razão metonímica” e o conceito de totalidade sob forma de ordem.

Para a visão científica moderna, toda compreensão não pode ser pensada sem um todo, que tem soberania sobre as partes, sendo que essas últimas jamais podem destituir o todo (SANTOS, 2010). O saber científico ocidental e a mídia são espécies de caleidoscópios. Autorrefletidos como espelhos, acabam girando em torno de si mesmos, proporcionando diferentes configurações, algumas muito belas, mas sempre enquadradas dentro de um mesmo formato. Uma das experiências mais claras das relações dessa configuração ocorre na persistência da colonização epistemológica, da reprodução dos estereótipos e formas de discriminação, que são como pulsões escópicas do outro como espelho de si mesmo, que tolera a diversidade, a integrando para devorar ou o excluir.

3. A Tática do Coringa

Entretanto, o oriente e as pessoas ciganas não sofreram esses processos sem lutar. Para combatê-los, resistindo enquanto identidades culturais e mantendo estilos de vida próprios confrontando modos ocidentais, desenvolveram a “tática da carta do coringa”. Uma referência aos jogos de baralho, pensada do ponto de vista do discurso, a tática do coringa envolve hibridação, camuflagem e mimese. A capacidade, adaptabilidade e maleabilidade cultural e sócio-organizacional, que se fundamenta na articulação de saberes tradicionais; com conhecimentos modernos e pós-modernos de ativistas e pessoas ciganas, inclusive midiáticos e científicos, que nos permitiu resistir como comunidades distintas aos avanços da colonização/globalização, ora na construção de identidades miméticas, ora contrastivas.

Enquanto a sociedade ocidental aplicava a estratégia da substituição da mandala pelo caleidoscópio como totalidade do mundo, por meio dos processos de silenciamento, linguicídios, invisibilidade (identidadecídios, apagamento de saberes) e hipervisibilidade negativa (padronização cultural desqualificações por meio de racismos, estereótipos e estigmatizações e inferiorizações); nomeando e classificando toda uma rica alteridade como o genérico “ciganos”, oco e sem vida, demonizado, um reflexo mal refletido de si mesmo, mas projetando todas as suas frustrações e recalques, ódios e rancores; as pessoas ciganas jogam com esse genérico, desenvolvendo táticas de hibridação e mímica.

O coringa se encaixa em todas as posições, podendo compor pares e opostos. Ele pode simbolizar a todas as outras cartas, porém continua sendo o que é: um coringa e não as outras cartas. Tem o poder de assumir todas as composições em um jogo, valendo o que qualquer carta vale, substituindo-a, sem perder seu valor próprio ou a capacidade de simbolizar uma carta diferente noutra composição. Todo coringa é único, nunca um é igual a outro, o que equivale a fórmula nenhum ser humano é igual ao outro.

Diz Bakhtin (2002) que o homem (ou mulher) nunca coincide consigo mesmo (a). A ele (a) não se pode aplicar a fórmula de identidade de A é idêntico (a) a B. E isso simboliza a inconclusividade do ser, compreendendo os lugares de interlocução e identidades culturais que nos são atribuídos, aos quais negociamos dentro de uma elipse que esse genérico permite. Militantes ciganos utilizam a estratégia da invisibilidade, da visibilidade e da hipervisibilidade, como elementos de negociação, articulados a outros fatores, para fortalecer os seus lugares de interlocução.

Um exemplo comunicacional dessa tática são as articulações que o movimento cigano realiza junto a veículos da mídia tradicional, para atuar divulgando informações ou notícias acerca das culturas e identidades ciganas, além de suas demandas políticas e sociais. Ou utilizam as redes sociais para o mesmo fim, além de denunciar racismos e opressões. Há inclusive uma disputa entre as várias associações ciganas em torno da visibilidade própria de cada instituição. 

Outro exemplo científico é o meu caso, que propus esse diálogo de forma acadêmica, como pesquisador do meu próprio universo cultural, em que a carta do coringa se expressa nas múltiplas identidades que habitam o meu ser: cigano Calon, brasileiro, profissional da comunicação e saúde, artista e ativista. Todavia, não garante melhores lugares discursivos, mas são formas de tornar a luta conhecida, sensibilizando outras instâncias, como o próprio Estado, com quem vem dialogando ativamente.

Por Aluízio de Azevedo - Assessor para Ciência e Comunicação da AEEC-MT, doutor em informação, comunicação e saúde (Fiocruz), técnico em comunicação social - jornalista do Ministério da Saúde

Texto publicado originalmente no E-Book "Olhare Sobre Educação" (páginas 40-45). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/olhares_sobre_educacao_1ed.pdf  

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Ed. Hucite: 2002.

SANTOS, B.S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos B.S e Meneses M.P. (org). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 31-83. 

SANTOS, B.S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 4a. São Paulo: Ed. Cortez, 2002.

SILVA JÚNIOR, A. A. (2018). Produção Social de Sentidos em Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: a apropriação das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal. (Doutorado em Informação, Comunicação e Saúde). Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, ICICT, FIOCRUZ. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/33131. Acesso em: 31/05/2019. 

sábado, 9 de outubro de 2021

Editora do Ministério da Saúde lança E-book Olhares sobre Educação

Ensaio do Assessor para Ciência e Comunicação da AEEC-MT publicado na obra aborda a relação das comunidades ciganas e a globalização

A obra pode ser baixada no site da Biblioteca Vitual em Saúde: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/olhares_sobre_educacao_1ed.pdf

A Editora do Ministério da Saúde acaba de lançar o E-book “Olhares sobre Educação” (Brasília, 2021). A obra é uma publicação da Coordenação de Ensino e Pesquisa do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), em conjunto com a Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS-RJ).

As organizadoras do livro virtual são: Ildenê Guimarães Loula, Pâmela Pinto, Raquel da Silva Teixeira, Rosamelia Queiroz da Cunha. Também contou com a colaboração de Carla Cristina Mendes Alferes dos Santos Danielle do Valle Ingrid Vianna Espinosa Rodrigues

O E-book reúne 13 capítulos, entre eles um escrito pelo pesquisador e servidor do Ministério da Saúde, Aluízio de Azevedo, com o título “Globalização, ou a Substituição da Mandala pelo Caleidoscópio” (p. 40-45). 

A pintura que ilustra a arte da capa, "Mandala das Minorias", é também de Aluízio.

Assessor para Ciência e Comunicação da AEEC-MT, no capítulo, Aluízio aborda o tema da globalização e da padronização cultural imposta por ela às comunidades ciganas, bem como as táticas de resistência dos romanis, que continuam mantendo suas culturas frente à colonização cultural.

No resumo do ensaio, o autor pontua que apresenta no ensaio “a metáfora da substituição da mandala pelo caleidoscópio para refletir sobre as opressões causadas pela globalização neoliberal aos povos não-europeus, incluindo aí as comunidades ciganas, em seu eixo civilizacional-cultural”.

Azevedo também evidencia no texto “que as comunidades ciganas não sofreram essas violências simbólicas sem lutar”; exemplificando tal cenário “apresentando a ‘tática do coringa’, uma categoria discursiva anticolonial criada pelas pessoas romani para se manterem enquanto culturas distintas, mantendo filosofia e modos de organização próprios, que confrontam os valores de vida ocidentais”.

Na organização do E-book, as organizadoras destacam que o livro “é uma exposição de toda a riqueza de conhecimento expressa por 19 profissionais que, generosamente, aceitaram o convite da Área de Ensino e Pesquisa (ARENP) do Hospital Federal dos Servidores do Estado/SAES/MS (HFSE) tanto para falar sobre temas que foram definidos pela equipe da ARENP, quanto para mediar os debates no ciclo de debates “Olhares sobre a Educação”.

Ciclo de Debates Olhares Sobre Educação

O ciclo ocorreu entre 10 de setembro a 29 de outubro de 2020. Foram convidados 16 profissionais cuja inserção, seja no ensino, na gestão ou na reflexão sobre os temas, poderiam aprofundar as conversas da equipe. Em 04 de dezembro houve um encontro especial que contou com mais três palestrantes.

“O entusiasmo e apoio da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro (SEMS/RJ), da Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde (ASCOM/MS), da Coordenação Geral de Divulgação e Informação do Ministério da Saúde (CGDI/MS), do Centro Cultural do Ministério da Saúde (CCMS) e da Conexão Inovação Pública RJ possibilitaram a realização desses encontros”, diz um trecho da apresentação.

Foram 20 horas de exposições e debates muito ricos durante os quais houve, também, grande contribuição dos mediadores que apoiaram os encontros desse ciclo. Todas as palestras foram transmitidas em tempo real pelo perfil do YouTube do Conexão Inovação Pública MINISTÉRIO DA SAÚDE OLHARES SOBRE EDUCAÇÃO 10 RJ, local que também mantém disponível os vídeos dos encontros.

Texto: Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Intercom lança livro Comunicação e Ciência na era Covid-19: dois capítulos abordam ciganos

Obra conta com capítulo com foco na experiência do coletivo #OrgulhoRomani e a pauta cigana na comunicação pública em meio à covid-19

A Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) acaba de lançar o livro “Comunicação e ciência na era covid-19”, que contém um capítulo abordando a questão cigana durante a pandemia e a atuação de militantes-pesquisadores vinculados ao Coletivo Internacional #OrgulhoRomani.

O capítulo “Orgulho Romani” e a pauta cigana na comunicação pública em meio à covid-19” é assinado por dois dos três membros do Coletivo: a jornalista, ativista negra e pesquisadora das comunidades ciganas e a mídia, Gabriela Marques; e pelo jornalista, ativista e pesquisador da comunicação e saúde, Aluízio de Azevedo, que também é assessor para ciência e comunicação da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT).

O coletivo Orgulho Romani também é formado pela musicista, cantora, ativista e pesquisadora cigana, Aline Miklos.

Uma publicação do GP de Políticas e Estratégias de Comunicação da Intercom, o livro contou com a organização de suas coordenadoras: Elen Geraldes, Gisele Pimenta, Kátia Belisário, Rafaela Pinto e Ruth Reis.

Um dos capítulos, o ensaio “Comunicação popular, meio digital e pandemia: experiência de uma pesquisa-intervenção”, de autoria de Breno da Silva Carvalho e Ana Gretel Echazú Böschemeier, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), também abordam em seu texto um projeto de boas práticas de enfrentamento à covid-19 voltada para comunidades e movimentos sociais incluindo ciganos, indígenas e quilombolas nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará.

Com 245 páginas e 16 capítulos com experiências variadas sobre a comunicação pública, a universidade, a ciência e a pandemia; a obra será lançada nesta quinta-feira (07.10), entre 16h e17h, na sala 21 da Plataforma do Congresso da Intercom) e será fechada aos inscritos no evento.

Entretanto, o livro pode se baixado na página do GP Políticas e Estratégias de Comunicação da Intercom:

https://www.portalintercom.org.br/eventos1/gps1/gp-politicas-e-estrategias-de-comunicacao

Texto: Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT