*Por Aluízio de Azevedo, para o site do Centro Burnier
Mora, no sangue cigano, uma canção de pássaros expulsos do Paraíso. Só
tiveram tempo de levar consigo: a música e a dança, roupas do corpo abrigo do
espírito, cobertor de soluços. Deus logo os chamou de volta para alegrarem de
novo as festas do Céu[1].
“Todo cigano pode
ser rico o tanto que for. Pode ter muita coisa, ser dono de terra, tudo que
pode imaginar. Mas vai chegando perto de morrer, vai perdendo tudo. Tudo que
tem. Deus dá, Deus vai tirando, vai levando. Porque Deus não quer nada de nós.
E nós não vamos levar nada dessa terra. Tudo que é material fica aqui. O
espiritual volta pra Deus. Ele quer a nossa alma, o nosso espírito”.
A frase
acima eu ouvi várias vezes, contadas pelo meu avô, o “seo” Ranulfo cigano.
Em outro momento,
um tio-avô, por nome Alvone, me assoprou: “Desde quando eu me entendo por
gente, dos começos do tempo, que eu entendo, os ciganos são os párias da
sociedade, os marginal...” sentenciando em seguida, “mas todo cigano tem sangue
azul, sangue nobre. O sangue cigano é o segredo de tudo. É de onde vem nossas
forças e vai nossas memórias, ensinamentos”.
“Pode ter só um
pouquinho assim, do tamanho de um dedinho, de sangue cigano, que mesmo assim,
ainda é cigano. É que a raça puxa longe”, observa sutilmente d. Alda, ao
lembrar como a cultura nunca se perdeu: está baseada na mais fundamental
estrutura das sociedades humanas: o parentesco, os laços familiares. Mas sempre
confiados em Deus. “O povo cigano é o povo mais de fé que existe. Os ciganos
têm força com Deus. Eles são de muita fé”, destaca ela.
Os kalon, Rom e
Sinti os três grandes grupos da Romá, ou seja, de todos os ciganos reunidos,
fazem contatos espirituais intensos. Emanam energias de todas as tonalidades,
cores e sentimentos astrais.
Passeiam pelos universos sagrados, mas também
sabem exercitar o profano. No imaginário popular variam de sensuais, a
vagabundos... e assim vamos seguindo, exibindo o mistério que encanta, mas
afasta, alegra, mas queima, ensina, mas é refutada.... a identidade cigana,
sempre em transmutação, intocável pelos gadjons (não-ciganos).
Até onde a vida nos
permitir chegar!
Publicado
originalmente em: http://www.centroburnier.com.br/
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