terça-feira, 27 de abril de 2021

Mestra Diva ensina mulheres ciganas a arte das garrafadas e o banho de mal de simioto

Evento reuniu 15 mulheres que puderam vivenciar experiências acerca da medicina tradicional cigana e servirá também como disparador para uma exposição fotográfica e uma web série

A mestra da cultura mato-grossense e cigana da etnia Calon, Maria Divina Cabral, mais conhecida como Diva, foi a principal protagonista do I Encontro de Mulheres Ciganas de Mato Grosso, que ocorreu nos últimos dias 23, 24 e 25 de abril no município de Rondonópolis. Diva foi premiada no Edital Conexão Mestres da Cultura da Lei Aldir Blanc da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (SECEL-MT) e o evento integra o projeto “Diva e as Calins de MT: Ontem, Hoje e Amanhã”.

Na ocasião, Maria Divina ensinou as 15 mulheres participantes do encontro alguns dos principais remédios e tratamentos da medicina tradicional Calon. São medicamentos como xaropes, garrafadas, chás e banhos a base de plantas do cerrado e produtos naturais, indicados para os mais variados tipos de enfermidades, como doenças da pele, infecções do aparelho urinário, digestivo e gastrointestinal, reumatismo, saúde da mulher, gripes e resfriados, bronquites, asma, infertilidade, picadas de cobra, pedras nos rins, perda de cabelo, anemia e até mesmo alguns tipos de câncer.

As 15 mulheres participantes, todas parentas diretas de Diva, como suas duas filhas e três netas, mãe, tia, sobrinhas e primas, aprenderam com Diva o processo de identificação e arranque das raízes e plantas, a secagem, o estoque e armazenamento, bem como a infusão para a composição das garrafadas para alguns tipos de enfermidades, como saúde da mulher, para anemia e limpeza de pele. Esta programação fez parte da roda de diálogo “Princípios Introdutórios à Medicina Tradicional Cigana”.

Mestra Diva ensinando a fazer a garrafada, 
um dos principais medicamentos da medicina tradicional Calon

“Eu sou muito feliz pela minha cultura, pela minha nação e por quem eu sou hoje. Sou alegre por ser cigana e ter esta descendência. Não tenho vergonha de ser cigana, de jeito nenhum. Tem gente que tem preconceito. Alguns acham bom, outros acham foram da linha, mas Deus sabe que nós somos honestos. A cultura cigana tem muita sabedoria. Não tenho estudo, a minha medicina vem de Deus e tudo descendência da minha origem cigana, aprendido com a minha avó e agora tenho a oportunidade de passar para minhas filhas e outras parentas”, emocionou-se Diva, ao complementar:

“Conheço todas as plantas do cerrado e sei manipular, usar para curar várias doenças. Curei tantas pessoas com essas garrafadas e outros chás, como ferida que não sara, útero de mulher com infecção e feridas. Mulheres que usam essas garrafadas não tiram útero, ovário, nada disso. Curei minha mãe, com uma garrafada, de insônia e falta de circulação. Tem um senhor que já estava há mais de 10 anos com problema de garganta. Fiz um chá de açafrão, romã, boldo e alho, ele tomou e sarou de um problema já de 10 anos. E sabe por que nós ainda não pegamos corona? Primeiro Jesus e depois nossos remédios”, pondera.

Durante a abertura do encontro, foi exibido um vídeo com uma mensagem do Secretário de Estado de Cultura, Esportes e Lazer, Alberto Machado, a Diva e as participantes do evento. “Fico muito feliz e muito orgulhoso de ver um projeto que homenageia o povo cigano ser aprovado na SECEL e acho que a nossa função aqui é esta de mostrar todos os lados da nossa cultura, todas as vertentes da nossa cultura e fico feliz em ver a cultura do povo cigano sendo prestigiada aqui. Coloco a secretaria de portas abertas a todos vocês e desejo um bom encontro”, disse o secretário em seu recado.

Assista abaixo o vídeo do Secretário da SECEL na integra: 

Mal de Simioto - A medicina cigana também cura algumas doenças que não são reconhecidas pela biomedicina científica, a exemplo do Mal de Simioto, também conhecida como a doença do macaco ou doença do verme na carne. “Essa doença os médicos não curam, porque eles não conhecem. Costuma dar em criança e jovens, mas também pode atingir adultos e idosos. Ela deixa a pessoa fraca, anêmica e vai ficando só o couro e o osso de tão magra, só tem olho e barriga, parecendo um macaco. Vai indo morre de tanta fraqueza”, explica Diva.

De acordo com a mestra da cultura mato-grossense, que também é benzedeira, o tratamento para o mal de simioto, denominado de “banho de verme na carne”, envolve toda uma ritualística. A começar pela utilização do leite materno para a confirmação do diagnóstico, que se faz também pelos sintomas de emagrecimento excessivo e aparência física de um macaco; passando por uma esfoliação na pele, por meio da aplicação de uma pasta composta por produtos como azeite, mel, trigo e fermento de pão; até chegar ao banho e à ingestão de uma infusão que se utiliza de um número variado de plantas medicinais caseiras, do cerrado e frutíferas.

“Já curei foi muita gente com esses banhos. Teve até um menino que já estava desenganado pelos médicos. O menino chegou carregado, na escadeira da mãe e no terceiro dia do banho já estava correndo na rua e jogando bola. As minhas duas filhas, as quatro netas e as três bisnetas todas passaram pelo banho de mal de simioto e hoje são mulheres fortes e sadias. Eu também já fiz esse tratamento quando era criança pelas mãos da minha mãe Lourdes e minha avó Maria”, relembra Diva.

Saiba mais sobre o projeto “Diva e as Calins de Mato Grosso: Ontem, Hoje e Amanhã” aqui: https://aeecmt.blogspot.com/2020/12/maria-divina-cabral-mestra-da-cultura.html

Texto: Aluízio de Azevedo

Fotos: Karen Ferreira

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