sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Mulheres ciganas de MT guardam tradição da cura pelas ervas


A kalin Maria Divina Cabral, de Rondonópolis é uma das raizeiras 
mais antigas do Estado, conhecendo uma grande variedade de plantas medicinais do cerrado.

Quem vê de longe a pequena casa “meia água” de três cômodos, não imagina que um lugar tão simples é o lar de uma família cigana kalon, que conserva inúmeros saberes. Práticas e narrativas históricas, que foram acumuladas ao longo de séculos de nomadismo e contato, primeiro com povos orientais e africanos e depois com nações europeias e povos americanos. Nessa modesta residência, que fica na Rua um, da Vila Poroxo, Rondonópolis (a 210 km de Cuiabá), mora há cerca de 45 anos a raizeira e benzedeira kalin, Maria Divina Cabral, de 65 anos e seu marido-primo, Jair Alves Cabral, 67.

Foi ali, que ao chegar em Rondonópolis há cerca de 45 anos atrás, abarracou com a família dos pais, construiu sua casa, casou, criou as duas filhas Cleide e Selma, a neta Jéssika e ajuda a cuidar e dar carinho às três netas: Leidiane, Cristiane e Suiani. É nesse mesmo espaço, em outra casa também “meia-água” que viu o pai Lázaro Cigano viver os últimos dias e é onde continua morando sua mãe, Lourdes, que próxima de completar 80 anos, mantém as memórias do tempo de nomadismo e relata com lucidez experiências boas e as dificuldades passadas “andando” pelos sertões, vilarejos e pequenas cidades, entre Minas Gerais, onde nasceu e depois pelo Estado de Goiás, até fixar residência.

“Hoje a vida morando tá mais fácil. Temos água encanada, pia, chuveiro, luz elétrica, televisão e outras coisas.  Naquele tempo a gente vivia acampando de um lado para o outro. Era bom, porque tinha liberdade, conhecia muitos lugares, mas também era ruim, porque muitas vezes a gente passava o dia inteiro andando de baixo de chuva e chegava a noite, precisava parar para pousar e tinha fazendeiro que não queria dar o lugar pra gente parar”, relembra dona Lourdes, salientando que tudo o que aprendeu da vida cigana foi com os pais e os avós.

Raízes - Entre os saberes romani, destaca-se a língua Romanó-Kaló ou “chibe”, que tem como base o sânscrito e recebeu influência céltica, hebraica, árabe, espanhola e portuguesa. Outra diferença é a estrutura familiar extensa, que viabiliza modos de vida e organização social e cultural opostos ao estilo de vida ocidental, a exemplo do modo como lidam com o processo de saúde-doença-cura, buscando auxílio na utilização das plantas e seus derivados, como caules, raízes, cascas, frutos, folhas e flores, para os cuidados e o equilíbrio corporal, mental e espiritual. Práticas e conhecimentos que Diva e sua mãe Lourdes, mantêm vivos, ajudando muita gente que procura por seus cuidados e conselhos.

A medicina tradicional kalon tem sido desenvolvida, aplicada e mantida pelas mulheres ciganas, especialmente, as de meia-idade e mais velhas. Entretanto, a atividade se conservou ao longo dos anos de forma oral e repassada de geração em geração. Atualmente com 65 anos, Diva salienta que aprendeu a cura pelas plantas ajudando sua mãe e suas avós Maria e Jandica, três raizeiras e benzedeiras respeitadas entre ciganos e não-ciganos, a buscar as ervas no cerrado. Ou ajudando-as a prepará-las, um processo que envolve diferentes técnicas e destreza, a depender do tipo da planta e doença a ser cuidada. Ela faz questão de dar os remédios para as três bisnetas Cristina, Paula e Isabela.

“Tenho garrafada em casa na minha geladeira, que eu tomo direto. E  a gente não toma remédio dos médicos, se tiver garrafada, porque muitos remédios dos médicos intoxicam. Você toma para uma coisa e ataca outra, o fígado, o estômago, ataca tudo. E esse aqui, não! É remédio original, ele vem da floresta, você toma sem medo e pode tomar todos os dias e vai ver o bom efeito”, enfatiza Diva, que também benze de quebranto e dá banho de malssimioto e verme na carne, “doenças que os médicos não curam”.

E continua: “A planta medicinal veio desde o começo do mundo. Não é só índio que entende de erva. Antigamente, não tinha médico e o pessoal se tratava mais com raiz. Tinha na horta para dor de barriga, para qualquer coisa. Hoje tem muitas coisas de doença que vem para as pessoas pelo alimento, porque tudo que vai comer tem agrotóxico, química, tomate, óleo... Você vive na base do veneno. Hoje, dificilmente, você achar uma pessoa saudável, sadia. Só vê com doenças, rins, fígado, pele... mas a nossa família segue a tradição da raiz e é difícil você ir em médico”.

Dona Maria de Lourdes Pereira, mãe de Diva, ensinou aprendeu a arte
da cura pelas ervas com a mãe Maria de Jesus e ensinou a filha a conhecer as plantas medicinais

Troncos – Pertencente ao tronco étnico cigano kalon – os outros dois são Rom e Sinti –; a família de Diva se ramifica por várias cidades de Mato Grosso, concentrando-se em Rondonópolis, Tangará da Serra e Cuiabá. E é composta por cerca de 300 pessoas, boa parte seus irmãos, cunhados, tios, sobrinhos e primos. Uma comunidade, que assim como outras espalhadas pelo Brasil, guarda costumes ímpares, como relata Diva, que nasceu em Mineiros (GO):  

“Eu sinto muito orgulho da nossa tradição. Vem de muitos anos. A gente viajava de tropa, acampava por muitos lugares e muitas cidades. Matava porco, vaca... As nossas barracas pareciam uma cidade e o povo de fora vinha para apreciar”. Conforme a raizeira, mesmo sem um reconhecimento formal, a tradição cigana é sábia.

“Não tenho estudo, mas tenho a sabedoria de Jesus na minha cabeça. Tudo que pertencer de remédio de Kalon, de cigano, linguagem e tradição eu sei”, pondera, ao mesmo tempo em que rebate um preconceito histórico de que ciganos são ladrões: “você não vê um cigano preso porque matou, porque estuprou, roubou ou assou. Não tem nenhum, você pode caçar, é muito difícil acontecer com cigano. E os gadjon (não ciganos) você vê, cada um sair com a tornozeleira no pé. Onde você anda tem um. Eles querem ser melhores e não são. Todas as nações são iguais”, enfatiza.


Essas plantas podem ser utilizadas para diferentes enfermidades. Entre elas: dores de cabeça, febres, enjoos, diarreias, renais, saúde sexual, impotência e infertilidade masculina e feminina, abortivos, queimaduras e machucados, reumatismo, sífilis e gonorreia, memória, pele, cabelo, contra picada de cobra, entre outras. Mas exige um processo de manipulação com várias etapas que envolve secagem, dosagem, misturas em água ou vinho e que, por vezes, é acompanhado por rezas ou práticas ritualísticas próprias que misturam outros materiais naturais, como mel, leite materno, ou argila.


Enfatizando que segue “origem e a tradição da avó”, que fazia garrafada para as mulheres, as crianças, que  nunca foram em medicina, Nilva tem certeza que “erva do mato é melhor que um remédio da medicina, porque o da medicina contém muitas misturas e esse aqui vem da natureza puro!” E relata uma cura de uma enfermidade que adquiriu logo após o nascimento e quase a levou a óbito.

“Quando tinha uns seis meses, fiquei internada com problema de bronquite, asma e fiquei só o couro e o osso. Daí minha vó disse: ‘meu filho, tira sua filha daí, que ela vai morrer’. E falou assim: “oh, vou fazer um remédio para ela com umas plantas do cerrado e se ela aguentar, vai escapar”. Ela fez o remédio, eu tomei e aguentei, fui teimosa, queria viver, sarei e hoje tô aqui essa mulherona forte e sadia. Não fui em médico, não tenho problema e tudo através da planta medicinal. Se todo brasileiro tivesse conhecimento da planta medicinal, jamais eles iam tomar remédio de médico, feito de bioquímica”, sentencia.

Folhas – Importante ressaltar que as comunidades ciganas não são homogêneas e os três grandes troncos étnicos, os kalon, os rom e os sinti, se subdividem em inúmeros grupos; que juntos somam cerca de 15 milhões de pessoas vivendo em todos os continentes e países, o que nos torna muito diversos. Desde o século X, quando chegaram na Europa, sofreram com sucessivas políticas persecutórias. A mais grave foi o nazismo, que assassinou mais de 500 mil ciganos.

Em Portugal, onde estão desde o século XIV, foram editadas leis que proibiam as pessoas ciganas de andarem juntas, de falarem suas línguas, de exercerem suas profissões tradicionais, enfim, de serem ciganos, sob pena de prisão, tortura, assassinato ou degredo. Hoje a população cigana, cerca de 100 mil pessoas, é a minoria que sofre mais preconceitos e está em situação de exclusão e desigualdade social no país.

Foi através do degredo português que os Kalon chegaram ao Brasil no primeiro século da colonização, onde não existe registros oficiais, mas estima-se que sejam aproximadamente 500 mil pessoas, vivendo em todos os Estados. Registros históricos apontam para a presença cigana fazendo comércio em terras tupiniquins já nos anos de 1530. Até a independência do Brasil (1822), milhares de famílias ciganas foram para cá degredadas. Junto com os portugueses veio o racismo contra as pessoas ciganas.

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), “no Brasil, as famílias de ciganos estão frequentemente em situação de extrema pobreza, sem acesso a eletricidade, água potável e saneamento básico adequado”. E atualmente, os grupos ciganos luta para melhorar suas condições de vida, serem integrados na sociedade brasileira, mas sem perder suas especificidades étnicas.

Apesar desse histórico, os grupos ciganos ajudaram a construir a identidade nacional de vários países, inclusive o Brasil, exercendo uma forte influência na culinária e na música popular brasileira, como o Samba e a música sertaneja. E resistem enquanto culturas e identidades próprias distintas da cultura e identidade nacional.

Aluízio de Azevedo
Da Assessoria de Comunicação da AEEC-MT para o Jornal A Gazeta

Desde otros lugares: El espacio de diálogo de un gitano brasileño


Foto: Arquivo Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso
 Casamento cigano em Minas Gerais

*Por Aluízio de Azevedo, Assessor de Comunicação da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) para Revista Amarí (4 noviembre, 2019)

Me sentí muy honrado con la invitación hecha por Mariola Cobo Cuenca para publicar un artículo en la Revista Cultural Gitana Amarí, una de las publicaciones más respetadas del mundo sobre este tema. Después de recibir información sobre la sección «Desde otros lugares», un espacio diseñado para aprender sobre el trabajo de más personas gitanas en el mundo, me preguntaba qué escribir y cómo salir de la visión estereotípica del universo gitano en general, y sobre el mundo gitano brasileño, en particular.

Después de pensarlo mucho, llegué a la conclusión de que, aprovechando el gancho de la sección, debería comenzar reflexionando sobre qué «espacio de diálogo» ocupan las personas y comunidades gitanas en la sociedad brasileña. En este contexto, para expresar mi lugar de interlocución, como gitano y brasileño que rompió con el racismo histórico y el estereotipo que a los gitanos no les gusta estudiar, he conseguido dos títulos universitarios: Periodismo, Comunicación y Ciencias Sociales (especialidad en cine) y Maestría en Educación, además he obtenido el Doctorado en Comunicación y salud, y en los dos últimos cursos el tema central giró en torno al universo gitano.

Espacio de diálogo: este concepto surgió y se hizo popular entre el movimiento feminista estadounidense y destaca la importancia de considerar las condiciones sociales en las que se produjo un punto de vista particular y cómo se integra en una jerarquía de privilegios. E indica que el conocimiento y la cultura se derivan de la posición social que ocupa el individuo, lo que muestra que las estratificaciones como género, raza, color, clase, edad, etc., dan forma a lo que sabemos y cómo expresamos este conocimiento.

Para comprender esto, tenemos que preguntarnos: ¿Quién tiene más probabilidades de hablar y ser escuchado en la sociedad? ¿Qué voces se amplifican, tienen autoridad, se vuelven hegemónicas y qué voces se silencian, ignoran o descalifican? Al plantear tales preguntas, el espacio de diálogo muestra que algunos puntos de vista son históricamente más valorados que otros, convirtiéndose en un contrapunto al silenciamiento y la censura de las voces periféricas en el debate público, especialmente con respecto a los derechos humanos y la ciudadanía.

Por lo tanto, es utilizado por los movimientos sociales como una estrategia discursiva para legitimar la auto-representación de los segregados sociales, étnicos o sexuales; y para asegurar que la diversidad en las esferas de poder, para que las decisiones que afectan a toda la sociedad sean más justas.

Cuando se aplica al universo gitano, el espacio de diálogo se refiere a los numerosos cruces que nos afectan, ¿es diferente ser gitano de un lugar a otro, dependiendo de la ciudad, la región, la unidad federativa donde naces y vives? ¿Ser gitano en Brasil – América Latina es diferente de ser gitano en España – Europa? ¿Ser gitano brasileño es diferente de ser gitano portugués o español, a pesar de que todos pertenecen al tronco kalon / kalé? ¿Ser del tronco kalon / kalé es diferente de ser del tronco Rom o del tronco Sinti, a pesar de que nacieron en la misma ciudad, estado y país?

Gypsy, Tangaraense, Mato-grossense, Brazilian, Kalon (…) Éstas son algunas de las identidades que me atraviesan y son las que configuran “mi lugar de fala”. Trajo la problemática del espacio de diálogo como fondo para mostrar que la identidad gitana en Brasil, España o en cualquier parte del mundo gira en torno a los procesos de identificación, diferenciación y clasificación cultural, así como los procesos de estereotipos y racismo, como han demostrado los teóricos de los estudios culturales y descoloniales, como Stuart Hall o Frantz Fanon.

Admitir que existen diferencias entre los gitanos, dependiendo del país / lugar donde se nace y vive o el origen étnico al que pertenece, significa asumir que nuestras identidades gitanas se cruzan con innumerables mediaciones. Se negocian y se articulan en las intersecciones de estratificaciones individuales de clase, género, género, edad y religiosidad, así como por identidades locales, regionales y nacionales.

Yendo más allá: admitir que hay diferencias entre los tres principales grupos étnicos gitanos significa que las culturas gitanas y sus múltiples manifestaciones de identidad no son fijas e inmutables, y no hay representaciones falsas o verdaderas que formen un universo gitano esencial y absoluto. Existen identidades y procesos de diferenciación construidos histórica y socialmente a partir de la confrontación, oposición e hibridación con las sociedades “Gadjés / Payas”, poblaciones no gitanas, ya sean españolas o brasileñas, y sus formas de comprensión y comprensión del mundo moderno, occidental, capitalista: Colonial.

Foto: Arquivo da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT)

Observar las condiciones de la diáspora y las separaciones históricas o geográficas, significa que tenemos características comunes que nos unen como kalon / kalé; o como un grupo que pertenece al mismo universo, junto con otros grupos gitanos como los rom y los sinti. Sobre todo, establece que incluso si pertenecemos al mismo origen étnico, tenemos diferencias culturales que varían incluso de una familia a otra, lo que diferenciará a un grupo de otro, o de un origen étnico a otro.

Por lo tanto, no podemos generalizar u homogeneizar cuando se trata del pueblo romaní. Lo que digo en este texto representa mi experiencia de vida como gitano, brasileño, de 39 años, nacido en la ciudad de Tangará da Serra, Mato Grosso, región del medio oeste de Brasil. Yo pertenezco a un grupo étnico Kalon formado por aproximadamente 1000 personas, distribuido por los estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará y Bahia.

Una comunidad que ha estado en Brasil durante tanto tiempo, hasta el punto de la memoria oral de los ancianos que no saben cuándo llegaron nuestros antepasados. Pero siempre dicen que «cuando el primer portugués entró en Brasil, los gitanos aterrizaron juntos». Y, por lo tanto, fue influenciado por grupos indígenas y negros, además de la población mestiza brasileña que se formó aquí y cómo fue influenciándolos.

Desde el punto de vista histórico, el primer documento escrito de la política portuguesa de degredo en Brasil aplicado a los gitanos data del año 1574. Ese año, el kalón portugués, João de Torres, su familia e hijos, fueron expulsados ​​precisamente porque eran gitanos. Durante más de tres siglos, miles de personas Kalon / Kalé nacidas en Portugal y España han sido depuestas a Brasil. Solo desde la Primera Guerra Mundial llegaron los grupos étnicos en Roma y una pequeña minoría sinti.

Según las estimaciones del gobierno federal, hoy tenemos alrededor de 500.000 personas, presentes en todos los estados brasileños, principalmente kalon. Sin embargo, una gran parte de nosotros vivimos en situaciones precarias, nuestros derechos humanos y ciudadanos no son respetados y no tenemos acceso a una vivienda digna, educación formal y trabajo, ni a servicios básicos de salud y cultura con equidad e integridad.

Similitudes y sufrimientos: Independiente si los gitanos brasileños o españoles o si kalon, rom o sinti, e independiente de todos los cruces de sexualidad, edad, localidad y nacionalidad, tuvimos voces eliminadas o silenciadas y conocimiento apropiado o eliminado. Los gobiernos de Brasil, Portugal y España han elaborado de manera similar a lo largo de los siglos numerosas políticas persecutorias y colonialistas, autorizando un conjunto de represiones que combinaban la violencia física (expulsiones, secuestros, arrestos y muertes) con violencia simbólica. (Prohibición de hablar el idioma, practicar lecturas, vestir al gitano, caminar juntos o ser gitano).

Y aún nos pesa una visión brasileña estereotipada, similar a lo que sucede en España, como las ideas erróneas de que seríamos ladrones y trapaceros, o secuestrar niños. A pesar de este sufrimiento histórico por el que pasaron nuestros antepasados, nos resistimos y seguimos manteniendo nuestros propios estilos de vida alternativos al modelo capitalista. Vivimos con nuestras propias fuerzas y luchas, desarrollando estrategias de resistencia, haciendo pequeños trabajos informales con la tierra, vendiendo tropas y caballos, autos, muebles, ropa y canastillas, en mercados, ferias y comercio callejero.
Mantenemos tradiciones y costumbres, como el respeto por los muertos, los ancianos, los niños, las mujeres y las diferencias, anclando la unidad familiar como principio fundamental, valores que colocan a los seres humanos por encima de los bienes materiales, un contrapunto al modelo capitalista. Por cierto, éstos también son elementos comunes que nos unen tanto como gitanos brasileños o españoles, como también nos unen con la gente de los troncos rom y sinti.

Finalmente, señalo que muchos de nosotros hemos estado estudiando y ocupamos vacantes en el mercado laboral formal. Y buscamos el diálogo con las agencias públicas, buscando una inserción social que traiga reparación histórica y al mismo tiempo rompa con los estereotipos y paradigmas, una tarea que no ha sido fácil, pero gratificante. Estamos en el proceso de crear y articular un movimiento social y político gitano cohesivo que nos represente como identidades múltiples y fortalezca nuestras filosofías de vida y modos de acción y organizaciones socioculturales, reconociéndolos como tan válidos como brasileños / occidentales.

En este sentido, la lucha desarrollada por los primos Kalé de España, pioneros en el movimiento político gitano, nos hace estar muy orgullosos. Esta acción ejemplar nos influye positivamente aqui, al otro lado del Atlántico y nos inspira a seguir existiendo como gitanos, kalones y brasileños.

*Aluízio de Azevedo es un artista y activista Kalon, periodista, científico social, especialista en cine, maestro de educación y mitología gitana, y doctor en comunicación y salud que investiga la apropiación de las políticas de salud pública para los romaníes en Brasil y Portugal.  Correo electrónico: luiju25@gmail.com


domingo, 17 de novembro de 2019

Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2019 | Aluízio de Azevedo

Com a tese "Produção Social de Sentidos em Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: A Apropriação das Políticas Públicas de Saúde para Ciganos no Brasil e em Portugal" o aluno de pós-graduação de Informação e Comunicação em Saúde no ICICT, Aluízio de Azevedo, recebeu menção honrosa no Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2019 na área de Ciências Humanas e Sociais.






quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Teses do PPGICS são destaque no Prêmio Fiocruz de Teses 2019


Por Assessoria de Comunicação do Icict Fiocruz

A Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC)/Fiocruz divulgou o resultado do Prêmio Fiocruz de Teses 2019 e o PPGICS - Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde foi agraciado duas vezes.

Na área de Ciências Humanas e Sociais, foi premiada a tese "A Produção Simbólica da Miséria e dos Miseráveis: Estado, mídia e população", de Daniela Savaget Barbosa Rezende, e “A Produção Social dos Sentidos nos Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: a apropriação das Políticas Públicas de Saúde para ciganos no Brasil e em Portugal”, de Aluízio de Azevedo Silva Júnior, recebeu a menção honrosa.

Ambas as teses foram orientadas pela professora do PPGICS e pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces), Inesita Soares de Araujo. A primeira tem também a co-orientação de Kátia Lerner (PPGICS).

Ao todo, foram quatro vencedores e seis indicações a menções honrosas, divididos nas categorias de medicina; saúde coletiva; ciências biológicas aplicadas à saúde e biomedicina; e ciências humanas e sociais.

Os vencedores receberão R$ 7.500,00 para participar de evento acadêmico/científico nacional ou internacional.

Saiba mais sobre as teses



Crédito das imagens
Foto Daniela Savaget - Arquivo pessoal | Foto Aluízio Azevedo - Arquivo pessoal

Disponível em: https://www.icict.fiocruz.br/content/teses-do-ppgics-s%C3%A3o-destaque-no-pr%C3%AAmio-fiocruz-de-teses-2019

domingo, 21 de julho de 2019

Apesar das mudanças, ciganos mantêm vivos costumes e tradições


Por: JULIANA ALVES - ESPECIAL PARA O HIPERNOTÍCIAS

"Se tem uma coisa que cigano gosta é de se reunir, muita festa e comida", declara Terezinha Alves, 56 anos, membro de uma família de ciganos, em Cuiabá. Em um encontro especial com o HiperNotícias, eles contaram a história de sua origem, preconceitos por serem quem são e como buscam manter os costumes até hoje.

Apesar de não haver um levantamento que confirme o número de ciganos residentes em Mato Grosso, um estudo feito pelo jornalista Aluízio Azevedo, primo de Fernanda Caiado, presidente da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), aponta que pelo menos 200 vivam no estado. Ele relata um pouco das tradições e da vida cigana no documentário Kalon, Olhares Ciganos, disponível no fim da matéria.

"Tudo começou a mudar com o vô", conta Fernanda Caiado, neta de Izidorio Pereira. Ele era cigano da etnia Kalon, mas se envolveu com a cunhada e, como castigo, os familiares o obrigaram a viver isolado no interior de Mato Grosso, enquanto eles partiam em viagem como de costume. Exilado, o cigano desenvolveu depressão e estava sempre triste por ter sido separado e deixado para trás.
Família cigana: Casamento de Izidorio e Severiana Pereira

"Foi quando ele conheceu Jesus", disse Abigail, uma de suas filhas. Seu Izidorio se converteu à religião e se tornou evangélico. Na época, conheceu dona Severiana e se casaram, ela era uma moça muito estudada.

A família conta que Severiana era muito inteligente e aprendeu todos os costumes ciganos apenas observando e estudando. Por exemplo, o dialeto cigano, denominado 'chibe', não pode ser ensinado para um não cigano e dona Severiana aprendeu sozinha, observando a pronúncia e o que poderia significar, entre outros costumes que passou a praticar. "Ela sabia mais do que todo mundo", contou um dos integrantes da família.

"A minha mãe acabou pegando muito do cigano para ela e acabou ficando mais cigana do que os outros", relatou Abigail.

De Guiratinga (distante 331 km de Cuiabá) eles se mudaram para a Capital mato-grossense, ele faleceu em 1989 e ela em 2016.

Para a entrevista estavam reunidos, em casa, as irmãs Abigail, Terezinha e Aparecida, filhas do casal Izidorio e Severiana. Também estava Fernanda, filha de Terezinha, e seu marido Lucas, que é o seu primo, além de José Roberto Martins, marido de Abigail, e o seu filho José Roberto Martins Junior.

Eles relatam que são uma família muito unida. " Está todo mundo sempre junto, é uma ligação que não tem explicação", conta Fernanda. E eles sempre se reúnem todo terceiro domingo de cada mês na casa de um familiar diferente.

"Isso é bem forte! Geralmente as pessoas falam família e é pai, mãe, irmão e, para a gente, não. Quando se fala em família, a minha tia lá em Rondonópolis é família", disse José Roberto Junior.

Eles gostam de tomar muito chá e a mesa das refeições está sempre cheia, geralmente o prato principal envolve carne de porco e os ciganos não costumam comer sobremesa. Devido ao boicote sofrido por Izidoro, hoje todos são evangélicos, alguns da Assembleia de Deus e outros frequentadores da igreja Batista, fazem suas orações antes do almoço e quando o convidado sai de sua casa.

Alan Cosme/HiperNoticias: familia cigana


Apesar de grande parte da tradição cigana ter se perdido no tempo, cada integrante tem a sua história e carrega traços da cultura dos antepassados. Terezinha, por exemplo, tem no sangue a sede por viagens. Os ciganos são conhecidos por serem nômades, estarem sempre se movendo pelas cidades, e ela não consegue ficar em casa.

Contam que na cultura cigana os homens são extremamente machistas e que antigamente havia o costume de se casar com parentes, como primos. Mas ao contarem isso começam a rir, já que Fernanda é casada com o seu primo Lucas.

Abigail não usa roupas tradicionais do povo cigano, mas adora saias, de preferência rodadas e muito coloridas. Ela relembra a fama que as ciganas têm de lerem as mãos, mas já alerta que não faz isso. Ele revela a farsa por traz do costume: é tudo um truque, pois são mulheres muito espertas que conseguem as respostas dos clientes, sem que eles percebam.

Em uma coisa toda a família concorda: "ciganos são naturalmente comerciantes". A maioria deles vendem produtos e adoram negociar, está no sangue, não negam.

Preconceito

Muitas vezes quando se fala nos ciganos o preconceito aparece e muita gente os encara com olhares desconfiados. No senso comum, há  a imagem de que são ladrões, que roubam crianças e charlatões sempre tantando enganar as pessoas.
O preconceito faz com que membros da comuniade cigana reneguem suas raízes e se escondam. A família conta que muitos ciganos não se assumem ciganos por preconceito das pessoas e medo. Esse é um problema até mesmo no ambiente de trabalho, eles têm receio de serem demitidos, pois existem patrões que também acreditam que vão ser roubados. “É muito estereótipo", desabafa Terezinha.

A família cigana conta que seu povo sempre sofreu e foi marginalizado por uma ideia das pessoas que não condiz com a realidade. Afirmam que gostariam que isso mudasse, que as pessoas entendessem que eles não são assim e parassem de julgar todo um povo por serem desconhecidos.

A associação

Fernanda é presidente da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) e conta que seu povo circula entre os estados de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.

Apesar de afirmar que o estado que mais tem ciganos é Goiás, ela diz que não dá para saber quantos são. O censo demográfico não consegue ter uma estimativa, já que muitos ciganos vivem viajando, não têm documentos, não sabem ler e não sabem os seus direitos básicos. Para ter um número aproximado é preciso frequentar os acampamentos ciganos. O que não é feito.

De acordo com Fernanda, a ideia de criar a AEEC partiu de um dos seus primos, pois ele estudou e fez o o doutorado sobre a saúde dos ciganos. Para os estudos, ele conversou muito com ciganos residentes em Mato Grosso e outros estados. Aluízio de Azevedo produziu um documentário sobre os ciganos Kalon, no estado, e estima que pelo menos 200 ciganos vivam em Mato Grosso.

"Vimos a necessidade de criarmos a associação, para conseguirmos pelo menos o básico de assistência aos ciganos", explicou.

Ela aponta que a associação busca oferecer amparo para que o povo seja tratado com dignidade. Os ciganos que vivem no nomadismo não têm informações, não sabem os seus direitos básicos e eles querem que o governo reconheça esse grupo de pessoas.

"A forma que eles vivem ainda está à mercê da sociedade. Eles não estudam, não sabem escrever...", conta Fernanda. 

Na família, Terezinha é assistente social e Abigail contadora. Fernanda conta que a sua mãe é a primeira cigana a se formar em uma universidade em Mato Grosso (ela frequentou a Universidade Federal de Mato Grosso) e o seu primo, Aluízio de Azevedo Júnior, foi o primeiro do Brasil a fazer doutorado.

Veja documentário É Kalon Olhares Ciganos: https://www.youtube.com/watch?v=TAx0IyzqwjE&feature=emb_logo

Disponível em: https://www.hnt.com.br/cidades/apesar-das-mudancas-ciganos-mantem-vivos-costumes-e-tradicoes/102056?fbclid=IwAR2MLDUiPFcMSURxCCG4xQyEIjDHNQxMxTMNJwwxMt0jiHwXg13XAw9UkUk

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Pesquisa sobre povos ciganos conquista Prêmio Compós

Aluízio (o primeiro à esquerda), com ciganos da comunidade de Tangará da Serra (MT), seus tios-avós, durante pesquisa de campo (foto: Karen Ferreira)

Por Icict/Agência de Notícias Fiocruz

Os primeiros ciganos chegaram ao Brasil ainda no século 16. Apesar de os dados oficiais sobre eles serem muito escassos, estima-se que haja, hoje, entre 500 mil e um milhão de ciganos no país, de diferentes comunidades e etnias. Como se dão os processos de comunicação entre as políticas públicas de saúde e esses povos?

O jornalista e antropólogo Aluízio de Azevedo Silva Júnior, ele mesmo um cigano da etnia kalon, elencou essa e outras perguntas como ponto de partida para sua pesquisa de doutorado, defendida em 2018. Pois o trabalho A Produção Social dos Sentidos nos Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: a apropriação das Políticas Públicas de Saúde para ciganos no Brasil e em Portugal acaba de conquistar a edição 2019 do Prêmio Compós de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela, um dos reconhecimentos mais importantes na área da Comunicação.

Aluízio cursou seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Foi orientado por Inesita Soares de Araújo, do PPGICS, e coorientado por Maria Natália Pereira Ramos, da Universidade Aberta (Uab – Lisboa), de Portugal.

Para sustentar sua tese, entrevistou 20 ciganos do Brasil e 20 de Portugal. Ouviu inúmeros relatos de racismo institucional na saúde, como casos de esterilizações forçadas de mulheres ciganas e também maus tratos por parte de alguns profissionais, em Portugal.

No Brasil, identificou conflitos entre as equipes de saúde e os povos ciganos, que enxergam a saúde de forma diferente dos profissionais da área. Situações que revelam o racismo e os estereótipos que ainda afetam o cotidiano dos povos ciganos, reforçando situações de exclusão e de desigualdade social.

“Minha pesquisa se insere em campos e temas bastante sensíveis para a saúde: o da comunicação e o das políticas de equidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Sobretudo aquelas voltadas para populações em situação de exclusão ou desigualdade social, incluindo aí as minorias étnicas e, dentro delas, as comunidades ciganas”, explica Aluízio.

“Esse público é definido no Plano Nacional de Saúde como prioritário no atendimento do SUS, mas as políticas afirmativas em saúde não têm conseguido sair do papel. E as comunidades nessa situação sofrem com racismo institucional ou cuidados inadequados em saúde nos serviços públicos ou privados, por desconhecerem e não respeitarem as suas especificidades e contextos culturais, sociais, políticos e econômicos. Denunciamos situações de negligenciamento e invisibilidade dessas populações na saúde”.

Inovações metodológicas

Em sua pesquisa, o jornalista encontrou inúmeros desafios. Um deles foi conseguir descortinar o universo cigano de forma inovadora e sem preconceitos. “Esse tema ainda é pouco estudado. Ou, quando ganha foco em estudos, em geral acaba enquadrado no molde científico hegemônico, alimentando estereótipos e reforçando o racismo em todas as suas faces, inclusive o epistêmico”, esclarece.

Para vencer esse desafio, aplicou à pesquisa de campo o que chama de “metodologia fílmica semiológica, intercultural e decolonial”, que incluiu, entre outras ações, um registro fílmico de várias comunidades ciganas brasileiras e portuguesas. Esses registros deram origem a um vasto material, que Aluízio pretende editar, para compor um longa-metragem sobre as comunidades ciganas da etnia kalon. Para isso, porém, precisa conquistar financiamento.

Inesita, orientadora do pesquisador durante o doutorado, identifica muitos méritos no trabalho. “Um deles é como evidencia a possibilidade de fazer uma pesquisa com rigor teórico e metodológico, contribuindo para o avanço da ciência no campo da ‘comunicação e saúde’, ao mesmo tempo em que é uma pesquisa comprometida com setores da população que sempre estiveram à margem da sociedade. Não por quererem, mas porque foram marginalizados, porque foram considerados desnecessários, supérfluos e mesmo indesejáveis”.

A pesquisadora também destaca o fato de Aluízio trazer a Filosofia Kalon como um dos quatro eixos de sustentação teórica da tese, ao lado dos Estudos Culturais, das Epistemologias do Sul e da Semiologia Social dos Discursos.

“Por fim, realçaria que o pesquisador, um cigano kalon, que por méritos próprios tornou-se jornalista, depois antropólogo e finalmente conquistou seu título de doutor entre nós, no PPGICS, fez dos participantes de sua pesquisa coautores desse processo de produção de conhecimento sobre uma realidade tão negligenciada quanto negligenciado é o povo cigano. E isso é muito precioso”.

Exclusão social

Para Aluízio, outro desafio marcante teve a ver com a barreira de um estereótipo: a ideia, equivocada, de que pessoas ciganas não gostam de estudar. “É muito raro um cigano chegar ao nível superior, o que dirá concluir uma tese de doutorado”, lamenta. “Também nos deparamos com uma realidade dura e cruel de políticas anticiganas que foram desenvolvidas pelas nações ocidentais ao longo dos séculos, inclusive no Brasil e em Portugal.

Coisas como degredo, expulsão, a proibição de falar a língua cigana e de praticar os costumes, prisões, sequestros de bens e até assassinatos. Ações que deixaram um rastro de exclusão social, onde hoje se encontra uma imensa parcela das pessoas ciganas. E a nossa proposta foi justamente romper com esses paradigmas excludentes para mostrar que as comunidades ciganas também têm saberes e modos de vida que podem contribuir, de alguma forma, para o diálogo acadêmico e político sobre as políticas de saúde”.
   
Além de atuar como jornalista no núcleo de Mato Grosso do Ministério da Saúde, o autor tem se dedicado a atividades acadêmicas para divulgar a tese. “Também tenho buscado modos para fazer com que o conhecimento coletivo produzido na pesquisa chegue como devolutiva às comunidades ciganas, para que ampliem os seus argumentos e fortaleçam seus discursos.

Bem como aos gestores em políticas públicas de saúde e de outras áreas de direitos humanos, para que possam subsidiar suas tomadas de decisões em prol da saúde cigana, da justiça social e da igualdade racial, que são questões garantidas constitucionalmente e em diversas leis”.

Dez anos do PPGICS

A forma como encara a ideia de “equidade”, afinal, é o grande trunfo da tese de Aluízio, destaca Inesita: “A equidade é um desafio ao mesmo tempo simples e gigantesco. O desafio do reconhecimento de que os grupos sociais têm suas especificidades culturais e que elas merecem respeito.

O desafio da decisão (e coragem) política de conferir mais atenção aos setores da população historicamente negligenciados, entendendo que o negligenciamento na saúde é parte inseparável da situação em que esses grupos se encontram. O desafio de perceber que a comunicação é parte inseparável desse negligenciamento, e que nenhuma política para minorias poderá ser implantada plenamente se a comunicação que a constitui e que a viabiliza não respeitar também o princípio da equidade”.

O reconhecimento do Prêmio Compós à tese de Aluízio acabou coincidindo com uma data importante para o PPGICS: seu aniversário de 10 anos. O programa de pós-graduação, que oferece mestrado acadêmico e doutorado em Informação e Comunicação em Saúde, está avaliado com nota 5 pela Capes, e já formou cerca de 40 doutores e 90 mestres.


quinta-feira, 14 de março de 2019

MPF ouve anseios de comunidade cigana em Mato Grosso e estreita relações


Quatro procedimentos serão instaurados para que ciganos possam ter acesso a serviços essenciais


Representantes da comunidade cigana em Mato Grosso estiveram reunidos na última sexta-feira (11) com o procurador da República, titular do Ofício de Comunidades Indígenas e Populações Tradicionais no Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT), Ricardo Pael Ardenghi. Durante a reunião, foram apresentadas as principais demandas e necessidades do povo cigano, tanto no estado, quanto no país como um todo. O encontro faz parte da ação coordenada Maio Cigano, que integra o calendário do Projeto MPF Cidadão 30 anos.

A presidente da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), Fernanda Caiado agradeceu o olhar diferenciado que está sendo dado na tratativa com o povo cigano e entregou ao procurador um documento contendo informações básicas sobre as comunidades ciganas no estado e a pauta com as demandas locais e nacionais. “Precisamos agradecer ao MPF, em nome do procurador Ricardo, por ter tomado essa decisão de olhar com outros olhos, não só a cultura, mas os ciganos hoje, que temos em Mato Grosso e no Brasil. Nós temos acompanhado o trabalho que o Ministério Público Federal tem feito em alguns pontos, como a efetivação do Dia do Cigano. Existem outras coisas que precisam melhorar e agora, com o apoio do MPF, a gente sabe que vai melhorar”, afirmou Fernanda.

Para o procurador Ricardo Pael, este é o momento de abrir um canal de diálogo com a comunidade cigana, que não tinha contato com o MPF no Estado. “Este é um processo que estamos iniciando e que daremos andamento, buscando atender as demandas que estão sendo colocadas, dando maior visibilidade às necessidades de todas as comunidades ciganas, principalmente as daqui de Mato Grosso”, enfatizou.

Situações como a falta de dados por parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre a população cigana no país, a falta de acesso a documentos, saúde, educação e moradia, leia-se lugares apropriados para os acampamentos das famílias que ainda permanecem nômades, foram a principais problemas apresentados pelos representantes da comunidade cigana em Mato Grosso. “Não existem áreas específicas para os acampamentos, e, quando são cedidas, não possuem nenhuma infraestrutura como água, banheiros e energia elétrica. A precariedade é muito grande. Torna-se insalubre e faz com que as pessoas engrossem o coro de que os ciganos são sujos e porcos”, enfatizou a presidente da Associação das Etnias Ciganas em Mato Grosso.

Fernanda explicou que a AEEC-MT tem conhecimento de que existem grupos ciganos nas cidades de Rondonópolis, Tangará, Cuiabá, Sinop, Alto Garças, Pedra Preta e Barra do Garças, e que a intenção é se aproximar de outras associações ciganas existentes no país, como a do Distrito Federal. E, apesar de não haver dados específicos sobre ciganos em Mato Grosso, Fernanda acredita que existem pelo menos 700 pessoas no estado que se identificam como ciganos.

Durante o encontro, tanto Fernanda, quanto a professora Irandi Rodrigues Silva, cigana de nascimento, e Marcos Gatass, cigano e professor de danças ciganas, falaram sobre a fixação do povo em Mato Grosso, e também sobre a cultura e os costumes dos ciganos como um todo, sobre as divisões por etnias, sobre o linguajar entre outros temas.

A professora Irandi falou um pouco sobre sua história. “Sou cigana de pai e mãe, nasci em uma barraca e perambulei até os 16 anos por aí em um lombo de cavalo, até meus pais fixarem moradia em Tangará da Serra. A partir de então, nós começamos a nos misturar com os não ciganos, até para que nossa cultura pudesse sobreviver”, ressaltou a cigana, formada em Pedagogia no Instituto Tangaraense de Educação, servidora pública aposentada.

Para ela, a pior situação que o cigano vive nos dias atuais ainda é o preconceito. “Cigano não se identifica como tal, até a língua está se acabando. A vida de cigano, na integração social na atualidade, é muito difícil. Antigamente era mais fácil. As pessoas ainda têm aquela visão de que cigano é enganador, e rouba crianças, e isso nos traz muitas dificuldades, principalmente para as nossas crianças”, ressaltou.

Marcio Gatass, professor de dança cigana, corrobora as palavras de Irandi ao afirmar que muitos parentes não dizem que são ciganos devido ao preconceito. “Precisamos ser bem vistos e não mal vistos. É preciso que tenhamos visibilidade para acabar com este estereótipo que existe sobre os ciganos”, completou.

Por fim, o procurador Ricardo Pael explicou que, com base nas informações repassadas a ele durante a reunião e documentalmente, serão instaurados quatro procedimentos administrativos pelo MPF/MT, sendo um sobre a questão de acesso a documentação civil; outro sobre o acesso à saúde, observando as peculiaridades do povo cigano; acesso à educação, enfatizando a questão de discriminação e possibilidade de abertura de cotas; e também para acesso a acampamentos com infraestrutura como energia e sanitários. Além disso, os documentos serão enviados às unidades do MPF no interior. “Diante de tantos problemas enfrentados pelos ciganos no Mato Grosso, é inadmissível que não haja nenhum procedimento instaurado. Essa realidade começa a mudar hoje”, concluiu.

Texto e fotos: Redação do site O Livre

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Pesquisa analisa a comunicação de políticas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal


Por: Graça Portela (Icict/Fiocruz)

Em agosto de 2018, um aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict/Fiocruz) defendia uma tese considerada por alguns como
“diferente”. Orientado por Inesita Soares de Araújo (PPGICS) e co-orientado por Maria Natália Pereira Ramos, da Universidade Aberta – Uab Lisboa, de Portugal, Aluízio de Azevedo Silva Júnior – ele mesmo um cigano da etnia Kalon – mapeou e analisou os processos interculturais de comunicação (produção, circulação e apropriação) das políticas públicas de saúde para ciganos no Brasil e em Portugal.

Intitulada A Produção Social dos Sentidos nos Processos Interculturais de Comunicação e Saúde: a apropriação das Políticas Públicas de Saúde para ciganos no Brasil e em Portugal, a tese de Azevedo faz um extenso levantamento histórico da vida cigana e também – sob a ótica da saúde – tenta mostrar qual o impacto das políticas públicas para esses povos.

“Mil nações”

A origem dos povos ciganos é imprecisa. Alguns atribuem a sua origem à Índia, outros ao Egito. A maior dificuldade é devido não se ter “a história escrita, apenas a oral”, como explica Azevedo, que ainda chama a atenção para a quantidade de lendas, mitos, fantasias e construções do senso comum que cercam os povos ciganos no imaginário popular. “Isto mantém e reforça preconceitos e estigmas, discriminação, desigualdades e exclusões”, afirma Azevedo.

Mesmo assim, é possível identificar grupos de ciganos antes do século 10, na Turquia, nos países balcânicos (Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, República da Macedônica, Montenegro, Sérvia, Kosovo, além da porção turca no continente europeu), e na Croácia, Romênia, Eslovênia e a Áustria. Na Europa Ocidental, a presença inicial dos povos ciganos é reconhecida na Alemanha, em 1417. Ainda no século 15, eles são encontrados na França, Grécia, Espanha e Portugal, dentre outros países.

O aluno do PPGICS chama a atenção em sua tese que, durante séculos, por todos os países por onde passaram, os povos ciganos deveriam seguir leis e regulamentos específicos, que no fundo buscavam
erradicá-los ou obrigá-los a se integrarem na sociedade através da sedentarização, além de criminalizá-los.

“Terra exsilium”

Ainda no século 15, Portugal passa a ser o primeiro país do mundo a lançar uma política agressiva contra os ‘romani’, como eram chamados os povos ciganos à época, com o banimento ou degredo para as terras do Novo Mundo – países africanos e o Brasil. Azevedo cita em sua tese que – pela
legislação portuguesa vigente, a colônia americana foi legitimada como destino para os ciganos degredados já no ano de 1549, por meio de um decreto de Dom João III.

Segundo dados levantados por Azevedo, por quase 300 anos – graças a ligação histórica entre Portugal e o Brasil – povos da etnia cigana Kalon foram os que desembarcaram e viveram no país.

Aluízio de Azevedo explica que desta forma, entre as normativas e punições aplicadas aos ciganos
no Brasil ao longo do período colonial, durante o época imperial e até durante a República (até os anos 1940), constavam: a proibição de ser cigano, que incluía falar a língua própria, usar seus trajes, viajar em bandos, praticar a leitura de sorte ou ‘feitiçarias’, praticar a ‘vagabundagem’ ou a mendicância; a sedentarização com a ocupação de trabalhos fixos, a separação de famílias, com a entrega de filhos para que soldados os ‘educassem’.

Embora em menor escala, também ocorreram assassinatos de ciganos no Brasil com o apoio da população, através de caçadas aos grupos e acampamentos. Além disso, afirma Azevedo, qualquer cidadão tinha direito a prender ciganos e entregá-los na cadeia mais próxima, podendo a pessoa tomar-lhes todos os bens, ouro, roupas ou cavalos.

Números no Brasil

Segundo estimativas do IBGE e, conforme explica Aluízio de Azevedo Silva Júnior em sua tese, e de estudiosos ligados ao tema, existem no Brasil (dados de 2013) cerca de 500 mil pessoas ciganas, divididas por três grandes etnias. Temos os Kalon (a maioria no país), os Rom e os Sinti, que ainda se subdividem em diversos grupos e subgrupos. “Ser cigano é pertencer a uma etnia cigana e não a uma religião. Aliás, os grupos ciganos não têm uma religião de origem e, normalmente, adotam a religião dos lugares onde estão. No Brasil a maioria é católica, mas hoje há um forte movimento de conversão às igrejas evangélicas”, esclarece Azevedo.

Em 2014, o IBGE divulgou o ‘Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014’, que reunia os resultados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais – ESTADIC e da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC realizadas nos 27 estados e nas 5.570 municipalidades brasileiras, respectivamente.

A grande dificuldade de se ter uma ideia real da quantidade de ciganos vivendo no país é que nem todos são nômades. Assim, o governo federal reconhecia – por intermédio da então Secretaria de Igualdade Racial (Seppir) – que “os dados oficiais sobre os povos ciganos ainda são muito incipientes", conforme está descrito no documento “Brasil Cigano – Guia de Políticas Públicas para Povos Ciganos” (2013). O próprio IBGE em 2011, quando realizou a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), identificou 291 municípios, distribuídos em 21 estados, que abrigavam acampamentos ciganos; sendo Minas Gerais a que mais possuía esses acampamentos (58), seguida da Bahia (53) e Goiás (38).

Pegando apenas os dois maiores estados do país – São Paulo e Rio de Janeiro, pode se ter uma ideia de como estão espalhados os povos ciganos no Brasil. Dos 92 municípios do Rio de Janeiro, 16 possuem acampamentos de ciganos. Desses, apenas Carapebus tem local específico para este fim. Já o estado de São Paulo, somente 33 cidades, das 645 existentes no estado, possuem acampamentos, sendo que oito destinam uma área específica para o acampamento de ciganos.

Para Azevedo, mesmo esses dados governamentais seriam falhos porque os acampamentos, normalmente, correspondem aos ciganos que ainda são nômades e por isso mesmo migram. Por exemplo, em dezembro de 2017, haviam dois acampamentos ciganos na cidade de Rondonópolis (Mato Grosso) que não estavam contabilizados. Além do que, hoje, aproximadamente 80% dos ciganos fixaram residência e as informações da MUNIC não dizem nada a respeito dos ciganos que não são mais nômades, explica.

Saúde cigana

Uma das principais demandas apresentadas pelos povos ciganos é a saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) garante o atendimento a todos os cidadãos e os povos ciganos contam com um “Cartão para Cidadão em Situação Especial”, que contempla além de ciganos, estrangeiros, índigenas,
apenados (presos cumprindo pena em regime fechado ou semi-aberto) e a população fronteiriça do país, conforme a Portaria 940, de 4/9/2012, do Ministério da Saúde. Contudo, com características sócio-culturais próprias, este atendimento acaba sendo prejudicado, como afirma Azevedo: “muitos grupos, devido as suas especificidades culturais, não aceitam que as pessoas sejam atendidas por outras de sexo diferente. Por exemplo, se uma mulher cigana vai procurar os serviços de saúde, dificilmente continuará o tratamento se for atendida por um médico. O mesmo vale para os homens ciganos, que não gostam de ser atendidos por mulheres médicas”.

O aluno do PPGICS também chama a atenção sobre como os grupos ciganos têm um outro olhar para a saúde. “Eles vêem a saúde de forma diferente dos profissionais da área e da população em geral. Quando um cigano fica doente, muitas vezes, o grupo todo acaba indo para o hospital e aí se
encontram muitos conflitos, principalmente, pelos horários e limites de visitas aos pacientes”.

Em entrevista ao site do Icict, Aluízio de Azevedo Silva Júnior fala um pouco mais sobre a sua tese, o racismo que envolve os povos ciganos e o impacto disto na saúde destes povos.