sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Filme Ciganenses aborda culturas cigana e circense

Patrocinada pela Funarte, obra mostra a tradição artística da família Fernandes, com foco na palhaçaria

Reportagem / Entrevista Especial, por Aluízio de Azevedo

Fotos: Barbara Jardim

Quem já foi criança um dia, sabe que um dos maiores desejos das pequenas é ir embora com o circo. Artes, artistas, palhaços, mágicos, picadeiros, lonas e muita luz e brilho do circo, uma das mais antigas formas de organização artística do mundo, fascinam e fazem a felicidade também de adultos e idosos, tornando os nossos dias mais alegres e menos enfadonhos.

Leia aqui entrevista completa com o diretor do filme, Roy Rogeres

Pois foi essa rica experiência de conviver com um circo que vivenciei durante cinco dias do mês de agosto (22 a 26), quando acompanhei as gravações do projeto “Ciganenses”. A produção é dirigida e roteirizada pelo multiartista de etnia cigana Calon, Roy Rogeres Fernandes Filho. Roy foi essa criança que nasceu e cresceu no circo da sua própria família, iniciando na arte da palhaçaria muito cedo.

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A família Fernandes é uma das precursoras do circo no país e hoje uma das maiores dinastias circenses, contando com mais de 10 circos, entre eles o Circo do Palhaço Futuca, o qual participei das gravações e pude conhecer o seu líder, Daniel Fernandes e toda a comunidade itinerante que o acompanha, durante sua estadia na cidade de Gravatá, em Pernambuco (PE).

Produção enfatiza a relação histórica e o entrelaçamento entre os ciganos de etnia Calon e as artes circenses desde os tempos coloniais

A gravação no circo do Palhaço Futuca, também uma das personagens principais da obra, foi a segunda etapa das captações. A primeira etapa ocorreu entre os dias 08 e 12 de agosto junto ao Circo Holiday, na cidade Valença do Piauí, no Piauí (PI), sendo este um dos primeiros circos da família Fernandes. Antes tiveram o Circo Chibiu, Circo Uberlândia, o Arte Palácio e depois foram formando-se e resultando nos demais.

As despesas para minha participação no evento e de outras duas pessoas ciganas da equipe, o design gráfico, Danillo Kalon e a social media, Sara Macedo, foram efetuadas pela Coordenação de Acesso e Equidade (Caeq) da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde (MS), que atua na pauta da saúde circense e cigana no órgão.

Equipe do Filme Ciganenses entrevista o palhaço de etnia Calon, Chapolin Colorado, do circo do Palhaço Futuca, que também é do mesmo grupo étnico

Re-existência e pioneirismo dos ciganos circenses

Não é por acaso, que tanto os povos ciganos, quanto os trabalhadores circenses, convergem na Coordenação das políticas de equidade do MS e do SUS. Além desse imaginário fantástico e romantizado do circo, há outros bem reais e negativos, que caminham lado a lado. Em tempos de globalização, streamings e redes sociais, essas comunidades - empresas enfrentam diversos problemas para manterem a cultura circense, levando alegria aos rincões mais distantes, onde as produções culturais não chegam.

Como bem destacou Roy Rogeres, que também é pesquisador do tema e um dos principais defensores da pauta circense e cigana no país, são resiliência e re-existência. “Importante destacar que os governos, as cidades, tenham olhares mais sensíveis e acolhedores para os povos circenses e ciganos, que enfrentam essa dupla perseguição e preconceito, mesmo querendo levar aquilo que há de melhor para as pessoas, que é a cultura, a alegria, as artes, a ludicidade. Esperamos conseguir contribuir, ainda que minimamente, para mostrar o quanto o circo é grandioso e rico, mas, ao mesmo tempo, atravessa e passa por desafios inúmeros para se manter em pé”.

Neste sentido, cultura, cinema, artes e culturas circenses e ciganas e saúde, se conjugam no filme Ciganenses para “projetar luz para a cultura do circo promovida por ciganos”. Na avaliação do diretor, “infelizmente a literatura não tem dado conta e não deu conta até aqui de explicitar essa relação diretamente entrelaçada entre os ciganos e o circo”.

Trabalhadores levantando a lona do Circo: Trabalho braçal para levar a leveda das artes circenses.

“Defendo que nós fomos os precursores do circo no Brasil desde a colonização, uma vez que a gente já fazia circo e arte durante o período colonial, nas praças coloniais. Não tem como a gente falar de circo com justiça social, sem falar da contribuição dos ciganos para as artes circenses no país”, enfatiza.

Outro objetivo principal da obra é registrar e documentar a história e a memória da família Fernandes, de origem cigana Calon, que lidera em torno de 10 circos no Brasil, que vêm resistindo ao longo de décadas.

“Apresentaremos no filme a cultura do circo no Brasil promovida pela resiliência e resistência da família Fernandes que conta hoje com todos esses circos e especialmente a tradição da palhaçaria, que na nossa família é o grande forte. No meio circense, nossos palhaços são respeitados. São inspirações para palhaços no Brasil inteiro, então, queremos mostrar a dupla cultura cigana e circense, especialmente a tradição da palhaçaria”, revela Roy.

A relação entre o circo e os povos ciganos não ocorre apenas no Brasil. Mas o ineditismo na obra produzida por Roy, é justamente mostrar que entre a etnia Calon as artes circenses também estão profundamente entrelaçadas. “Na América do Sul e em outros países têm muitos circos feitos por pessoas ciganas, a grande parte feita por etnias Rom e outras, mas os Calon também estão nesta vanguarda e é isso que a gente quer demarcar o espaço dos ciganos da etnia Calon nos circos do Brasil, enquanto fundadores e mantenedores desta tradição”.

A dinastia de Maria Cigana e João Cartomante

Artistas do Circo do Palhaço Futuca, durante sua temporada na cidade de Gravatá

Segundo Roy, os Fernandes começaram a fazer circo de 1940, 1950 pra cá. Primeiro com a apresentação de cinema em praças públicas, com projeções fílmicas, e a labuta com animais e nessas praças, passando o chapéu antigamente, até ter o circo como conhecemos hoje em formato de lona.

“Em nossa família, o circo começou com a dona Maria Cigana, minha bisavó, junto como meu bisavô, o João Cartomante, que era caixeiro viajante e trabalhava com artes. A partir da perseguição e injusta morte dele, que é hoje um beato na cidade de Cocal (PI), D. Maria Cigana se envereda pelo lado do circo, com suas filhas e filhos, especialmente a mais velha, Josefa Fernandes, conhecendo um pouco mais das artes, pois já eram bons cantores, completos artistas, dançarinos. É muito talento e resistência, é muita resiliência”, relata o multiartista Calon.

A película, que tem previsão para estrear no segundo semestre do ano que vem, mostra também as dificuldades para manutenção da tradição circense nos dias de hoje

Entre as personagens principais do filme estão vários palhaços que pertencem à Família Fernandes. Entre eles, “o Palhaço Sapatão, que primeiramente era o Tio Rogério que fazia, depois passou para o irmão dele, o tio Cícero e agora é o Kenny Hollyman quem faz, o filho do Cícero; o palhaço Futuca, que é o Daniel, o palhaço Pipoquinha/Chapolin, o Wanderson; e o Beto Chameguinho, que hoje trabalha no Parque Beto Carreiro World. O Palhaço Chameguinho é um dos grandes nomes do circo nacional, uma das principais referências, tendo sido eleito em diversos concursos e páginas especializadas, o melhor palhaço do Brasil, por diversas vezes”, explica Roy, acrescentando que:

“Nós temos também a intenção de gravar com o palhaço Safadinho, que tá hoje em São Paulo e pertence à família e alguns outros, para além, claro, daquelas que conviveram e que desde então estão juntos fazendo o circo acontecer, suas esposas, as mães, como a tia Edna e a tia Lina, que são mulheres que dedicaram mais de 40 anos as artes do circo, além da nossa matriarca, a tia Iracilda, que mora em Barreiras, uma grande artista, com muita memória”.

A arte da palhaçaria é a especialidade da família Fernandes

Financiamentos e Apoios - O projeto Ciganenses foi aprovado no Edital Retomadas na categoria Circo da Funarte, com previsão de finalização até dezembro de 2025. “Para além disso, nós resolvemos que é muito importante buscar financiamento para finalização do filme, o que demanda um custo maior. Agora terminadas as gravações primeiras, a gente vai em busca de apoio para novas gravações e a finalização fílmica. Tivemos o apoio do Ministério da Saúde e do Ministério da Igualdade Racial para participação de pessoas que moram em Estados distantes, como o palhaço Beto Chameguinho e dos membros do Coletivo Ciganagens, o Aluízio, a Sara e o Danilo pudessem participar presencialmente, o que foi de suma importância”, conclui o diretor.

Saúde Cigana e Saúde Circense – As comunidades e trabalhadores circenses, assim como os povos ciganos, são acolhidos no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das políticas de equidade. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani (Portaria do Ministério da Saúde 4348 de 28/12/2018) ampara os povos ciganos e determina o atendimento diferenciado as pessoas das etnias ciganas presentes atualmente no Brasil. São elas os troncos étnicos Calon, Rom e Sinti e seus subgrupos.

Também no âmbito do SUS, a Portaria do MS 940 de 2011, que dispensa circenses, trabalhadores de parques e itinerantes e povos ciganos de apresentar comprovação de endereço para serem atendidos nos serviços do SUS. Atualmente tanto a pauta da saúde cigana, quanto da saúde circense, está sob os cuidados da Caeq/Saps/MS. Saiba mais no link: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/equidade-em-saude .

Ficha técnica

- Patrocínio: Funarte / Edital Retomadas – Categoria Circo

- Direção Geral: Roy Rogeres Fernandes Filho

- Fotografia e Montagem: Letícia Ribeiro

- Som Direto: Ronne Portela

- Stil e fotografia: Bárbara Jardim

- Supervisão de montagem e pesquisa e colaboração imagens: Aluízio de Azevedo

- Coordenação de Produção: Luanna Marylack

- Produção: Mariana Passos

- Assistente de Produção: Carla Lumena

- Redes sociais: Sara Macêdo

- Artes/designer: Danillo Kalon

- Condução e Assistência: Valney Transportes e Turismo

- Assistência de produção e direção: Irisma Fernandes

- Chefe de cozinha: Kleber Luis Souza Júnior

- Apoios: Ministério da Saúde e Ministério da Igualdade Racial



Entrevista com o diretor cigano e circense Roy Rogeres

O multiartista cigano e circense, Roy Rogeres, produz longa-metragem abordando as culturas cigana e circense. Obra é patrocinada pela Funarte.

Leia Reportagem especial sobre a produção

Aluízio: Pode falar um pouco mais sobre este entrelaçamento entre a cultura cigana e o circo?

Roy: Há muitos elementos culturais semelhantes entre a cultura do circo e da cultura cigana. Notadamente, a gente percebe primeiro pela vida na itinerância, a paixão e a valorização das lonas, quer seja como barraca, como circo, como moradia ou para um breve pouso. Em ambas, as artes, a dança, a música e o teatro estão presentes, porque a gente sabe que os ciganos são exímios artistas, artistas completos, com charme e presenças especiais que os diferem claramente.

Fomos também os primeiros domadores de animais, a lidar por exemplo com leões, onças, com cavalos, com macacos, animais de grande porte, a domar esses animais e a mostrar em espetáculos. Eram meus tios e meus familiares que aprendiam pela via da tradição, com meus avós, e ensinavam outras pessoas a serem domadores, a manter essa função artística. Então, primeiro uma facilidade muito grande na lida com os animais e isso demonstra a nossa natureza totalmente entrelaçada ao mundo animal, que somos, o respeito à natureza, o entendimento dos outros animais, a coragem, o respeito, e acima de tudo, o talento inato.

Além disso, o fascínio pela itinerância, pela natureza, por estar em vários lugares distintos, viajar, caminhar pelas estradas a onde poucos se aventuram, e conhecer outros mundos e culturas, não ter medo de chegar até onde não tinham passado ou conhecido anres. Outra característica que podemos dizer é a alegria, comum, entre povos ciganos e circenses. Em nossos meios ciganos e circenses, a alegria ela é muito maior. A criatividade é muito grande também, tudo se transforma para o povo cigano circense em algo, em algum elemento da necessidade do circo, algo novo e necessário na engrenagem. Além disso, fazem de um tudo quanto aos equipamentos circenses, desde os figurinos e adereços, aos bailados, números, funções de empresários e negociantes.

Precisamos ver o circo como uma empresa, como uma engrenagem que requer uma série de funções e que os ciganos desempenham com muita competência todas elas. Desde ser o dono do circo, a ser palhaço, ser secretário, articular as burocracias para que possam acessar os espaços e as cidades. São uma série de funções que os ciganos desempenham de maneira magistral e que serve de referência e exemplo para os circenses não-ciganos. Isso é lindo e motivante de perceber ao acessar os dois universos circenses, ciganos e não ciganos. São nítidas as diferenças, e não é que os não ciganos não sejam também divinos no que fazem, é que do lado de cá tem um quê mágicos e especial, possível de se notar e admirar.

Aluízio: Por que registrar o circo?

Roy: É importante fazer filme sobre o circo, primeiro porque dizem que o circo é o ‘primo pobre da cultura’, apesar de ser talvez a linguagem mais rica, porque ela abrange teatro, cinema, as artes, a música, ou seja, não faz sentido permanecer sendo assim, já que a cultura circense congrega diversas linguagens, ou seja, é muito rica, mas é pouco valorizada, pouco incentivada, pouco financiada e o nosso foco é então trabalhar com circos promovidos e feitos por ciganos tanto para demarcar esse espaço e documentar, quanto pela luta por reconhecimento cultural, visibilidade do circo-cigano e pela cidadania plena para seus fazedores.

Esta é a nossa grande responsabilidade mostrar que no Brasil, assim como no mundo, os ciganos foram também são responsáveis, sendo os precursores dessas artes, apesar de até então não terem levados muitos créditos. Aludem muito a cultura circense a personagens estrangeiros, a outros grupos, de nações, mas no Brasil nós temos o circo sendo feito por ciganos, ainda que não com lona, desde a colonização o circo está presente, fomos dos primeiros a chegar, então, não é difícil reconhecer esse pioneirismo. A cultura brasileira necessita reconhecer e valorizar o circo feito por ciganos, agindo contra o apagamento cultural e em favor do reconhecimento desta tradição entre nós.

De etnia Calon, os irmãos Fernandes: Irisma (Tati), Roy e Luana nasceram no circo

Aluízio: Abordar o circo a partir da etnia Calon é algo inédito?

Roy: Estamos produzindo uma obra inédita no Brasil, que é um filme inteiramente focado na cultura circense, a partir da cultura cigana, trazendo esse entrelaçamento entre essa dupla cultura. Por si só, a cultura cigana já é alvo de perseguição e de preconceito, assim como a cultura circense também é. Ou seja, esses preconceitos e perseguições acontecem duplamente nesse caso. O filme explicita isso na narrativa de todos os personagens, então, muitas vezes, primeiro apresentam-se circenses, e só depois afirmam ou reafirmam ciganidade. É uma estratégia para poderem almenos chegar e armar o circo.

O filme vai trazer justamente esses bastidores, como as dificuldades e os desafios que os circos enfrentam para estarem onde nenhum outro equipamento cultural acesso, que são os interiores, daí a importância do circo no Brasil e no mundo, porque fora das capitais e dos grandes centros, infelizmente, o acesso à cultura, ao teatro, ao cinema, a cultura em si é muito difícil e o circo ele leva enquanto equipamento cultural todas essas artes integradas, para onde nenhum outro chega.

Apesar das dificuldades, de cada vez mais as burocracias, de negativas de terrenos, como eles têm relatado, da dificuldade para conseguir chegar, quando chegam acabam conquistando aquele espaço e sempre que voltam e podem retornar, porque há um compromisso muito grande com aquela praça, como se chama os lugares onde o circo está.

O compromisso de deixar o terreno sempre muito bem limpinho, ainda que sejam alocados em terrenos distantes, mas com muito trabalho e muita luta, vêm demonstrando ser diferente daquilo que esperam, o circo vem resistindo. E vem resistindo porque enquanto arte leva para as pessoas dos lugares mais afastados, povoados e distritos, entretenimento, a cultura a oportunidade de vivenciar este mundo mágico, especialmente para as crianças e assim elas podem ser um pouco mais felizes, um pouco mais crianças em suas infâncias no campo. São inúmeros os benefícios do circo em uma praça. O circo é também cura e felicidade, onde as vezes imperam as tristezas, misérias, desalentos...

Aluízio: Já tem data para lançamento?

Roy: A ideia inicial era que o filme fosse lançado em abril/maio de 2025, mas infelizmente, com o falecimento de dois baluartes da família Fernandes, que são os tios Cícero Roberto e José Milton, as gravações que estavam previstas para o início do ano, acabaram acontecendo apenas em agosto, então precisamos adiar esse cronograma.

É possível, que em 27 de março, dia do teatro e dia do circo, a gente faça um pré-lançamento, a depender dos próximos passos. Mas a previsão de estreia não temos como estipular, uma vez que vamos buscar novos recursos para fazer um filme a altura do que foi captado de imagem, de som, de histórias, que são grandiosas, riquíssimas. Precisamos de mais tempo e apoio tanto para novas gravações, quanto para edição e finalização, para fazer um filme a altura da ambição do projeto, do que captamos em campo e mais do que isso: daquilo que merecem, merecemos.
A Família do Circo do Palhaço Futuca pousa para foto durante gravação do filme ocorrida em Gravatá, no interior de Pernambuco, no último mês de agosto

Fotos: Barbara Jardim

terça-feira, 22 de outubro de 2024

UEFS oferta especialização EAD em Educação na Cultura Digital com cotas para ciganos

 

A Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) está recebendo inscrições para o processo seletivo para a especialização EAD em  Educação na Cultura Digital, para ingresso no primeiro semestre letivo de 2025.

Serão 150 vagas e formação de cadastro reserva para a especialização EAD em Educação na Cultura Digital, devendo ser asseguradas as seguintes reservas para o total de vagas:

  • No mínimo, 15 vagas serão destinadas para o quadro de servidores técnico-administrativos e docentes do quadro permanente da UEFS;
  • Serão reservadas 50% das vagas, excetuando a reserva institucional de vagas (UEFS), para candidatos pertencentes a grupos historicamente excluídos: 70% para candidatos autodeclarados negros e 30% para candidatos indígenas, quilombolas, ciganos, pessoas trans e pessoas com deficiência.

As vagas para o curso EAD em Educação na Cultura Digital são distribuídas entre os seguintes polos de apoio presencial – UAB:

  • Alagoinhas – Centro: 25 vagas;
  • Feira de Santana – Centro: 51 vagas;
  • Ipirá – Centro: 26 vagas;
  • Pintadas – Centro: 24 vagas;
  • Rio Real – Centro: 24 vagas.

Acesse também: UFSM oferta 110 vagas para especializações gratuitas 2025

  • Professores e demais profissionais que atuam na área de Educação, portadores de diploma de curso superior reconhecido pelo MEC.

Como se inscrever no processo seletivo para a especialização EAD em Educação na Cultura Digital

As inscrições para o processo seletivo para a especialização em Educação na Cultura Digital podem ser realizadas até o dia 31/10 através do site: http://csa.uefs.br/index.php/uab2411/verificar_inscricao.

Seleção

A seleção para a especialização em Educação na Cultura Digital ocorrerá no período de 1º/11 a 16/12 e constará de duas etapas de caráter classificatório:

  • 1ª Etapa – Análise curricular (Prova de títulos);
  • 2ª Etapa – Análise da Carta de Intenção (plano profissional).

O resultado de homologação das inscrições será publicado até as 19h do dia 12/11. A Análise do Currículo Lattes acontecerá de 19 a 28/11, e a Análise da Carta de Intenção será feita de 03 a 09/12.

Mais informações no Edital 11/2024 – Educação na Cultura Digital.

Disponível em: https://www.horabrasil.com.br/2024/10/22/uefs-especializacao-ead-em-educacao-na-cultura-digital-oferta-150-vagas

sábado, 19 de outubro de 2024

Povos ciganos resistem apesar do preconceito e da marginalização

 

Governo federal lança plano para garantir direitos dos ciganos, mas representantes de diferentes etnias denunciam falta de ações efetivas. Foto: Karen Ferreira

Por Micael Olegário | ODS 10

Publicada em 18 de outubro de 2024 - 09:28 • Atualizada em 18 de outubro de 2024 - 19:39

“É muito injusto o que acontece”. A frase é da fotógrafa Rosecler Winter, 61 anos, mais conhecida como Rose, moradora de São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre. O sentimento de injustiça está atrelado ao cotidiano de preconceitos e marginalização vivenciado pelos povos ciganos no Rio Grande do Sul. Uma rápida pesquisa do verbo “ciganear” em um dicionário permite compreender a profundidade dos pré-conceitos que afetam as etnias ciganas no Brasil. Entre as diferentes definições da palavra estão levar uma vida errante e agir com falsidade.

Descendente de imigrantes alemães, Rose pertence à etnia Sinti, um dos três principais ramos dos povos ciganos no país. A profissão de fotógrafa é uma herança do pai, Nilo Iloire Winter. Legado que também transmitiu ao filho Kim Winter Flores. Para ela, ser cigana é ter que enfrentar olhares de desconfiança constantes. Nos últimos anos, ela foi levada a fechar seu estúdio e perdeu muitos clientes. O motivo: a descoberta de sua origem cigana.

“O cigano é rotulado, não importa a etnia. No momento que sabem que tu é (cigana), a pessoa perde a amizade, perde o trabalho O estúdio fotográfico aqui que é uma coisa de família, já tinha mais de 50 anos, quando foi em 2014, eu tive que fechar”, descreve Rose Winter. Em um dos piores episódios de ódio e preconceito, ela conta ter sido atacada por um grupo de skinheads nazistas perto dos trilhos do Trensurb, em Porto Alegre: “Eles tentaram me jogar nos trilhos do trem chegando e fui salva por um casal LGBT+”. 

Não estamos nas estatísticas do SUS e da educação. Estamos completamente invisibilizados e o Estado, durante anos e anos, só aplicou políticas persecutórias, racistas e violentas. Não quis saber de cigano. Aluízio de Azevedo, Pesquisador e produtor cultural da etnia Calon

Em agosto deste ano, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) lançou o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos. Entre os objetivos do decreto, está o combate ao anticiganismo, o reconhecimento da cultura e dos modos de vida dos ciganos, além da elaboração de políticas públicas para garantir os direitos dessa parcela da população brasileira.

Apesar de representar uma conquista política para os movimentos dos povos ciganos, o documento tem sido alvo de críticas pelo pouco detalhamento e a ausência de medidas práticas. “Esse plano foi criado e construído sem qualquer diálogo com os povos ciganos, foi imposto de cima para baixo. É um plano que, se você for olhar, é uma vergonha do ponto de vista da construção, porque tem duas páginas. Na área da saúde, que é onde eu pesquisei, tem uma única linha”, lamenta Aluízio de Azevedo, pesquisador e produtor cultural pertencente à etnia Calon.

Doutor em Informação e Comunicação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Aluízio aponta que o decreto sequer menciona os resultados das ações do programa Caravana Brasil Cigano, série de encontros de escuta com ciganos de diferentes regiões do Brasil promovidos pelo MIR. 

Integrante da Associação Estadual das Etnias Ciganas do Mato Grosso e do coletivo “Ciganos Juntos Somos Mais Fortes”, o pesquisador descreve a dificuldade em alcançar medidas efetivas para atender às necessidades dos povos ciganos. Uma delas é a carência de dados atualizados sobre a população cigana no Brasil. Estimativas do IBGE de 2011 indicavam entre 800 mil a um milhão. O Censo 2020 não investigou esse recorte da população brasileira.

“A gente também não está na história oficial, nos livros didáticos ou nos currículos escolares. Não estamos nas estatísticas do SUS e da educação. Estamos completamente invisibilizados e o Estado, durante anos e anos, só aplicou políticas persecutórias, racistas e violentas. Não quis saber de cigano”, complementa Aluízio, natural de Tangará da Serra (MT).

Origem e perseguição

No Brasil, as principais etnias ciganas são Rom, Calon e Sinti, entre essas ainda existem diversos subgrupos, clãs e nações. Uma das imagens mais comuns associada a esses povos é a da itinerância. Porém, atualmente nem todas as etnias mantêm essa tradição, muitos já estabeleceram residência fixa, principalmente entre os Rom. Ser cigano também não tem nada a ver com uma crença religiosa, mas sim com a descendência: só é considerado cigano quem possui mãe e pai ciganos. 

A origem desses povos é controversa, porém, a versão mais aceita é de que teriam surgido na região da Índia. Com o passar dos anos, os ciganos se espalharam por outros territórios do Oriente Médio e Europa – até chegar nas Américas no período colonial, na maioria dos casos expulsos e deportados de países como Portugal, França, Itália, Espanha e Alemanha.

Professor e mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Sandro Rista explica que a itinerância dos ciganos nunca foi apenas uma escolha, ainda que tenha sido incorporada na cultura desses povos. Ainda segundo ele, a resistência de interagir socialmente de algumas etnias ciganas está ligada a séculos de perseguição. 

Eles acham que vão roubar na cidade deles ou que querem tomar a terra de alguém, são vários os preconceitos e em algumas cidades não tem diálogo nenhum. Núbia Ribas, Produtora cultural e descendente de Calon

Em Minas Gerais, entre o final do século XIX e início do século XX, ciganos eram perseguidos pela polícia e obrigados a fugir de seus acampamentos, episódio que ficou conhecido como as “Correrias Ciganas”. Durante a Segunda Guerra Mundial, estima-se que entre 250 a 500 mil ciganos tenham sido mortos em campos de concentração nazistas, no que se define como “Porajmos” (devorar na língua Romani) ou Holocausto Cigano.

“A gente vê uma falta de critério das pessoas para com ciganos. Falta até uma humanização com os povos ciganos no geral. E talvez isso se resolva no momento em que as pessoas conhecerem os costumes e as tradições. Conhecerem as perseguições históricas”, argumenta Sandro Rista, que faz parte da etnia Rom e atua como professor de História em uma escola pública do município de São Francisco de Assis (RS). 

De acordo com Aluízio de Azevedo, entre os resultados desse histórico de marginalização, os ciganos acabaram excluídos de discussões sobre habitação e da organização da vida nas cidades, justamente também por conta da itinerância. “Fomos excluídos da divisão do território nacional, assim como outros povos e outras pessoas pobres”, comenta o pesquisador, que compara essa situação com a dos povos indígenas, que possuem origens ligadas à itinerância.

Rose Winter descreve o ódio e preconceito enfrentado pelos ciganos; na esquerda, em evento de lançamento do plano para os povos ciganos, na foto da direita, Rose ao lado do filho Kim (Foto: Arquivo Pessoal)

Anticiganismo e diversidade

Descendente de ciganos Calon e produtora cultural em Charqueadas (RS), Núbia Regina Ribas descreve os desafios enfrentados por grupos que seguem itinerantes para montar seus acampamentos em cidades gaúchas – os Calon são a principal etnia que preserva a tradição da itinerância. “Está cada vez mais difícil eles conseguirem espaços para acampar nos municípios, mesmo com as portarias que já existem”, enfatiza Núbia.

Durante a pandemia de Covid-19, Núbia relata que muitas organizações voluntárias negaram ajuda ao descobrir que seria destinada para ciganos. Durante alguns anos, ela fez parte do Instituto Cigano do Brasil e atualmente atua com a Rede Brasileira dos Povos Ciganos (RBPC), na defesa dos direitos e políticas públicas para grupos Calon.

Núbia também critica o plano elaborado pelo MIR e que, segundo a ativista, desconsidera a realidade e as necessidades particulares de cada etnia em seu contexto. Além disso, ela vê com desconfiança novas legislações, uma vez que, as atuais políticas são desrespeitadas pelos municípios, como a portaria n°4.384/2018 que instituiu normas para os atendimentos de saúde aos ciganos. “Eles acham que vão roubar na cidade deles ou que querem tomar a terra de alguém, são vários os preconceitos e em algumas cidades não tem diálogo nenhum”, pontua.

Na visão de Aluízio de Azevedo, para que as políticas públicas para os povos ciganos sejam efetivas, é necessário haver a circulação e apropriação pelos diferentes movimentos e etnias. “Os calons têm um estilo de vida, os Rom têm outro. Então, é importante reconhecer, saber diferenciar, entender que são culturas diferentes”, destaca o pesquisador.

Desde que assumiu o cargo de professor, Sandro Rista afirma nunca ter sido discriminado por um estudante. Por outro lado, enfrentou problemas como uma colega docente que somente o chamava de cigano, nunca pelo nome, mesmo dentro da escola e na presença dos alunos. “Onde ela me via, se fosse na rua ou dentro da escola, era só cigano. Eu pedi: ‘olha, colega a gente trabalha junto, quando a gente tá fora da escola e quer me chamar de cigano, tudo bem. Mas, aqui dentro da escola, ou pelo nome ou por professor, para não gerar problema com os alunos’”, relata ele. 

Sandro admite que o problema não está na palavra em si, mas nos estereótipos construídos em torno dos ciganos, como a trapaça e o roubo. Esses discursos e as práticas de ódio atreladas a eles fazem com que muitos prefiram esconder sua origem, para evitar ataques como o sofrido pela fotógrafa Rose Winter.

“Tem bastante ciganos aqui que não se reconhecem, preferem se dizer alemães para não ter o problema do preconceito”, descreve Rose sobre a realidade de São Leopoldo, cidade conhecida como berço da colonização alemã no Rio Grande do Sul. No estado, a maioria das etnias ciganas estão concentradas em cidades de fronteira com a Argentina e Uruguai, sendo considerados povos tradicionais do bioma Pampa.

Aluízio, esquerda, em uma das gravações do filme Caminhos Ciganos; produção audiovisual é alternativa para preservar cultura (Foto: Rodrigo Zaiden)

Oralidade, cultura e artes visuais

Presidente da Associação Cigana Itinerante do Rio Grande do Sul e gestora do Comitê dos Povos Tradicionais do Pampa, Rose conta que a maioria dos Sinti no Rio Grande do Sul sempre esteve ligada às artes, incluindo muitos grupos de ciganos circenses. Apesar disso, poucos circos se identificam dessa forma. “É triste, mas se as pessoas sabem que aquele circo é de cigano, eles não vão entrar (no município)”, explica a fotógrafa.

Rose conta que durante muitos anos também viajou por diferentes estados e países vizinhos, como Argentina e Uruguai. Desde os 14 anos também faz leitura da sorte, uma das características culturais das ciganas, junto das danças, como a  Rumba Gitana, Ghawaze, Rom e Khalbelia, marcadas pela alegria e mistura de diferentes elementos. 

Os vestidos e o uso de metais preciosos, inclusive nos dentes, são outros aspectos que compõem a cultura dos povos ciganos. Núbia Ribas ressalta, contudo, que existem diferenças no poder aquisitivo de cada grupo e etnia, o que interfere nos acampamentos e nas vestimentas. “As ciganas que tem um poder aquisitivo maior, elas estão sempre vestidas com os vestidos mais de festa. Já as ciganas que não tem tanto poder aquisitivo vão usar uma saia mais simples”, acrescenta.

Na culinária, a simplicidade é valorizada e é acompanhada de diferentes temperos e ervas medicinais, fruto também de uma relação próxima com a natureza e da valorização do benzimento. Outra marca das tradições ciganas é a oralidade. A maioria das línguas e dialetos ciganos são ágrafos, como o Romani, idioma dos Rom, e o Chib, falado pelos Calon. 

A maioria desses elementos das culturas ciganas estão registrados em produções audiovisuais como a série “Diva e as Calins de MT”, produção da Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso, dirigida por Aluizio de Azevedo. Segundo o produtor cultural Calon, os documentários e filmes têm sido uma das alternativas para evitar a perda de tradições, um desafio encarado por diferentes culturas orais.

“É uma cultura milenar que enriquece a nossa diversidade brasileira. Muitas das características culturais do brasileiro que se atribuem aos portugueses, de verdade, são dos ciganos. Por exemplo, se você pensar a moda de viola, o sertanejo, isso é um traço muito característico dos calons”, ressalta Aluízio. Uma das produções audiovisuais recentes do produtor cultural é o filme “Caminhos Ciganos”, que também documenta a presença de ciganos em diferentes localidades do Brasil e de Portugal.

Segundo Aluízio, esses movimentos permitem começar a quebrar barreiras entre os ciganos e não ciganos. “É uma construção histórica que vai se desenhando. Antes também os casamentos eram muito mais endogâmicos. Hoje já tem muito mais pessoas ciganas casando com não ciganas. Tem muito mais ciganos frequentando a escola, com acesso à educação”, complementa o pesquisador e ativista.

Entre os depoimentos de Aluízio, Sandro, Núbia e Rose, ecoam as mazelas e os preconceitos que afetam os povos ciganos no Rio Grande do Sul e no Brasil. Do mesmo modo, transparece a diversidade e a riqueza cultural das diferentes etnias e de suas tradições, relegadas a uma posição subalterna na história do Brasil, justamente o país que possivelmente teve o único presidente descendente de ciganos, Juscelino Kubitschek (1956-1961).

Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods10/povos-ciganos-resistem-apesar-do-preconceito-e-da-marginalizacao/

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Exposição Artes, Minorias e Direitos Humanos em Genebra terá obras de artista da AEEC-MT

A vernissage acontecerá na quarta-feira, 6 de novembro, às 18:00.

Artes visuais

A arte é um meio poderoso para aumentar a conscientização social sobre direitos humanos e justiça, e para abrir a discussão sobre questões sociais urgentes em escala global. Os 22 artistas apresentados nesta exposição agem, cada um à sua maneira, como defensores dos direitos humanos.

Desde 2022, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) e seus parceiros Minority Rights Group International (MRG) e Freemuse organizam o Concurso Internacional de Arte para Artistas Minoritários, em parceria com a Cidade de Genebra. O concurso visa apoiar artistas minoritários comprometidos com a defesa dos direitos humanos ao redor do mundo. 

Organizada como parte do Centenário da Ecolint, esta exposição destacará as jornadas, o comprometimento e as obras de arte dos 22 laureados das edições de 2022, 2023 e 2024 do concurso. 

Os artistas cujas obras serão expostas são: Zahra Hassan Marwan, Abdullah, Jean Philippe Moiseau, Mawa Rannahr, Naser Moradi, Amin Taasha, Babatunde “Tribe” Akande, Bianca Batlle Nguema, Mehdi Rajabian, Karthoum Dembele, Aluízio de Azevedo Silva Júnior, Tufan Chakma, Andrew Wong, Elahe Zivardar, Bianca Broxton, Joel Pérez Hernández, Francis Estrada, Laowu Kuang, Jayatu Chakma, André Fernandes, Maganda Shakul e Chuu Wai.

O Assessor para Ciência e Comunicação da AEEC-MT, Aluízio de Azevedo, foi um dos laureados do Concurso Internacional de Arte para Artistas Minoritários no ano de 2023

Vindo de diferentes países e com origens minoritárias diversas, os artistas participantes desta exposição se distinguem por seu comprometimento artístico, sua interpretação altamente pessoal de experiências íntimas e coletivas, e sua representação de temas ligados às suas identidades e direitos como minorias nacionais, linguísticas, religiosas ou étnicas.

Eles usam uma variedade de mídias artísticas, incluindo fotografia, escultura, desenho, pintura, arte digital, música e criação de documentários, para explorar temas que são vivenciados na vida cotidiana de muitas comunidades minoritárias ao redor do mundo, particularmente em relação à apatridia, discriminação múltipla e interseccional, e o papel da memória no presente.

A exposição é gratuita e está disponível em inglês e francês.

Créditos da imagem: Zahra Hassan Marwan

Disponível em: https://www.ecolint-cda.ch/en/our-events/arts-minorities-and-human-rights