Por Mirella Duarte
Para Site RDNEWS
Membros da comunidade cigana do município de Tangará da Serra (MT)
No mês em que se comemora o Dia Nacional dos Povos
Ciganos, 24 de maio, o entrevistou o
comunicólogo, especialista em cinema, doutorando e cigano Kalon, Aluízio de
Azevedo, de 38 anos, que falou sobre as dificuldades e preconceitos vividos na
atual sociedade.
Além disso, pontuou especificidades de cada grupo
cigano, como a cultura, história e origem dos que abriram mapas e atravessaram
continentes em busca de uma vida melhor, após serem expulsos de suas terras de
origem.
Segundo Azevedo, o primeiro registro escrito do
degredo (afastamento) de ciganos com relação ao Brasil é de 1574, que ordenava
a expulsão de Portugal do cigano Kalon João de Torres e sua família.
O comunicólogo diz ainda que após anos de segregação,
foi em 2006, no governo do então presidente Lula, que a cultura cigana começou
a ter maior reconhecimento, com a instauração da data de homenagem, o reconhecimento
como minorias étnicas e tradicionais, além de estabelecer a Secretaria pela
Igualdade Racial (SEPPIR) como a interlocutora oficial junto a esses povos.
O pesquisador alega que ainda faltam leis especificas
para os povos ciganos no congresso nacional e defende a necessidade de
aplicação, assim como, as que são efetuadas em prol dos povos indígenas e os de
matrizes africanas.
O comunicólogo Aluízio de Azevedo desenvolve pesquisas
que tratam do povo e cultura cigana
Como é ser cigano no Brasil?
Não é fácil responder essa pergunta, seja no Brasil,
ou em outra parte do mundo. Somamos entre 12 a 15 milhões de pessoas, e é
preciso compreender que não é possível definirmos com clareza uma única
identidade ou uma única cultura cigana. Assim como as palavras “índios” ou
“negros” esconde por traz de si uma infinidade de povos e costumes, com
culturas e línguas diferentes, o mesmo ocorre com a palavra “ciganos”. Posso
dizer que ser cigano, hoje, no Brasil, não é tão melhor do que no passado.
Começou a melhorar, inclusive no próprio discurso e políticas públicas estatais
a partir da redemocratização do País, com a publicação da nossa Carta Magna.
Os ciganos, historicamente, foram muitos perseguidos.
Hoje, tal perseguição, ainda é uma realidade?
Posso dizer que durante todo o período de convivência
entre grupos ciganos e a população majoritária brasileira foi de muitos
conflitos e perseguições, inclusive com o Estado brasileiro efetivando
políticas higienistas de eliminação dos grupos ciganos ou sua completa
assimilação. Por aproximadamente 100 anos (1850 a 1960) os grupos ciganos foram
extremamente violentados, com muitas comunidades inteiras mortas pela polícia.
Um período que ficou conhecido como “as correrias ciganas”. Ciganos evocam no
imaginário nacional estereótipos e estigmatizações, que perpassa um discurso de
ódio e racismo contra as pessoas ciganas. Quando falamos em ciganos, todo mundo
lembra de um grupo nômade acampado perto de sua casa, mas que logo iam embora,
as pessoas sempre abordam o tema de que ciganos roubam crianças, que são
ladrões, trapaceiros ou bandidos perigosos. Há também um outro lado que
romantiza, mas é também estereótipo, como a suposta liberdade da vida nômade,
ou então, a sensualidade das mulheres ou homens ciganos, ou até o misticismo e
os dons para as artes.
O nomadismo então é algo que não define mais os grupos
de ciganos?
Muitos grupos deixaram de ser nômades e, hoje, cerca
de 30% dos grupos ciganos continuam nômades. Isso no mundo todo e inclusive
aqui. Um fato é certo, o nomadismo, que historicamente, foi associado aos
grupos ciganos, atualmente, não é a realidade para a imensa maioria dos grupos.
Aproximadamente 80% das comunidades ciganas ou fixaram residência nas
periferias, ou passaram a semi-nômades, ou populações itinerantes, que circulam
de tempos em tempos pelas mesmas cidades e territórios. Até porque, o mito
romântico da liberdade nômade, por vezes, caí por terra, quando vemos que os
grupos ciganos foram obrigados a migrar pela expulsão das populações
majoritárias e não por vontade própria. Isto é, migraram para fugir das
perseguições policiais e de fazendeiros, como estratégia de resistência e
sobrevivência. A maioria dos ciganos não possuí trabalho formal, pois
vivem das vendas e comércios informais, como objetos de segunda mão, venda de
enxovais e panos de prato, veículos usados, etc. Essa situação dificulta o
acesso à direitos como aposentadorias, pensões e afins. A leitura de mãos ou
tarot não diz respeito a todos os grupos ciganos, ainda que esta é sim a
profissão de muitas mulheres ciganas.
Atualmente, quais as maiores dificuldades de um cigano
no Brasil?
São muitas as dificuldades, principalmente os mais
pobres que, infelizmente, são a maioria. Mas há também pessoas ciganas de
classe média e ricas. Creio que para os que estão em situação de exclusão
social e pobreza a situação é pior, pois acumula uma série de opressões que não
apenas a racial. Mas, de qualquer modo, assumir a identidade cigana e
declará-la no Brasil é saber que vai ser olhado de lado, torto, sofrer racismo
e preconceito e estar um passo atrás da população branca e majoritária.
A Comissão de Assuntos Sociais no Senado aprovou o
Estatuto do Cigano. Isso melhora a vida deste grupo?
Observando especificamente o projeto de lei do senador
Paulo paim, que cria o estatuto, é possível averiguar que tem bastante mérito a
iniciativa, na medida em que é uma iniciativa pioneira para tentar garantir
legalmente os direitos dos povos ciganos no Brasil. Mas, ao analisarmos a
proposta original, é possível notar que se trata ainda de um documento
preliminar e, portanto, limitado, composto apenas por 19 artigos e que precisa
urgentemente ser melhorado e debatido com o maior número de pessoas e
comunidades ciganas possíveis.
Disponível em: https://www.rdnews.com.br/entrevista-especial/conteudos/99839