TCC é um livro-reportagem. Dafne acredita que esse modelo dá mais liberdade ao autor
Por Keka
Werneck, da Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça
Severiana
Pereira, 76 anos, cigana, moradora do bairro CPA em Cuiabá, mineira de origem
camponesa, viúva, evangélica, é a protagonista do livro-reportagem, inspirado
pela cultura Kalon de Mato Grosso, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da
estudante de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dafne
Henriques Spolti. Dafne escreve artigos para este site. Dona Severiana é cigana
e tudo que ela é, conforme a pesquisadora, não corresponde a adjetivos
depreciativos que costumam ser associados aos ciganos.
“Geralmente
a gente ouve que os ciganos são ladrões, pessoas sem-vergonha, sequestram
criancinhas. Eu mesma tinha uma imagem deturpada deles e quis fazer a pesquisa
para informar à sociedade e para eu também me informar melhor”, explica Spolti.
A
pesquisa “Ciganos entre nós – a caminhada de uma família Kalon de MT” vem
contribuir com um limitadíssimo arsenal literário sobre os povos ciganos no
Brasil. E procura desmistificar preconceitos. “A história registrada dos
ciganos é marcada por narrativas preconceituosas”, afirma Dafne.
Sobre a
fama de ladrões, Dafne conta um mito. Ciganos teriam roubado o quarto prego que
seria usado na crucificação de Cristo. Por isso, os pés dele teriam sido presos
sobrepostos. Outro mito sobre as ciganas serem sequestradoras de criancinhas:
mulheres que não queriam seus filhos, durante uma época, os entregavam a elas e
elas os criavam.
São
muitos os povos ciganos. O livro-reportagem foca nos Kalon, como é o caso de
dona Severiana. Ela, na verdade não nasceu cigana, é uma mulher gadjin, mas
virou cigana kalin, quando se casou com Isidoro, uma paixão que fluiu quando
ela tinha 15 anos, em uma fazenda de Minas Gerais.
Severiana
ficou órfã de mãe aos 8 meses e foi criada pelo pai, um matuto severo. Quando
os ciganos chegaram na roça onde ela morava foi aquele bochicho, lembra a
protagonista. As amigas estava ouriçadas pela beleza dos homens, entre eles
Isidoro. Ela, que nunca tinha pensado em se casar com um cigano – dizia: Deus
me livre! – acabou enredada por um forte amor.
Dafne
Spolti, ao apresentar o TCC ontem, dia 7 de julho, no Departamento de
Comunicação Social da UFMT, procurou dar algumas informações sobre os Kalon
fora do senso comum.
Segundo a
pesquisadora, ciganos são pessoas comuns e complexas como todos nós, envolvidas
por questões culturais que passam principalmente pelo nascimento e o casamento,
pessoas que gostam de festa e roupas coloridas, primam pela virgindade e pregam
intensa união familiar. Usam fortemente a oralidade para passar conhecimentos
entre gerações, são ricos e pobres, de várias religiões. Dona Severiana, por
exemplo, é evangélica. São nômades, mas muitos vivem fixados e mesmo os
errantes durante um período se fixam também.
Os
ciganos, diz Dafne, são historicamente perseguidos. Durante o nazismo de
Hitler, por exemplo, 500 mil ciganos foram executados. A autora mostrou foto
chocante de crianças ciganas, vítimas de experiências médicas nazistas.
Políticas
públicas
Conforme
Dafne pesquisou, no Brasil não há política pública voltada para os ciganos, a
não ser iniciativas muito frágeis, como o Dia do Cigano, 24 de maio, dedicado à
santa Sara Kali, protetora dos ciganos. Ela explicou que escolheu o modelo de
livro-reportagem porque, na prática jornalística, persegue a liberdade de
expressão e os meios de comunicação censuram rotineiramente conteúdos. Segundo
ela, também por conta disso, os ciganos e outros povos não têm visibilidade na
mídia.
O professor
Aluízio Azevedo, da banca examinadora, que também é cigano, agradeceu e
parabenizou a aluna pela escolha do tema. “Isso muito me emociona”, disse ele.
Sobre a
preocupação da estudante com a garantia da liberdade de expressão, o professor
Airton Segura, orientador do TCC, lembrou que a liberdade é um processo em
construção permanente, que não tem fim. A cada conquista, novos enfrentamentos.
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