"Se tem uma coisa que cigano gosta é de se
reunir, muita festa e comida", declara Terezinha Alves, 56 anos, membro de
uma família de ciganos, em Cuiabá. Em um encontro especial com o HiperNotícias,
eles contaram a história de sua origem, preconceitos por serem quem são e como
buscam manter os costumes até hoje.
Apesar de não haver um levantamento que confirme o
número de ciganos residentes em Mato Grosso, um estudo feito pelo jornalista
Aluízio Azevedo, primo de Fernanda Caiado, presidente da Associação Estadual
das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), aponta que pelo menos 200 vivam no
estado. Ele relata um pouco das tradições e da vida cigana no documentário
Kalon, Olhares Ciganos, disponível no fim da matéria.
"Tudo começou a mudar com o vô", conta
Fernanda Caiado, neta de Izidorio Pereira. Ele era cigano da etnia Kalon, mas
se envolveu com a cunhada e, como castigo, os familiares o obrigaram a viver
isolado no interior de Mato Grosso, enquanto eles partiam em viagem como de
costume. Exilado, o cigano desenvolveu depressão e estava sempre triste por ter
sido separado e deixado para trás.
Família cigana: Casamento de
Izidorio e Severiana Pereira
"Foi quando ele conheceu Jesus", disse
Abigail, uma de suas filhas. Seu Izidorio se converteu à religião e se tornou
evangélico. Na época, conheceu dona Severiana e se casaram, ela era uma moça
muito estudada.
A família conta que Severiana era muito inteligente
e aprendeu todos os costumes ciganos apenas observando e estudando. Por
exemplo, o dialeto cigano, denominado 'chibe', não pode ser ensinado para um
não cigano e dona Severiana aprendeu sozinha, observando a pronúncia e o que
poderia significar, entre outros costumes que passou a praticar. "Ela
sabia mais do que todo mundo", contou um dos integrantes da família.
"A minha mãe acabou pegando muito do cigano
para ela e acabou ficando mais cigana do que os outros", relatou Abigail.
De Guiratinga (distante 331 km de Cuiabá) eles se
mudaram para a Capital mato-grossense, ele faleceu em 1989 e ela em 2016.
Para a entrevista estavam reunidos, em casa, as
irmãs Abigail, Terezinha e Aparecida, filhas do casal Izidorio e Severiana.
Também estava Fernanda, filha de Terezinha, e seu marido Lucas, que é o seu
primo, além de José Roberto Martins, marido de Abigail, e o seu filho José
Roberto Martins Junior.
Eles relatam que são uma família muito unida.
" Está todo mundo sempre junto, é uma ligação que não tem
explicação", conta Fernanda. E eles sempre se reúnem todo terceiro domingo
de cada mês na casa de um familiar diferente.
"Isso é bem forte! Geralmente as pessoas falam
família e é pai, mãe, irmão e, para a gente, não. Quando se fala em família, a
minha tia lá em Rondonópolis é família", disse José Roberto Junior.
Eles gostam de tomar muito chá e a mesa das
refeições está sempre cheia, geralmente o prato principal envolve carne de
porco e os ciganos não costumam comer sobremesa. Devido ao boicote sofrido por
Izidoro, hoje todos são evangélicos, alguns da Assembleia de Deus e outros
frequentadores da igreja Batista, fazem suas orações antes do almoço e quando o
convidado sai de sua casa.
Alan Cosme/HiperNoticias: familia cigana
Apesar de grande parte da tradição cigana ter se
perdido no tempo, cada integrante tem a sua história e carrega traços da
cultura dos antepassados. Terezinha, por exemplo, tem no sangue a sede por
viagens. Os ciganos são conhecidos por serem nômades, estarem sempre se movendo
pelas cidades, e ela não consegue ficar em casa.
Contam que na cultura cigana os homens são
extremamente machistas e que antigamente havia o costume de se casar com
parentes, como primos. Mas ao contarem isso começam a rir, já que Fernanda é
casada com o seu primo Lucas.
Abigail não usa roupas tradicionais do povo cigano,
mas adora saias, de preferência rodadas e muito coloridas. Ela relembra a fama
que as ciganas têm de lerem as mãos, mas já alerta que não faz isso. Ele revela
a farsa por traz do costume: é tudo um truque, pois são mulheres muito espertas
que conseguem as respostas dos clientes, sem que eles percebam.
Em uma coisa toda a família concorda: "ciganos
são naturalmente comerciantes". A maioria deles vendem produtos e adoram
negociar, está no sangue, não negam.
Preconceito
Muitas vezes quando se fala nos ciganos o
preconceito aparece e muita gente os encara com olhares desconfiados. No senso
comum, há a imagem de que são ladrões,
que roubam crianças e charlatões sempre tantando enganar as pessoas.
O preconceito faz com que membros da comuniade
cigana reneguem suas raízes e se escondam. A família conta que muitos ciganos
não se assumem ciganos por preconceito das pessoas e medo. Esse é um problema
até mesmo no ambiente de trabalho, eles têm receio de serem demitidos, pois
existem patrões que também acreditam que vão ser roubados. “É muito estereótipo",
desabafa Terezinha.
A família cigana conta que seu povo sempre sofreu e
foi marginalizado por uma ideia das pessoas que não condiz com a realidade.
Afirmam que gostariam que isso mudasse, que as pessoas entendessem que eles não
são assim e parassem de julgar todo um povo por serem desconhecidos.
A associação
Fernanda é presidente da Associação Estadual das
Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) e conta que seu povo circula entre os
estados de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.
Apesar de afirmar que o estado que mais tem ciganos
é Goiás, ela diz que não dá para saber quantos são. O censo demográfico não
consegue ter uma estimativa, já que muitos ciganos vivem viajando, não têm
documentos, não sabem ler e não sabem os seus direitos básicos. Para ter um
número aproximado é preciso frequentar os acampamentos ciganos. O que não é
feito.
De acordo com Fernanda, a ideia de criar a AEEC
partiu de um dos seus primos, pois ele estudou e fez o o doutorado sobre a
saúde dos ciganos. Para os estudos, ele conversou muito com ciganos residentes
em Mato Grosso e outros estados. Aluízio de Azevedo produziu um documentário
sobre os ciganos Kalon, no estado, e estima que pelo menos 200 ciganos vivam em
Mato Grosso.
"Vimos a necessidade de criarmos a associação,
para conseguirmos pelo menos o básico de assistência aos ciganos",
explicou.
Ela aponta que a associação busca oferecer amparo
para que o povo seja tratado com dignidade. Os ciganos que vivem no nomadismo
não têm informações, não sabem os seus direitos básicos e eles querem que o
governo reconheça esse grupo de pessoas.
"A forma que eles vivem ainda está à mercê da
sociedade. Eles não estudam, não sabem escrever...", conta Fernanda.
Na família, Terezinha é assistente social e Abigail
contadora. Fernanda conta que a sua mãe é a primeira cigana a se formar em uma
universidade em Mato Grosso (ela frequentou a Universidade Federal de Mato
Grosso) e o seu primo, Aluízio de Azevedo Júnior, foi o primeiro do Brasil a
fazer doutorado.
Veja documentário É Kalon Olhares Ciganos: https://www.youtube.com/watch?v=TAx0IyzqwjE&feature=emb_logo