Leia Reportagem especial sobre a produção
Aluízio: Pode falar um pouco mais sobre este entrelaçamento entre a cultura cigana e o circo?
Roy:
Há muitos elementos culturais semelhantes entre a cultura do circo e da cultura
cigana. Notadamente, a gente percebe primeiro pela vida na itinerância, a
paixão e a valorização das lonas, quer seja como barraca, como circo, como
moradia ou para um breve pouso. Em ambas, as artes, a dança, a música e o
teatro estão presentes, porque a gente sabe que os ciganos são exímios
artistas, artistas completos, com charme e presenças especiais que os diferem
claramente.
Fomos também os primeiros
domadores de animais, a lidar por exemplo com leões, onças, com cavalos, com
macacos, animais de grande porte, a domar esses animais e a mostrar em
espetáculos. Eram meus tios e meus familiares que aprendiam pela via da
tradição, com meus avós, e ensinavam outras pessoas a serem domadores, a manter
essa função artística. Então, primeiro uma facilidade muito grande na lida com
os animais e isso demonstra a nossa natureza totalmente entrelaçada ao mundo
animal, que somos, o respeito à natureza, o entendimento dos outros animais, a
coragem, o respeito, e acima de tudo, o talento inato.
Além disso, o fascínio
pela itinerância, pela natureza, por estar em vários lugares distintos, viajar,
caminhar pelas estradas a onde poucos se aventuram, e conhecer outros mundos e
culturas, não ter medo de chegar até onde não tinham passado ou conhecido
anres. Outra característica que podemos dizer é a alegria, comum, entre povos
ciganos e circenses. Em nossos meios ciganos e circenses, a alegria ela é muito
maior. A criatividade é muito grande também, tudo se transforma para o povo
cigano circense em algo, em algum elemento da necessidade do circo, algo novo e
necessário na engrenagem. Além disso, fazem de um tudo quanto aos equipamentos
circenses, desde os figurinos e adereços, aos bailados, números, funções de
empresários e negociantes.
Precisamos ver o circo como uma empresa, como uma engrenagem que requer uma série de funções e que os ciganos desempenham com muita competência todas elas. Desde ser o dono do circo, a ser palhaço, ser secretário, articular as burocracias para que possam acessar os espaços e as cidades. São uma série de funções que os ciganos desempenham de maneira magistral e que serve de referência e exemplo para os circenses não-ciganos. Isso é lindo e motivante de perceber ao acessar os dois universos circenses, ciganos e não ciganos. São nítidas as diferenças, e não é que os não ciganos não sejam também divinos no que fazem, é que do lado de cá tem um quê mágicos e especial, possível de se notar e admirar.
Aluízio: Por que
registrar o circo?
Roy: É
importante fazer filme sobre o circo, primeiro porque dizem que o circo é o
‘primo pobre da cultura’, apesar de ser talvez a linguagem mais rica, porque
ela abrange teatro, cinema, as artes, a música, ou seja, não faz sentido
permanecer sendo assim, já que a cultura circense congrega diversas linguagens,
ou seja, é muito rica, mas é pouco valorizada, pouco incentivada, pouco
financiada e o nosso foco é então trabalhar com circos promovidos e feitos por
ciganos tanto para demarcar esse espaço e documentar, quanto pela luta por
reconhecimento cultural, visibilidade do circo-cigano e pela cidadania plena
para seus fazedores.
Esta é a nossa grande
responsabilidade mostrar que no Brasil, assim como no mundo, os ciganos foram
também são responsáveis, sendo os precursores dessas artes, apesar de até então
não terem levados muitos créditos. Aludem muito a cultura circense a personagens
estrangeiros, a outros grupos, de nações, mas no Brasil nós temos o circo sendo
feito por ciganos, ainda que não com lona, desde a colonização o circo está
presente, fomos dos primeiros a chegar, então, não é difícil reconhecer esse
pioneirismo. A cultura brasileira necessita reconhecer e valorizar o circo
feito por ciganos, agindo contra o apagamento cultural e em favor do
reconhecimento desta tradição entre nós.
Aluízio: Abordar o circo a partir da etnia Calon é algo inédito?
Roy:
Estamos produzindo uma obra inédita no Brasil, que é um filme inteiramente
focado na cultura circense, a partir da cultura cigana, trazendo esse
entrelaçamento entre essa dupla cultura. Por si só, a cultura cigana já é alvo
de perseguição e de preconceito, assim como a cultura circense também é. Ou
seja, esses preconceitos e perseguições acontecem duplamente nesse caso. O
filme explicita isso na narrativa de todos os personagens, então, muitas vezes,
primeiro apresentam-se circenses, e só depois afirmam ou reafirmam ciganidade.
É uma estratégia para poderem almenos chegar e armar o circo.
O filme vai trazer
justamente esses bastidores, como as dificuldades e os desafios que os circos
enfrentam para estarem onde nenhum outro equipamento cultural acesso, que são
os interiores, daí a importância do circo no Brasil e no mundo, porque fora das
capitais e dos grandes centros, infelizmente, o acesso à cultura, ao teatro, ao
cinema, a cultura em si é muito difícil e o circo ele leva enquanto equipamento
cultural todas essas artes integradas, para onde nenhum outro chega.
Apesar das dificuldades,
de cada vez mais as burocracias, de negativas de terrenos, como eles têm
relatado, da dificuldade para conseguir chegar, quando chegam acabam
conquistando aquele espaço e sempre que voltam e podem retornar, porque há um
compromisso muito grande com aquela praça, como se chama os lugares onde o
circo está.
O compromisso de deixar o
terreno sempre muito bem limpinho, ainda que sejam alocados em terrenos
distantes, mas com muito trabalho e muita luta, vêm demonstrando ser diferente
daquilo que esperam, o circo vem resistindo. E vem resistindo porque enquanto
arte leva para as pessoas dos lugares mais afastados, povoados e distritos,
entretenimento, a cultura a oportunidade de vivenciar este mundo mágico,
especialmente para as crianças e assim elas podem ser um pouco mais felizes, um
pouco mais crianças em suas infâncias no campo. São inúmeros os benefícios do
circo em uma praça. O circo é também cura e felicidade, onde as vezes imperam
as tristezas, misérias, desalentos...
Aluízio: Já tem data para
lançamento?
Roy:
A ideia inicial era que o filme fosse lançado em abril/maio de 2025, mas
infelizmente, com o falecimento de dois baluartes da família Fernandes, que são
os tios Cícero Roberto e José Milton, as gravações que estavam previstas para o
início do ano, acabaram acontecendo apenas em agosto, então precisamos adiar
esse cronograma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário