sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Comunidade Cigana e Estado debatem políticas específicas

Associação atua em três focos principais: científico, político e cultural

Membros da diretoria da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) participaram nesta terça-feira (28/01) de reunião com a secretária adjunta de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Trabalho, Ação Social e Cidadania de Mato Grosso (SETASC-MT), Salete Morockoski. O encontro teve como objetivo discutir políticas públicas voltadas para as comunidades ciganas que vivem no Estado.

Representando a associação, estiveram presentes na reunião o secretário geral, Aluízio de Azevedo Silva, a diretora de mobilização, Terezinha Alves, a Conselheira Irandi Rodrigues Silva e o Diretor Artístico-Cultural da AEEC-MT, Rodrigo Zaiden. Os participantes conversaram sobre a possibilidade de criação de ações específicas para as comunidades ciganas mato-grossenses, que são em sua maioria do tronco étnico kalon - os outros dois troncos étnicos são o Rom e o Sinti.

“Buscamos debater sobre atividades de valorização das culturas e identidades romani, bem como o fortalecimento de nossos saberes, costumes e tradições, a exemplo da língua, a chibe, que vem se perdendo, principalmente, entre os mais jovens” explica a conselheira da AEEC-MT, Irandi Rodrigues Silva.

Além disso, a associação levou algumas demandas à secretária adjunta da pasta. Entre elas, a disponibilidade para o diálogo institucional junto à SETASC, ao Comitê Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT) e aos conselhos estaduais da Promoção da Igualdade Racial (CEPIR) e de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH); bem como o apoio para a concretização de dois projetos.

São eles: um evento no Dia Nacional dos Ciganos, que ocorre em 24 de maio e contará com seminário científico, audiência pública e programação cultural; e a conclusão de um filme longa-metragem, que aborda comunidades ciganas portuguesas, brasileiras, entre elas a mato-grossense; e a Peregrinação de Santa Sara Kali, que ocorre todo ano em 24 de maio na cidade francesa de Saintes-Maries-De-La-Mer.

A Secretária Adjunta de Direitos Humanos da SETASC-MT, Salete morockoski, avaliou a reunião como “muito positiva” e afirmou que a Secretaria é parceira da AEEC-MT na sua luta pelas demandas de cidadania e direitos humanos da comunidade cigana mato-grossense. “Nos colocamos à disposição para que possamos juntos caminhar nessa temática e construir uma política pública efetiva no Estado, para que os ciganos mato-grossenses tenham os seus direitos reconhecidos e possam sentir orgulho das suas raízes. Bater no peito e dizer eu sou cigano e tenho uma política pública da qual eu participo”.

Diálogo

Na ocasião, a diretora de mobilização da AEEC-MT, Terezinha Alves, fez uma breve apresentação sobre as condições das comunidades ciganas no Estado, que reúne aproximadamente 300 pessoas espalhadas por vários municípios, mas concentrados em Tangará da Serra, Cuiabá e Rondonópolis. Ela também destacou a importância do diálogo institucional com o setor público para diminuir a invisibilidade e o preconceito contra as comunidades romani.

“Nossa Associação tem três focos principais: a mobilização política, o diálogo acadêmico-científico e o ramo artístico-cultural, que objetivam a valorização das culturas e identidades ciganas; a realização de ações em prol de direitos humanos; e o combate ao racismo histórico, preconceitos, estereótipos e discriminação”, enfatiza Terezinha.
Diretoria da AEEC-MT e equipe da Secretaria Adjunta de Direitos Humanos da SETASC

Também pela SETASC, o encontro contou com as presenças dos coordenadores Cristian Anderson Caso Fernandes (Promoção dos Direitos Humanos) e Rodrigues Amorim Souza (Proteção à Pessoa e Defesa dos Direitos Humanos). Ambos destacaram a importância da efetivação dos direitos humanos dos povos romani, por meio de uma política pública transversal. “Para nós é muito positivo tê-los recebido, principalmente, a nossa coordenadoria de promoção de direitos humanos, tem justamente o dever de promover e garantir os direitos de todas as populações e políticas” pontuou Anderson.

Já Rodrigues, afirmou que “é de extrema importância que o Estado possa ouvir de fato os seus cidadãos setorizados”. Segundo ele, “os ciganos são populações pouco vistas e escutadas e quando conversamos sobre suas necessidades para a cultura, a saúde, a segurança e a educação, cumprimos o papel do Estado de ouvir as demandas sociais e transformá-las em políticas públicas, para que a população no geral possa ter um entendimento sobre a cultura cigana, suas tradições e literatura, que são bastante ricas”.

Outras informações sobre a Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso podem ser acessadas no site: https://aeecmt.blogspot.com/

Texto: Aluízio de Azevedo, Ascom AEEC-MT
Fotos: Rodrigo Zaiden

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Morre reconhecido e respeitado patriarca da comunidade cigana na cidade de Patos



Nota de pesar pela passagem do Senhor Severino Cigano

São raros os momentos em que a mídia trata as pessoas ciganas reconhecendo-as enquanto ativas cidadãs e contribuidoras para suas cidades, Estados e países. Este senhor merece todo o respeito pela sua brilhante história que se inseriu na sociedade não-cigana de Patos e da Paraíba (PB) com grande influência, mas continuou honrando as tradições e costumes ciganos, ajudando a acabar com estereótipos e preconceitos.

A AEEC-MT e sua diretoria presta essa última homenagem ao senhor Severino Cavalcante Dantas, o seu Severino Cigano, por sua relevante contribuição para as culturas brasileira e cigana e presta as condolências aos familiares. A notícia abaixo publicada no site Patos online demonstra um pouco da sua biografia e respeito da comunidade local.



Por Jozivan Antero – Patosonline.com

Severino Cavalcante Dantas, 76 anos, mais conhecido por Severino Cigano, que residia na Rua Pedro Moura, Bairro Sete Casas, em Patos, veio a óbito na manhã desta segunda-feira, dia 27, por volta das 07h00.

Também conhecido por Professor da Mata, Severino Cavalcante sofreu um infarto fulminante quando estava no quintal da residência dele. Os familiares se depararam com a vítima caído ao chão sem estímulos e acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

Uma equipe do SAMU foi acionada e deu início aos procedimentos para reverter a parada cardíaca. Outra ambulância do tipo Unidade de Terapia Intensiva (UTI) reforçou as ações dos socorristas que tentaram por vários minutos, porém, não lograram êxito e o médico comunicou o óbito.

Severino Cavalcante Dantas era bastante conhecido na cidade de Patos. Ele trabalhou durante muitos anos na Delegacia de Polícia Civil de Patos e era um dos maiores conhecedores da história cigana da região. Severino Cigano preservava as tradições ciganas e morava em comunidade. A morte do patriarca trouxe comoção na localidade.

Mais habitação e reforço dos direitos dos ciganos, pede Conselho da Europa

O Comité para a Proteção das Minorias Nacionais, do Conselho da Europa, reconhece as medidas tomadas pelo governo contra a discriminação da comunidade cigana, mas diz que é preciso concretizá-las no terreno.

Os peritos do Conselho da Europa reconhecem, no seu último parecer, revelado esta segunda-feira, sobre a proteção de minorias, que o governo português tem dado passos para a melhoria das condições de vida dos ciganos em Portugal e tem aprofundado as leis contra a discriminação. Mas defendem que é preciso fazer mais e concretizar as medidas junto da e para a comunidade, nomeadamente criar alojamento para os que ainda vivem em situações precárias.

O Comité frisa que "muitas pessoas pertencentes às comunidades ciganas continuam sujeitas a discriminação direta e indireta e continuam a viver à margem da sociedade, às vezes em condições de habitação muito precárias, com uma expectativa de vida menor do que o resto da população, com uma menor escolaridade e desempenho educacional, especialmente para as meninas ciganas, bem como com um alto nível de desemprego".

Esta situação, diz, é reconhecida pelas autoridades portuguesas, que se mostram disponíveis para aprofundar os instrumentos para melhorar a vida dos ciganos e promover a sua integração social. Mas mais uma vez, o Conselho da Europa lembra que as "melhorias adicionais" podem ficar comprometidas pela falta de "dados quantitativos e qualitativos adicionais".

"Muitas pessoas pertencentes às comunidades ciganas continuam sujeitas a discriminação direta e indireta e continuam a viver à margem da sociedade, às vezes em condições de habitação muito precárias, com uma expectativa de vida menor do que o resto da população, com uma menor escolaridade e desempenho educacional, especialmente para as meninas ciganas, bem como com um alto nível de desemprego".

Em parte "pela ausência de um orçamento direcionado para os ministérios, confiando demais numa abordagem baseada em projetos que pode afetar negativamente a sustentabilidade das ações". "A falta de conhecimento sobre a cultura, língua e história romani entre a população maioritária gera preconceitos e estereótipos negativos", refere o parecer.

As recomendações: O Comité deixa quatro recomendações prioritárias às autoridades portuguesas.

1. Intensificar os esforços para consciencializar as pessoas que pertencem às comunidades ciganas sobre as leis e órgãos de direitos humanos e de igualdade e sobre os mecanismos para registar queixas e soluções para as vítimas de discriminação, ódio ou racismo.

2. Fortalecer os órgãos setoriais onde podem ser apresentadas queixas contra a discriminação, dotando-os de poderes de investigação e de sanção.

3. Implementar programas nacionais e locais para desenvolver condições de moradia acessíveis e adequadas para as comunidades ciganas vulneráveis e, como prioridade, realojar famílias e indivíduos ciganos que ainda vivam em condições precárias.

4. Estender o Programa de Mediadores Municipais Interculturais a mais municípios, promovendo a empregabilidade a mediadores de etnia cigana, em particular mulheres.

Disponível em: https://www.dn.pt/pais/mais-habitacao-e-reforco-dos-direitos-dos-ciganos-pede-conselho-da-europa-11750853.html

Comunidades ciganas em Portugal continuam a ser discriminadas



Relatório do Conselho da Europa aponta que comunidades continuam a viver à margem da sociedade, com condições de habitação pobres, níveis de escolaridade baixos e taxas de desemprego altas.

Por Lusa

As comunidades ciganas em Portugal continuam a ser discriminadas e a viver à margem da sociedade, com condições de habitação pobres, níveis de escolaridade baixos e taxas de desemprego altas, alerta um relatório do Conselho da Europa hoje divulgado.

O documento, produzido pelo Comité Consultivo da Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais do Conselho da Europa, reconhece, porém, os esforços das autoridades nacionais no combate à discriminação étnica e racial, através de alterações legislativas, e das autoridades locais na promoção da integração destas comunidades.

"Apesar de o Comité Consultivo acolher estes desenvolvimentos, há problemas que persistem ao nível do impacto concreto da legislação e das políticas existentes nas condições de vida das pessoas que pertencem às comunidades ciganas", lê-se no relatório.

As conclusões indicam que os membros da comunidade cigana continuam a apresentar níveis de escolaridade mais baixos, um pior desempenho escolar, uma taxa de desemprego mais alta, piores condições de habitação e uma esperança média de vida mais curta em comparação com o resto da população.

O Comité Consultivo sustenta que o combate à discriminação deve passar por consciencializar os membros das comunidades ciganas das normas legais e dos mecanismos disponíveis para apresentar queixas de discriminação, e de um maior investimento nos organismos responsáveis por investigar e tratar essas denúncias.

É ainda recomendado que o Projeto de Mediadores Municipais Interculturais, responsável pela promoção da integração das comunidades mais vulneráveis em Portugal, seja alargado a mais municípios e que o estatuto profissional dos mediadores socioculturais seja regulado, de forma a garantir a formação certificada e a empregabilidade dos mediadores ciganos.

A habitação é assinalada como uma questão prioritária a que as autoridades nacionais devem dar resposta, através de medidas que assegurem casas adequadas e acessíveis, e de projetos de realojamento que evitem a segregação destas comunidades.

Segundo o Comité, que produziu este relatório após ter visitado o Porto, a Figueira da Foz, Torres Vedras, Moura e Lisboa entre 28 e 31 de maio de 2019, a opinião pública sobre os ciganos continua a ser "alimentada pela desconfiança e preconceito" e e, por isso, também importante promover a cultura cigana na sociedade e incluir nos currículos escolares a presença desta comunidade em Portugal.

O relatório recomenda ainda medidas que previnam a disseminação do discurso de ódio nos media e nas redes sociais, a formação das forças de segurança para os direitos humanos e o apoio do Estado a projetos locais que promovam o combate aos preconceitos e estereótipos racistas e xenófobos.

A Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais entrou em vigor 1998, mas só em 2002 foi ratificada por Portugal.



terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Cotas para Ciganos: Universidade da Bahia está com vagas abertas para o SISU


UNEB oferta 963 vagas e 420 sobrevagas pelo SISU para ingresso no semestre 2020.1

As inscrições pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Ministério da Educação (MEC), estão abertas até dia 26 de janeiro, no site oficial do Sisu. Podem concorrer às vagas os estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019 e obtiveram nota acima de zero na prova de redação.

A UNEB reservará de 5% de sobrevagas para indígenas, quilombolas, ciganos, transexuais, travestis, transgêneros, pessoas com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades. Cada grupo contará com essa porcentagem em todos os cursos.

Para o primeiro semestre letivo de 2020, a UNEB vai ofertar 963 vagas e 420 sobrevagas, distribuídas em 84 opções de cursos da modalidade graduação presencial.
  
Os candidatos poderão se inscrever em até duas opções de vaga, especificando, em ordem de preferência, as suas escolhas de instituição de educação superior (IES), local de oferta, curso e turno, e a modalidade de concorrência.

O resultado será divulgado no dia 28 de janeiro, no site do Sisu. Entre os dias 29 de janeiro e 4 de fevereiro, os estudantes que não foram selecionados na chamada regular, em nenhuma das opções, podem manifestar o interesse em participar da lista de espera.


Assessoria de Comunicação UNEB

sábado, 18 de janeiro de 2020

O colonialismo e as políticas persecutórias contra as comunidades ciganas


O Bairro das Pedreiras, em Beja, Portugal, é um dos locais mais excluídos de Portugal e na Europa: não há água nem eletricidade para cerca de 300 pessoas ciganas

O heterogêneo e rico universo cigano converge no mundo ocidental como o seu outro, sendo refratado no senso comum ou no imaginário social como uma unidade genérica que oculta uma complexidade enorme de diferentes culturas, identidades, línguas e saberes. Não será possível reconstruir uma história unificada e homogênea das comunidades ciganas, em nível mundial, em Portugal ou no Brasil. 

Até porque os ciganos não possuem uma história escrita. É no marco da oralidade, entre mitos, ritos e no aprendizado social e cultural que registram tradições, conhecimentos, valores, saberes e bens culturais, transmitindo-os de geração em geração há milênios. Como sabemos o tempo da história oral, mitológico, funciona sob a lógica cíclica, diferentemente do tempo cronológico da história escrita, que é linear.

As pessoas ciganas não se interessam pela história escrita ou demonstram "interesse em saber onde viveram seus antepassados" (Moonen, 2011, p. 11). Andrade Jr. (2013 p. 98) realça que a falta de uma história contada pelos próprios, "dificultou e continua causando problemas na análise sobre sua história e suas práticas sociais". Durante séculos os registros foram feitos por não-ciganos, expressos em crônicas, legislações, registros policiais, textos jornalísticos e relatos de religiosos. 

Na maioria das vezes estereotipados, proliferaram lendas e folclorização, com representações literárias e midiáticas que mantiveram e reforçaram preconceitos, discriminação, desigualdades e exclusões. "A imprensa, as leis e em boa parte as artes têm contribuído para o processo de desqualificação e por conseguinte, a exclusão de grupos ciganos espalhados pelo mundo, o que constatamos também no Brasil" (Miranda, 2011, p. 110).

A relação entre ciganos e não-ciganos no ocidente sempre foi de embates e conflitos, vivendo no "fio da navalha" (Andrade Jr, 2008): na pior das hipóteses entre a exclusão e o extermínio e, na melhor, numa integração subordinada, marcada por inclusão desigual, padronização cultural e apagamento de saberes (Santos, 2002). Tal ocultamento, tem sido corroborado pela ciência moderna. Argumenta Moonen (2011), que somente a partir do século XVIII foram publicados os primeiros livros sobre as comunidades ciganas. De fato, a ciganologia europeia e brasileira foram anticiganas.

Os dados históricos até hoje disponíveis sobre ciganos no Brasil são comprovadamente poucos, porque, até recentemente, os historiadores brasileiros nunca deram a mínima importância para a História Cigana. O pior, no entanto, é que, quando existem pesquisas históricas, se trata de dados enviesados, distorcidos pela visão etnocêntrica (Moonen, 2011, p. 125).

A historiografia ou a etnografia cigana realizada pela ciência moderna - baseada numa visão eurocêntrica, não consegue conceber formas diferentes de ver e viver sem excluí-las ou canibalizá-las. Os pesquisadores que os estudaram na Europa ou no Brasil até meados do século XX, contribuíram para reforçar e/ou construir estereótipos. Há um vácuo nos estudos sobre o tema no Brasil, o que talvez explique a dificuldade em reconstruir uma história cigana no país. 

O primeiro livro publicado é de 1886: “Os Ciganos no Brasil e Cancioneiros dos Ciganos” de Mello Moraes. Depois, foi publicada em 1936 a obra “Os ciganos do Brasil. Subsídios históricos, ethnográficos e lingüísticos”, de José de Oliveira China (Moonen, 2011). Após este, o próximo trabalho aparece só em 1972, com a dissertação de Maria Luiza sant’Ana, que realizou uma etnografia com uma comunidade Rom de Campinas (Souza, 2013, p. 37).

Souza (2013, p. 34) pontua que “ciganologia” nasceu estando vinculada ao orientalismo, ao modo como Edward Said propõe. Os estudos ciganos nasceram na Inglaterra com a criação da “Gypsy Lore Society” (1880). Mas desde o princípio, tornou-se um canal de difusão, debate e legitimação de um conhecimento que produzia o cigano com o outro, ao modo como o discurso europeu produzia o oriental como o outro. Não por acaso, nesta época surge a teoria de que os ciganos, eram indianos, afinal, só podiam ser párias, emigrados da Índia.

Rodrigo Teixeira (2008, p. 06 e 07) enfatiza que a história desses grupos é feita "de exceções, impossibilidades, incongruências e contra-sensos". As condições espaciais e temporais que cada grupo, tende a individualizá-los em microuniversos. Baseados nas autodenominações dos próprios ciganos, estudos acadêmicos têm afirmado existir três grandes grupos: os Kalon, os Rom e os Sinti, com distintos subgrupos (Moonen, 2011). Mas esses troncos, se manifestam de maneiras diferentes a depender dos países onde estejam, com culturas e modos de ver o mundo distintos, além de estarem em temporalidades diversas em suas relações de integração/exclusão nas sociedades nacionais/locais.

Toda história dos ciganos é, na verdade, uma viagem nas línguas, nas estéticas, nas políticas anti-vagabundos e anti-artistas, nas religiões, nas concepções de mundo, com os quais vários grupos ciganos, sucessiva e contraditoriamente, tiveram contato. Nisso a universalidade dos ciganos se manifesta. Dito isto, ressalta-se que as diferenças e a diversidade entre os ciganos não impedia que houvesse solidariedade (Teixeira, 2008, p. 12).

Deste modo, não será possível reconstruir uma historiografia unificada dos povos ciganos, mas sim reconstruir como os estados e nações ocidentais, incluído Brasil e Portugal, se comportaram ao longo do tempo no tratamento com os grupos ciganos a partir da criação e aplicação de políticas colonialistas para regular e controlar essas comunidades e que, de uma forma geral, podem ser divididas em dois momentos:

1) Um longo período de aplicação de políticas persecutórias e anticiganas expressas pelas mais diversas formas de violência física como genocídios e extermínios, prisões, torturas, escravidão, castigos corporais, a separação forçada de famílias com sequestros de crianças, e formas de violências simbólicas, a exemplo das proibições de falar a língua (linguicídio), praticar costumes como usar as roupas tradicionais e viver em bando (identidadecídio), o apagamento de saberes (epistemicídios) ou a padronização cultural via estereotipação e estigmatização, inferiorização, dominação, racismo e desigualdades. Foram vítimas do colonialismo português duplamente. Essas políticas foram apoiadas pelas populações majoritárias, tanto que permanece no imaginário brasileiro e português as imagens dos ciganos perigosos, que roubam, que trapaceiam, mentem e enganam. Muitas continuam, ainda que disfarçadas de outras formas, como o isolamento em guetos, vez por outra, exterminadoras (Silva Júnior, 2018; Silva Júnior e Araujo, 2015).

2) E um segundo período, muito recente, com a emergência dos direitos humanos pós II guerra mundial em que estados ocidentais começaram a desenvolver políticas de integração. Um movimento que se concretizou na Europa a partir de 1969, quando o conselho europeu publicou a recomendação 563 reforçando aos Estados membros a necessidade de reconhecer as comunidades ciganas como minorias étnicas e considerando-as como um problema de desenvolvimento humano a ser revolvido. E, mundialmente, a partir de 1978 quando a ONU formulou uma resolução exortando os países a garantir-lhes os mesmos direitos de outros cidadãos não-ciganos; e 1979, quando reconheceu a União Internacional Romani como a ONG que representa os ciganos junto ao órgão, tendo status consultivo (Silva Júnior, 2018; Silva Júnior e Araujo, 2015).

Em Portugal e Brasil, essas recomendações só começaram a ser aplicadas com a implantação de políticas de inclusão social, a partir da redemocratização de ambos os países. Mas isso já é assunto para um outro texto.

Por Aluízio de Azevedo
Assessoria de Comunicação da AEEC-MT
Referências Bibliográficas

ANDRADE-JR, L. Os ciganos e os processos da Exclusão. Revista Brasileira de História. Vl. 33, N. 66, p. 95-112, São Paulo: 2013

MIRANDA, F. F. F. As Representações dos Ciganos no Cinema Documentário Brasileiro. Dissertação (Mestrado – Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2011.

MOONEN, F. Anticiganismo: Os ciganos na Europa e no Brasil. Recife, PE: 2011. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/a_pdf/1_fmanticiganismo2011.pdf

SANTOS, B.S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 4a. São Paulo: Ed. Cortez, 2002.

SILVA JÚNIOR, Aluízio de Azevedo. Produção Social de Sentidos em Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: a apropriação das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal. (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, 2018.

SILVA JÚNIOR, A. A. e ARAUJO, I. S. Vigilância, controle e políticas públicas de saúde para ciganos: reflexões sobre desigualdade e exclusão. In: COLÓQUIO SEMIÓTICA DAS MÍDIAS, Vol. 6, 1, 2015. Jarapatinga (AL): Centro Internacional de Comunicação e Semiótica. UFAL, 2015. Disponível em: <http://ciseco.org.br/anaisdocoloquio/index.php/edicao-atual/187-acoes-entre-atores-analise-sobre-formas-de-interacao-online-em-uma-pagina-oficial-de-uma-instituicao-de-ensino-26>.

SOUZA, M. A. Ciganos, Roma E Gypsies: Projeto Identitário E Codificação Política No Brasil E Canadá. Tese (Doutorado) – Departamento de Antropologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.

TEIXEIRA, R. C. (2008). "História dos Ciganos no Brasil". Núcleo de Estudos Ciganos, Disponível em www.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/ciganos02html, Consultado em 15.3.2014]