Quatro procedimentos serão instaurados para que ciganos possam ter acesso a serviços essenciais
Representantes da comunidade cigana em Mato Grosso
estiveram reunidos na última sexta-feira (11) com o procurador da República,
titular do Ofício de Comunidades Indígenas e Populações Tradicionais no
Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT), Ricardo Pael Ardenghi.
Durante a reunião, foram apresentadas as principais demandas e necessidades do
povo cigano, tanto no estado, quanto no país como um todo. O encontro faz parte
da ação coordenada Maio Cigano, que integra o calendário do Projeto MPF Cidadão
30 anos.
A presidente da Associação Estadual das Etnias
Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), Fernanda Caiado agradeceu o olhar
diferenciado que está sendo dado na tratativa com o povo cigano e entregou ao
procurador um documento contendo informações básicas sobre as comunidades
ciganas no estado e a pauta com as demandas locais e nacionais. “Precisamos
agradecer ao MPF, em nome do procurador Ricardo, por ter tomado essa decisão de
olhar com outros olhos, não só a cultura, mas os ciganos hoje, que temos em
Mato Grosso e no Brasil. Nós temos acompanhado o trabalho que o Ministério
Público Federal tem feito em alguns pontos, como a efetivação do Dia do Cigano.
Existem outras coisas que precisam melhorar e agora, com o apoio do MPF, a
gente sabe que vai melhorar”, afirmou Fernanda.
Para o procurador Ricardo Pael, este é o momento de
abrir um canal de diálogo com a comunidade cigana, que não tinha contato com o
MPF no Estado. “Este é um processo que estamos iniciando e que daremos
andamento, buscando atender as demandas que estão sendo colocadas, dando maior
visibilidade às necessidades de todas as comunidades ciganas, principalmente as
daqui de Mato Grosso”, enfatizou.
Situações como a falta de dados por parte do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre a população cigana no país,
a falta de acesso a documentos, saúde, educação e moradia, leia-se lugares
apropriados para os acampamentos das famílias que ainda permanecem nômades,
foram a principais problemas apresentados pelos representantes da comunidade
cigana em Mato Grosso. “Não existem áreas específicas para os acampamentos, e,
quando são cedidas, não possuem nenhuma infraestrutura como água, banheiros e
energia elétrica. A precariedade é muito grande. Torna-se insalubre e faz com
que as pessoas engrossem o coro de que os ciganos são sujos e porcos”,
enfatizou a presidente da Associação das Etnias Ciganas em Mato Grosso.
Fernanda explicou que a AEEC-MT tem conhecimento de
que existem grupos ciganos nas cidades de Rondonópolis, Tangará, Cuiabá, Sinop,
Alto Garças, Pedra Preta e Barra do Garças, e que a intenção é se aproximar de
outras associações ciganas existentes no país, como a do Distrito Federal. E,
apesar de não haver dados específicos sobre ciganos em Mato Grosso, Fernanda
acredita que existem pelo menos 700 pessoas no estado que se identificam como
ciganos.
Durante o encontro, tanto Fernanda, quanto a
professora Irandi Rodrigues Silva, cigana de nascimento, e Marcos Gatass,
cigano e professor de danças ciganas, falaram sobre a fixação do povo em Mato
Grosso, e também sobre a cultura e os costumes dos ciganos como um todo, sobre
as divisões por etnias, sobre o linguajar entre outros temas.
A professora Irandi falou um pouco sobre sua
história. “Sou cigana de pai e mãe, nasci em uma barraca e perambulei até os 16
anos por aí em um lombo de cavalo, até meus pais fixarem moradia em Tangará da
Serra. A partir de então, nós começamos a nos misturar com os não ciganos, até
para que nossa cultura pudesse sobreviver”, ressaltou a cigana, formada em
Pedagogia no Instituto Tangaraense de Educação, servidora pública aposentada.
Para ela, a pior situação que o cigano vive nos
dias atuais ainda é o preconceito. “Cigano não se identifica como tal, até a
língua está se acabando. A vida de cigano, na integração social na atualidade,
é muito difícil. Antigamente era mais fácil. As pessoas ainda têm aquela visão
de que cigano é enganador, e rouba crianças, e isso nos traz muitas
dificuldades, principalmente para as nossas crianças”, ressaltou.
Marcio Gatass, professor de dança cigana, corrobora
as palavras de Irandi ao afirmar que muitos parentes não dizem que são ciganos
devido ao preconceito. “Precisamos ser bem vistos e não mal vistos. É preciso
que tenhamos visibilidade para acabar com este estereótipo que existe sobre os
ciganos”, completou.
Por fim, o procurador Ricardo Pael explicou que,
com base nas informações repassadas a ele durante a reunião e documentalmente,
serão instaurados quatro procedimentos administrativos pelo MPF/MT, sendo um
sobre a questão de acesso a documentação civil; outro sobre o acesso à saúde,
observando as peculiaridades do povo cigano; acesso à educação, enfatizando a
questão de discriminação e possibilidade de abertura de cotas; e também para
acesso a acampamentos com infraestrutura como energia e sanitários. Além disso,
os documentos serão enviados às unidades do MPF no interior. “Diante de tantos
problemas enfrentados pelos ciganos no Mato Grosso, é inadmissível que não haja
nenhum procedimento instaurado. Essa realidade começa a mudar hoje”, concluiu.
Texto e fotos: Redação do site O Livre
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