Quem vive em
São Paulo ou estará pela megalópole até o dia 10 de dezembro não pode deixar de
conferir a 35ª Bienal de Arte de São Paulo, que estreou em 06 de setembro com o
tema “Coreografias do Impossível”.
Este ano, a
bienal inova trazendo como um dos destaques da exposição, obras de arte da
multiartista de etnia Cigana Rom Lovara, Ceija Stojka, que traduz em suas obras
o horror e a superação vividos em três campos de concentração nazistas.
Abaixo o texto produzido pela Bienal para Ceija.
Somente
quarenta anos após sua deportação é que Ceija Stojka conseguiu superar o trauma
e fazer ressurgir de suas mãos a tragédia que foi seu mergulho, aos onze anos,
no inferno do genocídio.
Exumados dos
limbos de sua memória, a perseguição e o genocídio nazistas foram a matiera prima de
sua obra, composta de desenhos, pinturas e textos que impressionam por sua
intensidade e sua extraordinária poética.
Paradoxalmente,
enquanto parte do povo Roma,1 Stojka é herdeira de uma tradição
oral. Uma verdadeira desvantagem memorial e cultural quando se trata de dar
conta do “genocídio esquecido” de que seu povo foi vítima.
Sua escolha
de “entrar” na pintura, no desenho e na escrita foi um ato de ruptura radical
com sua tradição. Ligados, os três se cruzam e se entrelaçam, sem se fundir
completamente.
Muitos de
seus desenhos e pinturas são marcados por palavras, signos e frases breves.
Uma melopeia gráfica desenrola-se em uma obra cuja policromia confere às paisagens do desastre uma intensidade trágica. Seus trabalhos associam alucinações, antecipações visuais e os sinais desses territórios da morte e de seus protagonistas.
Em suas
paisagens, os olhares dos perseguidores e dos assassinos cintilam como
prefigurações do inominável. Seu desenho conjuga os contornos nítidos dos
mártires anônimos com os fantasmas dos ausentes, já dissolvidos na morte.
Sua obra
oscila do paraíso perdido da vida de antes ao tempo da caça,
ao momento em que a carroça dá lugar ao vagão do “trem da catástrofe”, e
termina nesse arquipélago onde “nem os mortos estarão seguros”.
Ela
configura a trajetória trágica desses corpos arrancados de suas humanidades e
lançados no inferno do genocídio. Há algo do Inferno de Dante. Uma grande
beleza transcende seu “não savoir-faire” em qualidade.
Por Philippe Cyroulnik (traduzido do francês por Celia Euvaldo)
Ela recebeu
o sobrenome Stojka de sua mãe, seguindo a tradição de seu povo. Quando tinha
oito anos, seu pai foi levado pelos nazistas para o campo de concentração de
Dachau, na Alemanha, onde foi morto no ano seguinte.
Logo toda a
família seria deportada para um campo de concentração destinado a ciganos, em
Auschwitz-Birkenau.
A violência
racial que atingiu a família e a vida de Ceija é nomeada pelos Roma com o
termo porajmos, palavra que descreve a perseguição e o extermínio
de sua comunidade pelos nazistas.
Libertada em
1945 do campo de concentração de Bergen-Belsen, a história de Stojka se tornou
conhecida fora de sua comunidade em 1986, após seu encontro com a pesquisadora
e cineasta austríaca Karin Berger.
Seu
testemunho tem início com um livro autobiográfico e com sua obra pictórica,
composta de mais de mil desenhos e pinturas que rememoram o passado doloroso
dos campos de concentração, mas que lembram também os momentos felizes vividos
com a família antes da ocupação da Áustria.
Pintando em
pé na cozinha de seu apartamento nos subúrbios de Viena, usando pincéis e
também os dedos, em muitos de seus trabalhos Stojka acrescenta textos na frente
ou no verso das telas, aliando palavras a imagens em seu esforço de retirar do
silêncio o relato do horror.
Além das
pinturas, Ceija gravou o álbum Me Diklem Suno e publicou os
livros Wir leben im Verborgenen – Errinerungen einer Rom-Zigeunerin (1988)
e Reisende auf dieser Wel (1992).
Suas obras
fazem parte da coleção do Museo Reina Sofía (Madri, Espanha).
Stojka
faleceu em Viena, em 2013.
Disponível
em: https://35.bienal.org.br/participante/ceija-stojka/
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