quarta-feira, 2 de março de 2022

Entrevista exclusiva: Roy Rogeres fala sobre seu filme de estreia “Debaixo das Lonas, Tudo é mais bonito!”

O cigano de tradição circense, Roy Rogeres, lança obra fílmica nesta sexta-feira (04 de março), às 20h, no Canal do You Tube da produtora Mulher de Bigodes Filmes. Veja a matéria completa aqui.

Para saber mais sobre o filme, fomos ouvir o cineasta, que também é jornalista e teatrólogo, sobre sua estreia no cinema. Ele contou tudinho sobre o que podemos esperar na obra e nos próximos trabalhos.

Roy é comunicólogo – jornalista –, militante, multi-artista e pesquisador dos povos ciganos circenses, cursando mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre a Universidade Federal da Bahia (PPGEISU-IHAC/UFBA), onde é representante estudantil. Ele pertence à quarta geração da tradicional família Fernandes; composta por ciganos da etnia Calon e de tradição circense e acaba de finalizar seu primeiro filme média-metragem, “Debaixo das Lonas, Tudo é mais bonito!”, que conta a vida de sua irmã mais velha, Irisma Fernandes, também conhecida artisticamente como “Tati, a Cigana”

Durante toda infância e adolescência o cineasta acompanhou vários circos pelo Brasil, passando por várias escolas, até que por volta de 15 anos, a família fixou acampamento na cidade de Feira de Santana-Bahia. Também cursou Artes Cênicas – Interpretação Teatral, na UFBA e desenvolveu amplo trabalho no campo das artes cênicas, participando de vários espetáculos e festivais de teatro por todo o Estado.

Roy possui também experiência na gestão de RH e Negócios e em assessorias de comunicação de organizações privadas e públicas. Atuou como repórter nos jornais impressos Folha do Estado da Bahia e A Tarde. Atualmente é assessor de comunicação da Secretaria Municipal da Saúde de Salvador e produtor cultural independente.

Roy Rogeres e Tati, a Cigana: irmãos circenses herdaram veia artística da família Calon

Confira abaixo entrevista exclusiva com o multi-artista cigano e cirsense:

Aluízio: Como teve a ideia para transformar a vida de Tati, a Cigana em filme? O que ela tem de especial que pode servir para outras pessoas?

Roy: A ideia de transformar a vida da Tati em filme é muito antiga. Nutro uma admiração, um orgulho e um amor por ela muito grande. E isso vem do reconhecimento desde muito cedo da magnitude dela enquanto artista, enquanto pessoa. As responsabilidades que ela assumiu muito jovem, uma vez que meu pai faleceu eu tinha dois anos e ela era a irmã primogênita. Através dela nós tínhamos contratos no circo. Ela foi e continua sendo uma super artista e desde muito pequeno minha admiração existe. A ideia de fazer um filme, veio na última visita, quando estive lá no rancho dela e nós conversando da vida, desses caminhos e descaminhos, dessa itinerância, dela ter parado exatamente no lugar onde se arranchou e toda essa história, então; eu pensei naquele momento, em novembro do ano passado, que na primeira oportunidade iria transformar essa ideia, essa história da vida dela, que por si só já tem bastante conteúdo e coisas interessantes e admiráveis, em um projeto cultural. Acabou dando certo, nós fomos aprovados nesse projeto, com a maior pontuação da região de SISAL, na Bahia, que compreende o município de Tucano,  distritos de povoado Crenguenhem e comunidade umburaninha, onde ela reside. Nós fomos aprovados muito por conta do objetivo que é visibilizar sobretudo as mulheres ciganas de tradição circense.

Aluízio: O que você objetiva com a obra?

Roy: a gente objetiva visibilizar as pautas das mulheres ciganas de tradição circense. Contribuir, colaborar no combate ao racismo, no nosso caso anticiganismo, ciganofobia; desqualificar narrativas negativas relacionadas aos ciganos e povo circense. Mostrar também como é a vida de fato debaixo dessas lonas de circos e não só essa parte glamourizada e romantizada. O projeto parte da ideia de mostrar a realidade, as dificuldades, desafios, a falta de incentivo para os circos de menores porte. Visibilizar as narrativas de ciganos, feita por ciganos. Uma mulher que assume o seu lugar de fala, cigana circense, que narra sua vida, trajetória, itinerância,  os desafios que passou, que superou e que supera e continua a superar todos os dias, afinal de contas o preconceito existe muito grande e no caso dos povos ciganos e povos circenses é um duplo preconceito.


"é uma cultura ainda marginalizada, a gente costuma dizer que o

circo é o primo pobre da cultura e a gente precisa mudar este 

cenário".


Aluízio: É um filme de cigan@s com cigan@s, este é um diferencial?

Roy: Com certeza vai ser um filme de ciganos, com ciganos, por ciganos, sobre ciganos, acerca dos ciganos e tendo alguém com esta visão de dentro, ,de baixo, é um diferencial enorme, importante e com certeza dá um quê de especial para a relevância que o filme tem, afinal de contas, é raro, uma das poucas pessoas que eu vejo fazendo filmes estando dentro, fazendo parte da comunidade cigana e também artística, como um cineasta, é você Aluízio. Não posso deixar de ressaltar a grande inspiração e incentivo que vejo a partir de você, do seu trabalho, como comunicólogo jornalista, que também envereda aí pela área do cinema. Faço cinema muito com essa inspiração e com esse intento de fazermos nós as nossas histórias, de contarmos nós as nossas visões de mundo, nossas vidas, nossos desafios, alegrias, dores e tristezas. Tudo isso ser dito por nós tem um sabor muito especial e com certeza isso reflete no conjunto do filme.


Família Fernandes e equipe do filme: tradição circense que passa de geração em geração

Aluízio: Como é a relação entre as pessoas ciganas e o circo, ela é antiga?

Roy: A relação dos povos ciganos como circo posso dizer que é milenar. No caso da minha família, o circo sempre foi um meio de sobrevivência, uma tradição que a gente já nasceu. As últimas gerações já nasceram assim, estamos na quinta geração, a Tati é da terceira geração. Nós nascemos nessa tradição e esta é uma relação antiga, uma tradição milenar. Os povos ciganos, de uma maneira em geral, estão sempre muito ligados com a arte como um todo, quer seja a música, a dança, também a performance, o teatro e as artes circenses, a que considero como uma das artes mais completas, envolve a dança, a música, a magia, a comunicação e tantas coisas. É uma relação antiga, que vem sendo nutrida há duras penas, porque como disse o preconceito com os povos ciganos e povos circenses é duplo. Já tem o preconceito quando se é de circo. Quando se é um forasteiro chegando na cidade, as pessoas muitas vezes tem um olhar negativo, uma recepção negativa e este é um grande desafio, na medida que, tem também pessoas com outro olhar, com admiração, que vão para o circo porque gostam. Em muitas cidades o acesso a cultura, as opções de cultura e entretenimento são muito escassas, então, ter um circo é sempre motivo de alegria. E o filme explicita muito disso, o quanto as pessoas do circo provocam as pessoas na cidade, em vários lugares, quer seja no fascínio, na repulsa, na amizade, no receio, no medo, um misto de sentimentos que fica claro no filme e a gente aborda. Os desafios de se chegar nos terrenos, nas praças como a gente chama, muitas vezes a noite, sem acesso a água a energia, enfim, toda uma dificuldade. Há as pessoas que negam e o apoio do município, às vezes não tem. Noutras, o terreno que o município dá para o circo ficar é lá no final da cidade, perto do lixão... Então, é uma cultura ainda marginalizada, a gente costuma dizer que o circo é o primo pobre da cultura e a gente precisa mudar este cenário.


"Debaixo das lonas tudo é mais bonito, na minha visão de cigano

 circense e acredito que as lonas das marquises, das tendas, das 

barracas, do circo, nos convidam a olhar este mundo, este 

universo e a vida de uma outra forma, com mais beleza". 


Aluízio: Como se sente em dirigir e representar a sua própria cultura?

Roy: estou estreando como diretor de filme. Sai do circo tinha pouco mais de 15 anos e desde então já enveredei no teatro e nas artes cênicas, o que foi uma forma de continuar na arte circense, inserido na arte. Durante a minha vida toda, fiz teatro em grupos, participei de muitos festivais, espetáculos infantis, adultos, juvenis, percorri a Bahia inteira com vários espetáculos de teatro e é uma experiência que colaborou para hoje me inserir no cinema, nesta arte que sempre gostei muito, admirei. Foi através do cinema e desejando fazer cinema, que comecei a prospectar opções de pesquisa. Acabei cursando uma disciplina especial no mestrado sobre cinema documentário e aprendi muito nessa disciplina. Essa sementinha estava plantada aqui dentro e uni o útil ao agradável: a experiência que já tinha do circo, do teatro, na produção de espetáculos e de filmes, que também participei como assessor de comunicação. A gente acaba sendo multirreferencial, múltiplos, me considero um multi-artista hoje e estrear é uma sensação de muita alegria. Não posso negar, que estou orgulhoso com o resultado, feliz, por poder, através de uma plataforma exibir um trabalho feito com pouco recurso e investimento, mas o suficiente para afetar as pessoas. O filme traz uma beleza, o lado genuíno das pessoas e mostra algumas das características muito marcantes do nosso povo, como é o caso da oralidade, servindo para romper estereótipos e barreiras. As pessoas esperam que nós sejamos de um jeito e aí a Irismar, que é a Tati, personagem principal do documentário, mostra ser uma pessoa diferente daquilo que se espera, assim como nós mostramos ser diferentes daquilo que se espera. Quis mostrar essa realidade que é dura e sofrida do povo cigano, circense sobretudo, mas uma realidade de superação, de belezas, alegrias, de muitas coisas positivas. Claro a gente não pode romantizar as situações de marginalidade, o fato de vivermos historicamente as margens da sociedade, discriminados, silenciados e oprimidos. Tudo isso serve como um conjunto de indignação que faz com que a gente queira levar, nós ciganos, o outro lado, o nosso olhar para nossa história.

Aluízio: Porque as pessoas devem ver Debaixo da lona, tudo é mais bonito? E, de onde vem esse nome?

Roy: porque é capaz de tocar, transporta os espectadores para muitas emoções, para uma narrativa forte e contundente. Uma narrativa de muitas das que se tem notícias. Um filme feito por ciganos, de ciganos, acerca dos ciganos, de tradição circense. A gente sabe que a literatura, as próprias artes, muitas vezes invisibilizam esses povos, ou quando são retratados, aparecem de maneiras incoerentes. A gente mostra com as limitações que um projeto não tão grande, mas como cinema independente, com as dificuldades inerentes em se fazer cinema, com pouco investimento, mas a gente mostra nesse filme o porquê estar debaixo das lonas é tão bonito! Porque debaixo das lonas tudo é mais bonito, na minha visão de cigano circense e acredito que as lonas das marquises, das tendas, das barracas, do circo, nos convidam a olhar este mundo, este universo e a vida de uma outra forma, com mais beleza. E fica o convite, para todos assistirem. É um filme feito com muita garra, muita vontade, com muita gente que acredita na proposta, na relevância do filme, em contribuir com um futuro do universo cigano circense, com menos dores e mais oportunidades. Um futuro com maior valorização das culturas ciganas e circenses, maior apoio. Que se abram os caminhos para essas culturas, porque elas também andam juntas.

Roy quando criança em suas andaças e artes pelo circo

Aluízio: No Brasil temos muitas famílias ciganas e circenses?

Roy: No Brasil temos não só a minha família, temos outras... mas a minha acredito ser uma das maiores, se não a maior, com mais de sete circos pelo Brasil. A Irismar traz na sua trajetória este fator de ser um artista que vivenciou neste Brasil inteiro com mais de 20 circos e merece ter sua história contada, reconhecida, por toda sua contribuição do ponto de vista cultural para as culturas ciganas e circenses. Ela vem disseminando ambas as culturas, repassando esses conhecimentos ancestrais e é isso que o filme nos coloca: diante das culturas ciganas e cirenses, não só aquilo que nos alegra, lindo, romântico e mágico; como também aquilo que nos torna humanos, vulneráveis. Aí consiste o esplendor deste filme: retratar de maneira fidedigna, verdadeira, a partir de suas próprias narrativas, as histórias e memórias de uma cigana de tradição circense, que tem muito orgulho disso, da família. Este filme é uma declaração de amor e orgulho ao povo cigano de tradição circense.

Texto: Aluízio de Azevedo

Fotos: Roy Rogeres

6 comentários:

  1. Orgulho de vc meu querido sobrinho.bravo , bravo ..

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  2. Muito perfeito em tdo que faz esse meu rei❤️🙌👏👏🤴😘😘

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  3. Roy é um destemido competente cigano que tem contribuído muito na defesa do povo cigano. A ele e a todos que lutam pela causa meu respeito e admiração.

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  4. PERFEITO MEU CALON👏👏👏👏👏 OPTCHAAA!!!

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