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sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Filme Ciganenses aborda culturas cigana e circense

Patrocinada pela Funarte, obra mostra a tradição artística da família Fernandes, com foco na palhaçaria

Reportagem / Entrevista Especial, por Aluízio de Azevedo

Fotos: Barbara Jardim

Quem já foi criança um dia, sabe que um dos maiores desejos das pequenas é ir embora com o circo. Artes, artistas, palhaços, mágicos, picadeiros, lonas e muita luz e brilho do circo, uma das mais antigas formas de organização artística do mundo, fascinam e fazem a felicidade também de adultos e idosos, tornando os nossos dias mais alegres e menos enfadonhos.

Leia aqui entrevista completa com o diretor do filme, Roy Rogeres

Pois foi essa rica experiência de conviver com um circo que vivenciei durante cinco dias do mês de agosto (22 a 26), quando acompanhei as gravações do projeto “Ciganenses”. A produção é dirigida e roteirizada pelo multiartista de etnia cigana Calon, Roy Rogeres Fernandes Filho. Roy foi essa criança que nasceu e cresceu no circo da sua própria família, iniciando na arte da palhaçaria muito cedo.

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A família Fernandes é uma das precursoras do circo no país e hoje uma das maiores dinastias circenses, contando com mais de 10 circos, entre eles o Circo do Palhaço Futuca, o qual participei das gravações e pude conhecer o seu líder, Daniel Fernandes e toda a comunidade itinerante que o acompanha, durante sua estadia na cidade de Gravatá, em Pernambuco (PE).

Produção enfatiza a relação histórica e o entrelaçamento entre os ciganos de etnia Calon e as artes circenses desde os tempos coloniais

A gravação no circo do Palhaço Futuca, também uma das personagens principais da obra, foi a segunda etapa das captações. A primeira etapa ocorreu entre os dias 08 e 12 de agosto junto ao Circo Holiday, na cidade Valença do Piauí, no Piauí (PI), sendo este um dos primeiros circos da família Fernandes. Antes tiveram o Circo Chibiu, Circo Uberlândia, o Arte Palácio e depois foram formando-se e resultando nos demais.

As despesas para minha participação no evento e de outras duas pessoas ciganas da equipe, o design gráfico, Danillo Kalon e a social media, Sara Macedo, foram efetuadas pela Coordenação de Acesso e Equidade (Caeq) da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde (MS), que atua na pauta da saúde circense e cigana no órgão.

Equipe do Filme Ciganenses entrevista o palhaço de etnia Calon, Chapolin Colorado, do circo do Palhaço Futuca, que também é do mesmo grupo étnico

Re-existência e pioneirismo dos ciganos circenses

Não é por acaso, que tanto os povos ciganos, quanto os trabalhadores circenses, convergem na Coordenação das políticas de equidade do MS e do SUS. Além desse imaginário fantástico e romantizado do circo, há outros bem reais e negativos, que caminham lado a lado. Em tempos de globalização, streamings e redes sociais, essas comunidades - empresas enfrentam diversos problemas para manterem a cultura circense, levando alegria aos rincões mais distantes, onde as produções culturais não chegam.

Como bem destacou Roy Rogeres, que também é pesquisador do tema e um dos principais defensores da pauta circense e cigana no país, são resiliência e re-existência. “Importante destacar que os governos, as cidades, tenham olhares mais sensíveis e acolhedores para os povos circenses e ciganos, que enfrentam essa dupla perseguição e preconceito, mesmo querendo levar aquilo que há de melhor para as pessoas, que é a cultura, a alegria, as artes, a ludicidade. Esperamos conseguir contribuir, ainda que minimamente, para mostrar o quanto o circo é grandioso e rico, mas, ao mesmo tempo, atravessa e passa por desafios inúmeros para se manter em pé”.

Neste sentido, cultura, cinema, artes e culturas circenses e ciganas e saúde, se conjugam no filme Ciganenses para “projetar luz para a cultura do circo promovida por ciganos”. Na avaliação do diretor, “infelizmente a literatura não tem dado conta e não deu conta até aqui de explicitar essa relação diretamente entrelaçada entre os ciganos e o circo”.

Trabalhadores levantando a lona do Circo: Trabalho braçal para levar a leveda das artes circenses.

“Defendo que nós fomos os precursores do circo no Brasil desde a colonização, uma vez que a gente já fazia circo e arte durante o período colonial, nas praças coloniais. Não tem como a gente falar de circo com justiça social, sem falar da contribuição dos ciganos para as artes circenses no país”, enfatiza.

Outro objetivo principal da obra é registrar e documentar a história e a memória da família Fernandes, de origem cigana Calon, que lidera em torno de 10 circos no Brasil, que vêm resistindo ao longo de décadas.

“Apresentaremos no filme a cultura do circo no Brasil promovida pela resiliência e resistência da família Fernandes que conta hoje com todos esses circos e especialmente a tradição da palhaçaria, que na nossa família é o grande forte. No meio circense, nossos palhaços são respeitados. São inspirações para palhaços no Brasil inteiro, então, queremos mostrar a dupla cultura cigana e circense, especialmente a tradição da palhaçaria”, revela Roy.

A relação entre o circo e os povos ciganos não ocorre apenas no Brasil. Mas o ineditismo na obra produzida por Roy, é justamente mostrar que entre a etnia Calon as artes circenses também estão profundamente entrelaçadas. “Na América do Sul e em outros países têm muitos circos feitos por pessoas ciganas, a grande parte feita por etnias Rom e outras, mas os Calon também estão nesta vanguarda e é isso que a gente quer demarcar o espaço dos ciganos da etnia Calon nos circos do Brasil, enquanto fundadores e mantenedores desta tradição”.

A dinastia de Maria Cigana e João Cartomante

Artistas do Circo do Palhaço Futuca, durante sua temporada na cidade de Gravatá

Segundo Roy, os Fernandes começaram a fazer circo de 1940, 1950 pra cá. Primeiro com a apresentação de cinema em praças públicas, com projeções fílmicas, e a labuta com animais e nessas praças, passando o chapéu antigamente, até ter o circo como conhecemos hoje em formato de lona.

“Em nossa família, o circo começou com a dona Maria Cigana, minha bisavó, junto como meu bisavô, o João Cartomante, que era caixeiro viajante e trabalhava com artes. A partir da perseguição e injusta morte dele, que é hoje um beato na cidade de Cocal (PI), D. Maria Cigana se envereda pelo lado do circo, com suas filhas e filhos, especialmente a mais velha, Josefa Fernandes, conhecendo um pouco mais das artes, pois já eram bons cantores, completos artistas, dançarinos. É muito talento e resistência, é muita resiliência”, relata o multiartista Calon.

A película, que tem previsão para estrear no segundo semestre do ano que vem, mostra também as dificuldades para manutenção da tradição circense nos dias de hoje

Entre as personagens principais do filme estão vários palhaços que pertencem à Família Fernandes. Entre eles, “o Palhaço Sapatão, que primeiramente era o Tio Rogério que fazia, depois passou para o irmão dele, o tio Cícero e agora é o Kenny Hollyman quem faz, o filho do Cícero; o palhaço Futuca, que é o Daniel, o palhaço Pipoquinha/Chapolin, o Wanderson; e o Beto Chameguinho, que hoje trabalha no Parque Beto Carreiro World. O Palhaço Chameguinho é um dos grandes nomes do circo nacional, uma das principais referências, tendo sido eleito em diversos concursos e páginas especializadas, o melhor palhaço do Brasil, por diversas vezes”, explica Roy, acrescentando que:

“Nós temos também a intenção de gravar com o palhaço Safadinho, que tá hoje em São Paulo e pertence à família e alguns outros, para além, claro, daquelas que conviveram e que desde então estão juntos fazendo o circo acontecer, suas esposas, as mães, como a tia Edna e a tia Lina, que são mulheres que dedicaram mais de 40 anos as artes do circo, além da nossa matriarca, a tia Iracilda, que mora em Barreiras, uma grande artista, com muita memória”.

A arte da palhaçaria é a especialidade da família Fernandes

Financiamentos e Apoios - O projeto Ciganenses foi aprovado no Edital Retomadas na categoria Circo da Funarte, com previsão de finalização até dezembro de 2025. “Para além disso, nós resolvemos que é muito importante buscar financiamento para finalização do filme, o que demanda um custo maior. Agora terminadas as gravações primeiras, a gente vai em busca de apoio para novas gravações e a finalização fílmica. Tivemos o apoio do Ministério da Saúde e do Ministério da Igualdade Racial para participação de pessoas que moram em Estados distantes, como o palhaço Beto Chameguinho e dos membros do Coletivo Ciganagens, o Aluízio, a Sara e o Danilo pudessem participar presencialmente, o que foi de suma importância”, conclui o diretor.

Saúde Cigana e Saúde Circense – As comunidades e trabalhadores circenses, assim como os povos ciganos, são acolhidos no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das políticas de equidade. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani (Portaria do Ministério da Saúde 4348 de 28/12/2018) ampara os povos ciganos e determina o atendimento diferenciado as pessoas das etnias ciganas presentes atualmente no Brasil. São elas os troncos étnicos Calon, Rom e Sinti e seus subgrupos.

Também no âmbito do SUS, a Portaria do MS 940 de 2011, que dispensa circenses, trabalhadores de parques e itinerantes e povos ciganos de apresentar comprovação de endereço para serem atendidos nos serviços do SUS. Atualmente tanto a pauta da saúde cigana, quanto da saúde circense, está sob os cuidados da Caeq/Saps/MS. Saiba mais no link: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/equidade-em-saude .

Ficha técnica

- Patrocínio: Funarte / Edital Retomadas – Categoria Circo

- Direção Geral: Roy Rogeres Fernandes Filho

- Fotografia e Montagem: Letícia Ribeiro

- Som Direto: Ronne Portela

- Stil e fotografia: Bárbara Jardim

- Supervisão de montagem e pesquisa e colaboração imagens: Aluízio de Azevedo

- Coordenação de Produção: Luanna Marylack

- Produção: Mariana Passos

- Assistente de Produção: Carla Lumena

- Redes sociais: Sara Macêdo

- Artes/designer: Danillo Kalon

- Condução e Assistência: Valney Transportes e Turismo

- Assistência de produção e direção: Irisma Fernandes

- Chefe de cozinha: Kleber Luis Souza Júnior

- Apoios: Ministério da Saúde e Ministério da Igualdade Racial



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