segunda-feira, 16 de junho de 2025

Líderes dos povos ciganos e aliados se mobilizam por direitos

Ações reivindicam garantias nas esferas política, social e jurídica

Letycia Bond - repórter da Agência Brasil, Publicado em 13/06/2025 - 07:02, São Paulo

O presidente administrativo da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), Wanderley da Rocha, lidera um trabalho para que os direitos de seu povo tenham visibilidade no Congresso Nacional e em outras esferas de poder no Estado Brasileiro. Membro da etnia calon, um dos três grupos do povo romani no Brasil, ele tenta convencer mais parlamentares a se sensibilizarem por suas bandeiras, como a produção de dados oficiais, a aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos e a proteção contra a violência e o ódio.https://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.png?id=1645855&o=nodehttps://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.gif?id=1645855&o=node

"Sabemos que, na luta dos povos ciganos, hoje, no Brasil, não estamos pedindo nada a ninguém. Nós estamos cobrando o direito de ter direitos. Como autoridade, [os políticos] eles têm que fazer o que é certo”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Rocha fundou a Anec, com o objetivo de reunir roma [como também são chamadas as pessoas do povo romani] de todo o país em uma entidade. Atualmente, a associação chega a mais de 30 grupos em 20 estados, incluindo as três etnias ─ rom, sinti e calon. O alagoano destaca que as três etnias não tinham, até pouco tempo atrás, tanto vínculo entre si, mas decidiram se unir para se proteger a partir da coesão.

"Sabemos que nós temos várias demandas, mas entendemos que a luta é só uma. Graças a Deus, tanto a etnia calon como os sinti, de uns anos para cá, fizeram um acordo, entenderam que o Estatuto [dos Povos Ciganos] valeria agora para a nossa geração presente e a vindoura", comemora.

Estatuto dos Povos Ciganos

Apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o Projeto de Lei nº 1387/22 cria o estatuto a que Rocha se refere. A proposta já foi aprovada na Casa, mas estacionou na Câmara dos Deputados.

O debate sobre o estatuto no plenário do Senado Federal foi uma oportunidade para dar visibilidade a denúncias antigas do povo romani, como o racismo e discriminação, também chamada de romafobia ou ciganofobia. 

"Nesse dia, eles pediram a palavra. [Disseram:] 'Paim, nós somos praticamente invisíveis. Queremos o Estatuto", recordou o parlamentar à Agência Brasil. "O Estatuto é um passo importantíssimo na promoção de direitos e na valorização da cultura das comunidades ciganas no Brasil, é uma iniciativa vital para esse setor", sintetiza.

Paim concorda com a percepção de que o povo romani é, historicamente, alvo de discriminação, marginalização e violação de direitos. Outro avanço que a aprovação do texto poderia trazer, destaca o senador, diz respeito à participação das comunidades na formulação das políticas públicas.

Participação social

Para a fundadora e presidenta da Associação Internacional Maylê Sara Kalí (AMSK), Elisa Costa, o governo federal tem conduzido de forma problemática o delineamento do Plano Nacional de Política para Povos Ciganos, instituído em agosto de 2024, pois teria falhado ao não escutar seus beneficiários extensamente.

Ela questiona, por exemplo, que, entre as 20 entidades não governamentais que têm assento no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, 18 representam vertentes do movimento negro, e apenas uma, os roma, que é a Associação Nacional das Mulheres Ciganas. A outra instituição que é membro do conselho é a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

"Nossa luta pela consulta pública [no Plano Nacional de Política para Povos Ciganos] é porque o governo não tem noção de quem somos", pontua. "A gente continuou sem dados, temos hoje microdados de análise. Se você pensar, temos uma população em situação de grande vulnerabilidade social", diz a líder da AMSK, que estima que a Bahia tem a maior população romani do Brasil.

A diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos, do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Paula Balduino de Melo, afirma que a representação dos ciganos se dá pelo Comitê Gestor do Plano Nacional de Política para Povos Ciganos. O comitê tomou posse no final do mês passado. Foram eleitas, por meio de votação, figuras como Wanderley da Rocha, entrevistado nesta reportagem; Rosecler Winter, porta-voz dos sinti; e a calin ─ termo para designar mulheres e meninas do povo calon ─ Nardi Terezinha Casanova. Também foi eleito o líder dos rom Cláudio Domingos Iovanovitchi, porém ele morreu em março deste ano. 

Sem dados

A falta de dados oficiais básicos, como a própria contagem populacional, é uma das críticas históricas das lideranças dos romani ao poder público. Segundo os ativistas, um dos argumentos já ouvidos é o de que a itinerância de alguns grupos dificulta a apuração dos dados. Apesar disso, a realidade é que o nomadismo não é uma característica inerente a todas as comunidades ciganas, e boa parte delas se mantém fixa em um mesmo endereço. 


"Agora, nós não temos dados sobre qual é a maior concentração no país, de uma forma geral. E não ter um levantamento oficial já é uma forma, inclusive, reproduzida e reconhecida por nós até no contexto internacional, de ampliação do anticiganismo, da romafobia", afirma Elisa Costa, que também é diretora do escritório da International Romani Union (IRU) no Brasil. 

Na falta de uma base de dados, a AMSK desagrega dados do Cadastro Único (CadÚnico) e do programa Bolsa Família para mensurar a população romani no país. A entidade verifica o total de pessoas que, mediante autodeclaração, dizem pertencer a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos (GPTE), com marcação “família cigana” em situação de vulnerabilidade social.

Também no final de maio deste ano, foi realizado em Brasília um seminário sobre o Mapeamento Inicial de Famílias Ciganas, Rotas e Redes de Acesso a Políticas Públicas, feito pelo MIR. A pesquisa também usou o CADÚnico, como a AMSK, somado a dados das pesquisas municipais/estaduais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Munic e Estadic), da Secretaria Especial de Cultura e Artes Integradas (Secai) e do Sistema Único de Saúde (SUS), além de coletas de dados feitas em visitas a ranchos e acampamentos ciganos.

A diretora Paula Balduino de Melo diz que o IBGE participou da apuração dos dados do mapeamento. “Além disso, estamos firmando um acordo de cooperação técnica entre o MIR e o IBGE, que prevê a produção de dados relacionados aos povos ciganos”, antecipou, acrescentando que, caso exista um Censo específico, considera eventuais contribuições do instituto essenciais e que a pasta tem procurado salvaguardar as metas do PNPC, mesmo com cortes orçamentários.

Questionado sobre as críticas dos militantes roma, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não repondeu à reportagem. O problema da falta de pesquisas do instituto sobre esse tema também já foi apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), que fez uma recomendação pedindo a inclusão do povo romani no último Censo Demográfico.

Ministério Público Federal

A atuação do Ministério Público na cobrança de maior visibilidade para o povo romani, como no caso do IBGE, é um indício de omissões do Estado nesse trabalho. Essa é a avaliação do subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, que, em sua época de procurador, foi um aliado na luta pelos direitos dessa população. 

"Não havendo uma agência oficial, não havendo uma Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], uma Fundação Cultural Palmares para os ciganos, nós tivemos que construir informação antropológica sobre os grupos ciganos, informação sociológica também e um aprofundamento jurídico. Por isso, o MPF terminou se tornando, no Brasil, a instituição com o maior conjunto de informações antropológicas e jurídicas sobre os ciganos no país. De fato, foi uma mudança muito grande", ressalta. 

Mariz Maia começou a atuar nesse âmbito em 1991, depois de ganhar visibilidade com um projeto em favor dos indígenas potiguara, que vivem no estado em que ele atuava, a Paraíba, e também no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte.

"Houve uma grande repercussão e isso fez com que o senador Antonio Mariz, que, há muitos anos, defendia os ciganos, identificasse a possibilidade de o Ministério Público cuidar também dos ciganos, enquanto minoria. A experiência com os indígenas vinha de muito tempo já, mas a experiência com os ciganos não existia", comenta Mariz Maia, que também leciona na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e foi recentemente eleito para integrar o Subcomitê de Prevenção à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT), da Organização das Nações Unidas (ONU).

"O senador disse assim: tem quem cuide de índio, tem quem cuide de negro, tem que cuide de homossexual, mas não tem quem cuide dos ciganos”, lembra o subprocurador-geral, que, então, perguntou o que teria de ser feito. “Ele disse: ‘vá você conhecer, que aí irá identificar’. Fui, conheci a comunidade dos ciganos em Sousa (PB), em agosto de 1991 e, desde então, temos caminhado juntos".

No sertão paraibano, a comunidade de Sousa, dos calon, é uma das maiores da América Latina e contou com o suporte do Ministério Público Federal (MPF) para a regularização fundiária. Em abril de 2021, o órgão ajuizou uma ação para que fosse declarada a usucapião coletiva de imóveis de quatro comunidades ciganas, em Sousa, distante 432 quilômetros da capital. 

De acordo com o MPF, 522 famílias ciganas tinham fixado residência lá, há 40 anos, "por questões de sobrevivência". Eram, ao todo, 1.845 pessoas, a maior comunidade cigana geograficamente fixada do Nordeste brasileiro, e a área que pleiteavam tinha 171.319,08 m² e fazia parte de um território maior reivindicado.

Ter desempenhado função semelhante em prol dos indígenas potiguaras e, seguidamente, dos ciganos demonstrou a Mariz Maia que os dois enfrentam dificuldades diferentes apesar de algumas semelhanças, pois cada minoria étnica tem suas particularidades. 

"Enquanto indígenas e quilombolas são vinculados à terra, e a terra recebe deles a identidade e também dá a eles a identidade, os ciganos são grupos étnicos que constroem suas fronteiras identitárias por outras razões. Pelo modo de se expressar, eles têm sua língua própria, pelo modo de construir seus hábitos e se organizarem coletivamente, de manterem, de maneira geral e muito intensa, os casamentos dentro da comunidade", explica.

Ao comparar os contextos, o docente paraibano qualifica como "muito mais judicializada" a atuação do MPF no caso dos ciganos. "Nossa atuação acaba sendo de articulação, de coordenação, de um empoderamento das lideranças locais, fazendo com que possamos mediar contatos com prefeituras, secretarias de estado, lideranças governamentais dos vários níveis, para que os ciganos possam localizar suas demandas. Nós damos o respaldo para apresentar a base jurídica dessas demandas e poderem se converter em políticas públicas", detalha Mariz Maia.

Diversidade e violência


Também da Paraíba, o procurador da República José Godoy dá continuidade ao trabalho de acolher as queixas e necessidades do povo romani, em especial, dos calon. Em 2017, fez uma viagem para conhecer as comunidades de Sousa e Patos, que ficam a três horas de carro uma da outra. Na oportunidade, foi apresentado por Mariz Maia e esteve em Condado, que fica entre as duas cidades.

Godoy concorda que o fato de os povos ciganos serem atendidos pelo MPF já expõe o vazio deixado pelas gestões municipais e estaduais. 

"Isso já é sintomático, porque os órgãos locais não os atendem, a não ser que a gente chame. A Defensoria Pública, nos casos em que eles são vítimas, e infelizmente, até nisso tem dificuldade de fazer a defesa deles, quando são criminalizados nas suas atuações. Então, a atuação do MPF já demonstra que não têm acesso a outros órgãos, que deveriam fazer seu papel”. 

Com uma rede de contatos que vai além de seu estado, ele se mantém atualizado sobre o que passa em comunidades de todo o país. "Acho que os povos ciganos, no Brasil, têm uma diversidade muito grande. Não só de moradia, mas diria um pouco quanto a se organizar e até as condições sociais. Aqui no Nordeste, há ciganos muito pobres. Na Bahia, nem tanto, há povos ciganos com uma condição financeira não tão vulnerável. Em São Paulo, tem alguns com condição financeira até interessante. Então, vai ter uma variação", diz ele.

"A única coisa que os une realmente é o preconceito e a violência policial contra eles. Eles sofrem muito preconceito, mais do que qualquer outro [grupo minorizado] com o qual eu tenha trabalhado. Nenhum chega ao nível de preconceito que os ciganos sofrem. E violência policial. Os ciganos da Bahia não são pobres, mas sofreram um processo de assassinato brutal pela polícia. Aqui na Paraíba, tem histórico de violências terríveis. Em todos os espaços, eles são muito violentados", assinala.

Na Bahia, os roma foram vítimas recorrentes de crimes nos últimos anos. Em 2021, uma chacina deixou oito vítimas, executadas por policiais. Em 2022, pelo menos cinco ciganos foram assassinados no estado, e, em 2023, seis pessoas foram mortas dentro de casa, das quais quatro eram do povo romani. 

Perseguição por poderes locais

Godoy acredita que essa atmosfera de perseguição e ódio fez, há algum tempo, com que muitos ciganos quisessem passar despercebidos por não ciganos. Nos últimos anos, entretanto, o procurador acredita que eles intensificaram a luta para serem atores e sujeitos de direitos e não objetos dos preconceitos e das violências.

Para Godoy, os povos ciganos estão legalmente ainda mais desamparados do que os indígenas e os quilombolas. 

"Os povos ciganos ficam à margem do Direito, à margem da cidadania. Há cidades, muitas cidades, que têm legislação contra cigano. É surreal. É inconstitucional? É, mas a força dos poderes locais atua contra eles."

Em 2023, o procurador interveio ao saber que a prefeitura de São João do Rio do Peixe (PB), de gestão de Luiz Claudino de Carvalho Florêncio (PSB) e Regilanio Geraldo de Morais (PSB), havia expulsado ciganos da cidade. Em 2024, Florêncio e Morais, mais conhecidos como Luiz Claudino e Regis Morais, foram reeleitos no primeiro turno, com 82,79% dos votos, e continuam no comando da cidade. A Agência Brasil procurou a prefeitura municipal de São João do Rio do Peixe, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.

Alguns entrevistados confirmaram à reportagem a existência de leis contra os roma em certas localidades, mas tiveram receio de que a divulgação desses municípios aumentasse o número de apoiadores dessas medidas.

Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-06/lideres-romani-e-nao-ciganos-aliados-se-mobilizam-por-direitos

terça-feira, 3 de junho de 2025

III Encontro de Mulheres Ciganas de Mato grosso

Evento reuniu mulheres de cinco cidades de MT e três convidadas dos Estados de Goiás, São Paulo e Bahia

Cerca de 130 pessoas, das quais em torno de 80 mulheres ciganas, do tronco étnico Calon que vivem em diversas cidades do Estado, como Rondonópolis, Cuiabá e Várzea Grande, participaram nos  dias 23 e 24  de maio, em Tangará da Serra (a 240 km de Cuiabá) do “III Encontro de Mulheres Ciganas de Mato Grosso: medicina Calon, cerrado e (in)justiças climáticas”.

Realizado pela Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), o evento ocorre marcando o Dia Nacional dos Ciganos, comemorado desde 2006 a todo 24 de maio. A ação integra as programações paralelas realizadas pela associação durante todo o mês, denominada “ V Encontro de Cultura Cigana de Mato Grosso - Maio Cigano”, que também integra outras ações, como a Mostra de Audiovisual Calon Lachon, a Assembleia Geral da AEEC-MT 2025, que ocorrem na mesma data e mais o dia 25 de maio.

Neste ano, o Encontro de Mulheres tem financiamento do Fundo Casa Socioambiental, por meio de seleção na Chamada de projetos “Resiliência Climática e Equidade de Gênero: Fortalecendo Comunidades para Promoção da Inclusão e Diversidade” e apoio da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT).

Além de contar com a participação de mulheres ciganas vindas de vários municípios mato-grossenses, a novidade é que o Encontro também terá a presença de algumas convidadas especiais do movimento cigano nacional.

Participaram do Encontro em Tangará: a Conselheira Nacional de Igualdade Racial representando os povos ciganos, Edvalda Bispo dos Santos; a integrante do Coletivo Ciganagens e advogada, Sara Macedo e a coordenadora da Roda Cigana Rede Humanitária, Lourdes Corrêa, que também é representante dos povos Rom no Comitê Nacional de Acompanhamento do Plano Nacional de Políticas Públicas para Povos Ciganos do Ministério da Igualdade Racial (MIR).

O encontro contou a presença de uma comitiva da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT), composta por três técnicos: dois do Grupo Técnico de Equidade da pasta, Milton Fleury e Dr. Foguinho e a representante da Escola de Saúde Pública (ESP) da SES/MT, Rita Meurer. Também contou com a participação do presidente do Conselho Estadual de Igualdade Racial de MT (CEPIR/MT), Manoel Silva.


De acordo com a presidente da AEEC-MT, Rosana Cristina Alves de Matos Cruz, “o objetivo é promover tanto um intercâmbio intergeracional, entre mulheres ciganas de diferentes idades, mas especialmente, promovendo a conexão entre as jovens e as velhas, quanto um intercâmbio entre mulheres ciganas de diferentes cidades e Estados”.

“Também buscamos com o encontro fortalecer a formação política pela inclusão das mulheres ciganas e suas lutas e demandas, que incluem a promoção da justiça climática e ambiental. Ao final do evento queremos elaborar uma carta das mulheres ciganas em defesa do Cerrado e da manutenção das tradições ciganas”, explica Rosana.

Programação – O Encontro de Mulheres Ciganas de MT trará nesta edição duas temáticas principais: a primeira delas será as questões climáticas e ambientais, que estão diretamente ligadas à segunda, a medicina tradicional Calon e à saúde das mulheres ciganas.

Um dos pontos altos do evento, foi a oficina promovida pela Mestra da Cultura Mato-grossense, a raizeira e benzedeira, Maria Divina Cabral, a Mestra Diva, “preparando uma garrafada para a saúde da mulher".

Além disso, o evento teve uma intensa programação cultural, composta pela vivência de dança "Saia Cigana", ministrada pela Calin Sara Macedo e exclusiva para mulheres; bem como a oficina de circo e teatro para as 20 crianças que participaram do evento.

O encontro contou ainda com o lançamento de produções audiovisuais inéditas, sendo uma delas, a minissérie “Luzia e As Calins do Cerrado”, cujo foco são as mulheres ciganas que vivem no Cerrado, especialmente, nos Estados de Mato Grosso e Goiás.

Participação - Uma das produtoras locais do III Encontro de Mulheres Ciganas de MT, Aldi Rodrigues Angola, comentou que "foi bem emocionante ver a minha família chegar de outros municípios de MT, contemplar, ficar junto, comemorar a vida, duas tias estavam fazendo aniversário". 

"É bom reencontrar as pessoas que compartilham da mesma etnia que você, é muito importante, porque o preconceito é bastante, então, quando a gente vê as pessoas da nossa família, é um aconchego, me senti muito feliz. Nós teremos algumas pessoas importantes que irá nos visitar e ver o movimento dos ciganos. É também um encontro político, para buscar melhoria para nossas comunidades", destacou Aldi.

Segundo Lourdes Corrêa, uma das coisas que mais impressionou foi o respeito as pessoas mais velhas. "Achei bem interessante a reunião da família, a questão do respeito, principalmente, no que se refere a questões de religiões diversas convivendo harmonicamente, de estar se resgatando a questão cultural, como as vestimentas, as danças ciganas, a Chibe e outras manifestações. Achei muito importante também a participação dos mais velhos, das matriarcas ciganas e o respeito as histórias de vidas e conhecimentos daqueles que mais viveram e mais têm a compartilhar".

Já a estudante de enfermagem, Simone Carla Rodrigues de Oliveira, também foi uma oportunidade para trazer visibilidade aos povos ciganos. 

"Para mim foi muito bom, até porque já tinha muito tempo que eu não via alguns de meus parentes, nem me lembrava de alguns deles e nem é tão longe, porque Rondonópolis é bem ali, só cinco horas de viagem. Só que a rotina, o dia a dia da gente nunca permite que nós consigamos visitá-los ou vice-versa. E também para dar um pouco mais de visibilidade para os ciganos, porque nós somos povos esquecidos", enfatizou simone.

Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT

Fotos: Maria Clara Aquino


 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Seminário apresenta resultado de pesquisa sobre famílias ciganas

Pesquisa representa um avanço na construção de políticas públicas para os povos ciganos brasileiros

Do MIR, Publicado em 29/05/2025 18h22

Ministério da Igualdade Racial (MIR) realizou, nessa quarta-feira (28), o Seminário Dados do Mapeamento Inicial de Famílias Ciganas, Rotas e Redes de Acesso a Políticas Públicas, na sede I do Banco do Brasil, em Brasília.

Realizada em parceria com universidades das cinco regiões brasileiras, a pesquisa que reúne o mapeamento representa um avanço significativo na obtenção de dados para a construção de políticas públicas de assistência aos povos ciganos brasileiros.

A coordenadora-geral de Políticas para Ciganos, Edilma Souza, afirma que o mapeamento foi idealizado pelo MIR em uma tentativa de cobrir uma lacuna histórica de informações. “O seminário com os dados preliminares foi um momento de confluência entre as regiões. Esse é um projeto inovador que traz a possibilidade de governo e sociedade conhecerem a realidade dos povos ciganos. A pesquisa visa excluir com esse apagão da referência da contribuição social dos povos ciganos brasileiros e contribuir para a construção de políticas públicas”, enfatiza.

O objetivo principal da pesquisa é produzir dados que orientem o Governo Federal a construir políticas públicas que possam atender os direitos da população cigana e orientar o de Políticas para Ciganos (IBGE) para o censo 2030.

A pesquisa compilou dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CADÚnico), das pesquisas municipais/estaduais do IBGE (Munic e Estadic), dados da Secretaria Especial de Cultura e Artes Integradas (SECAI) e do Sistema único de Saúde (SUS), além de coletas de dados feitas em visitas a ranchos e acampamentos ciganos.

O evento contou com a presença do secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos Ronaldo dos Santos; da diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos, Paula Balduíno; e de pesquisadores (ciganos e não-ciganos) responsáveis pelo mapeamento de cada uma das regiões.

Cada equipe apresentou os dados produzidos nessa ação sobre a presença cigana no território nacional. Os achados poderão servir de subsídio para a elaboração de políticas públicas adequadas às necessidades e especificidades dos modos de vida dos povos ciganos.

Dentre os temas pesquisados estão moradia; educação; saneamento básico, atenção a pessoa idosa; saúde; cultura e identidade; energia e internet; previdência social; trabalho e renda; e acesso a atendimento por órgãos de defesa dos direitos.

Disponível em: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/copy2_of_noticias/seminario-apresenta-resultado-de-pesquisa-sobre-familias-ciganas

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Vice Presidente da AEEC participa de oficina preparatória para COP30

Jéssika durante oficina voltada para a relação entre os Povos Tradicionais e as questões climáticas 

A vice-presidente da AEEC-MT, Jéssika Lorraynbe Cabral Lima Leme, participou nos últimos dias 27 e 28 de maio, da II Oficina Sobre Povos Tradicionais de Mato Grosso e Clima.

O evento ocorreu no hotel fazenda Mato Grosso, reunindo povos ciganos, quilombolas, de matriz africana, pantaneiros, indígenas, pescadores, entre outros segmentos.

Organizada pelo @ICV, a oficina tem como objetivo preparar representantes dos povos e comunidades tradicionais (PCTs) de Mato Grosso para a COP30, que ocorrerá em novembro, em Belém do Pará, no Brasil e é a maior conferência que debate as questões climáticas do mundo.

Jéssika é representante dos povos ciganos e da AEEC-MT no Conselho Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de MT (CEPCT/MT).

Durante a reunião ficou acordado que os PCTs de MT trabalharão seis eixos principais na COP30.

São eles: 1) territórios vivos, soberania popular e alimentar; 2) Reparação histórica, combate ao racismo ambiental; 3) transição justa, popular e inclusiva; 4) contra as opressões, pela democracia e pelo internacionalismo dos povos; 5) cidades justas e periferias urbanas vivas; e 6) Feminismo popular e resistências das mulheres nos territórios.

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Comitê Gestor do Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos toma posse

 

Olhar dos representantes desses povos será o diferencial para a gestão da política pública. Mandato é para o biênio 2025-2027

Do MIR, Publicado em 27/05/2025 12h25 

O Comitê Gestor (CG) do Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos (PNPC), tomou posse, nessa terça-feira (27), no auditório do Edifício Parque da Cidade Corporate, onde fica a Coordenação-feral de Povos Ciganos do Ministério da Igualdade Racial (MIR), em Brasília. Eleitos para o biênio 2025-2027, os membros são representantes governamentais e dos povos ciganos que têm a missão de monitorar e avaliar a implementação do Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, solidificando o CG como espaço de participação. 

"Quem sabe dos ciganos são os ciganos, assim como quem sabe de quilombola é quilombola e quem sabe de favelado é favelado. É inadmissível não termos a própria comunidade falando do que precisa, porque senão não faz sentido", colocou a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, sobre a importância de ouvir os ciganos e da posse do Comitê Gestor. 

Os participantes fizeram durante a cerimônia, uma lembrança póstuma para a liderança cigana Cláudio Iovanovitchi, falecido em 2025.  O secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, Ronaldo dos Santos, fez uma homenagem à Iovanovitchi entregando um troféu de reconhecimento à filha e a neta da liderança, que estavam presentes na cerimônia. 

Além da homenagem, o secretário Ronaldo falou da importância de mais esse passo na implementação do PNCP. "É com a instalação desse Comitê Gestor que iremos garantir que a política tenha uma boa gestão, incluindo o olhar dos povos ciganos. Nos esforçamos para que nosso país seja novamente um exemplo para o mundo –  já fomos na implementação da política – e agora na condução dessa política para o povo", colocou o gestor. 

"Temos uma expectativa boa e acho que o governo deu um passo importante com a política. Quero ver esse discurso na prática", colocou Lourdes Corrêa, representante dos povos ciganos.  

A atuação do MIR foi reconhecida pelo representante cigano Francisco Figueiredo, na figura da ministra Anielle Franco. "A senhora foi a única ministra que esteve com o povo cigano, nos deu oportunidade de cobrar o que é direito nosso. Não queremos dinheiro, cobramos inclusão", colocou o representante conhecido como Bozano Cigano. Ele lembrou aos presentes, ainda, "que quando somos discriminados é como povos ciganos, não por nossas etnias e peço para que estejamos unidos como povo."  

Processo de seleção – Os integrantes ciganos do comitê foram escolhidos por meio de eleições. O edital que regeu o processo previu que as vagas seriam divididas buscando-se o critério paritário étnico, regional e de gênero, preferencialmente.  

Amplamente divulgado por canais oficiais do Ministério, o processo seletivo contou com etapas de recursos e para cada fase, tendo as orientações divulgadas em página própria. [LINK: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/editais/processos-seletivos] 

"Esse processo de transparência é fundamental para que o comitê possa trabalhar bem ao longo do biênio", colocou Paula Balduino, diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos. Ela enfatiza que o plano "passa a ter implementação qualificada a partir da posse do CG."  

"O Comitê Gestor como instância de participação e controle social deixa a marca do Ministério da Igualdade Racial, bem como a do presidente Lula, da ministra Anielle, do secretário Ronaldo e de toda a equipe nessa iniciativa tão importante", acrescentou a coordenadora-geral de Povos Ciganos, Edilma Nascimento. 

O Plano – Com o objetivo de promover medidas intersetoriais para a garantia dos direitos dos povos ciganos, o Plano foi instituído por meio do Decreto no 12.128, em 1o de agosto de 2024. 

"Estamos lançando uma segunda política nacional que, em toda sua transversalidade, carrega o compromisso de promover a igualdade étnico-racial para este povo”, celebrou o secretário Ronaldo dos Santos, à época do lançamento. 

O PNPC está estruturado em dez objetivos, que envolvem o combate ao anticiganismo, o reconhecimento da territorialidade própria dos povos ciganos, o direito à cidade, à educação, saúde, documentação civil básica, segurança e soberania alimentar, trabalho, emprego e renda e valorização da cultura. 

Disponível em: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/copy2_of_noticias/comite-gestor-do-plano-nacional-de-politicas-para-povos-ciganos-toma-posse

Nota de Pesar Zilma Rodrigues Cunha Gomes

Zilma durante gravação para a minissérie Luzia e As Calins do Cerrado

Com muita tristeza e consternação, a direção da AEEC-MT comunica o falecimento de uma de suas fundadoras, Zilma Rodrigues Cunha Gomes, na última terça-feira (27 de maio de 2025), em Rondonópolis, decorrente de problemas renais.

Nascida em Mineiros, Goiás, em 31 de julho de 1.958, é filha de Alda Alves Pereira Cunha e Ranulfo Rodrigues Cunha (ambos in memorian), foi casada durante quase 50 anos com Sebastião Rodrigues Gomes, com quem teve dois filhos: Uygues e Ronaldo. Era avó de: Lucas, Heitor, Eloah, Theo, Fernanda, Heloisa e Murilo.

Uma das fundadoras da Associação, Zilma, ou tia Note, como era carinhosamente conhecida na família pelos seus muitos sobrinhos, era uma mulher amorosa e cheia de vida, que sempre tinha um abraço e um conselho de sorriso aberto.

Cozinheira de mão cheia, era amada e respeitada em toda a comunidade cigana mato-grossense, se destacando por falar fluentemente a chibe e estar sempre de bom humor e alegria. 

Nas festas de casamento ou aniversário, sempre disposta a ajudar e a primeira a chamar para jogar bozó ou baralho.

Tia Zilma vai deixar muitas saudades e vai fazer muita falta para toda a comunidade cigana mato-grossense.

Os maiores sentimentos ao esposo, Sebastião, filhos Uygues e Ronaldo, noras Luciana e Elaine e netos: Fernanda, Heloisa, Murilo, Lucas, Heitor, Theo e Eloah.

Associação Estadual das Etnias Ciganas de MT

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Ativismo cigano desafia estigmas e busca visibilidade e políticas públicas

Por Escola de Ativismo

Ativistas ciganas Sara Macedo e Hayanne Iovanovitchi, do Coletivo Ciganagens, falam sobre o movimento de luta e dos desafios dessa população na busca por um mundo mais justo para suas comunidades

A arte e os povos ciganos estão totalmente imbricados”. É assim que Sara Macedo, cigana da etnia Calón e artivista, descreve a riqueza cigana que, mesmo diante de tantas injustiças e silenciamento, seguem mantendo suas culturas, modos de vida e oralidade forte e orgânica. Nos territórios cheios de afeto ou nas estradas, os povos ciganos lutam por políticas públicas enquanto reafirmam que existir e resistir são atos políticos de coragem e amor.

Mas você já ouviu falar sobre os povos ciganos? O que você sabe sobre essa população presente em tantas partes do Brasil e do mundo? Já parou para pensar que talvez o que você “conheça” seja  parte dos estereótipos criados e espalhados de forma preconceituosa? Ou já pensou no motivo de você ouvir falar tão pouco sobre essa população?  

Lideranças ciganas afirmam que o preconceito, a falta de informações e de ações das autoridades impedem o conhecimento pleno sobre esses povos e deixam essas comunidades sem acesso a serviços públicos de qualidade, que respeitem suas especificidades e modos de vida. Os impactos geram violações de direitos, violências e um movimento de apagamento dos povos que são fontes inesgotáveis de cultura e diversidade.

Quem são os povos ciganos?

Os povos ciganos fazem parte do grupo de Povos e Comunidades Tradicionais reconhecidos nacionalmente, assim como indígenas, quilombolas, ribeirinhos e tantos outros. Comunidades tradicionais são grupos que mantêm modos de vida próprios, conectados com seus territórios, saberes ancestrais e formas coletivas de organização. O Decreto  Nº 6.040, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, define essas comunidades como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. 

Na teoria, os direitos das comunidades tradicionais são protegidos por uma série de normas, incluindo a Constituição Federal, Convenções Internacionais, leis e decretos. Estes direitos abrangem aspectos como igualdade, não discriminação, acesso à terra e território, educação intercultural, segurança alimentar e nutricional e participação nas decisões que afetam seus interesses. Mas na prática, essas comunidades enfrentam desafios históricos, como a negação de direitos, a violência territorial e a invisibilidade nas políticas públicas.

A cigana Sara Macedo, que também é assessora jurídica popular, bailarina e escritora, conta que “cigano é etnia”, mas também é, “pertencimento, reconhecimento mútuo e comunidade”. Essa relação se mantém firme mesmo diante de tantos estereótipos e discriminações. A jovem diz que um dos grandes desafios para os povos ciganos no Brasil é mostrar sua diversidade e romper com a falsa ideia de como os brasileiros pensam os povos ciganos de forma homogênea. 

“As comunidades ciganas representam um universo marcado pela simbiose ou oposição entre a identidade cultural supranacional e as identidades locais, regionais e de parentalidade em ambientes multiculturais, sejam itinerantes, ou sedentários, em territórios únicos, devido a nossa singularidade. Há tantas particularidades, que uma pessoa cigana de apenas uma etnia e de um território não poderia responder. Se formos pensar por meio da característica étnica supranacional, isso dá o indicativo do tom que devemos ser pensados. Línguas e sub línguas regionalizadas, a oralidade como um preceito muito forte do cigano brasileiro, proibindo a divulgação de nossas línguas como forma de proteção interna, é outro exemplo dessas particularidades”, afirma. Sara ao chamar atenção para a pluralidade dessas comunidades e etnias.

Mesmo diante das injustiças e quase total invisibilidade, os povos ciganos resistem.

Coletivo Ciganagens

E foi com o objetivo de formar uma rede de apoio mútuo que um grupo de ativistas ciganos criou o Coletivo Ciganagens. Além de fortalecer ações e narrativas ciganas, o grupo leva informação, arte, educação e atua em prol dos direitos dos Povos Ciganos no Brasil de forma sempre pautada pelo ativismo anticolonial, antirracista e antissexista, bem como pela via da integração LGBTQIAPN+.

Sara é uma das integrantes do Coletivo. Ela conta que o grupo surgiu em 2020, durante a pandemia do coronavírus, e segue produzindo e divulgando materiais educativos que somam na luta ativista cigana, como guias e cartilhas sobre diversidade, arte, juventude e mulheres.

A artivista explica que é importante poder contar as histórias sobre povos ciganos com pessoas ciganas sendo protagonistas. “Sempre tive vontade, desde criança, de mudar minha história familiar e comunitária, criar outra narrativa, não me transformar no que a sociedade não-cigana diz da gente. É muito perigoso entrar nessa estrada da assimilação e começar a repetir que as coisas são assim e que nada pode mudar… Ainda mais pra um povo tão associado à resiliência. O coletivo Ciganagens é essa vontade de não caminhar por essa estrada”.

Sara afirma que o Coletivo Ciganagens aborda vários temas. “Desde denúncias relacionadas a tragédias nas comunidades, memoriais de nossas datas, divulgação de vitórias ciganas, materiais educativos, construção de audiovisuais, dança, artes visuais… Enfim, de tudo um pouco, porque infelizmente é necessário, somos um povo altamente desconhecido no Brasil”. 

Invisibilidade cigana e negação de direitos

No Brasil, os povos ciganos enfrentam várias invisibilidades, incluindo a estatística. A falta de dados oficiais sobre a população cigana é uma das barreiras para o acesso a direitos. Por isso, uma das principais reivindicações desses povos é a inclusão no Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como grupo étnico específico e com a devida contabilização da sua população total.

Sara informa que essa reivindicação é feita desde o começo do século 21 e que o Ministério Público Federal já recomendou que essa contagem seja realizada. “As pesquisas servem para garantir o acesso desta população brasileira aos serviços públicos da área de saúde, educação, trabalho e segurança, bem como para o enfrentamento ao racismo institucional, ao preconceito e à discriminação”, destaca a recomendação.

“Um povo que sequer é contabilizado no território, não tem como ter verba destinada. Ser reconhecido no Estado tem muito haver com quem tem direito à cidadania, e quem não tem”, disse Sara. 

A ativista no movimento cigano Hayanne Iovanovitchi diz que as reivindicações dos povos ciganos perpassam todos os direitos fundamentais. “Ainda hoje o acesso é negado para muitos de nós. Queremos acessá-los como todos os cidadãos brasileiros, mas que nossas especificidades sejam consideradas. Nossas demandas envolvem educação, saúde, cultura, segurança pública, território, pois nossas tradições devem ser consideradas para que consigamos acessar esses direitos dentro da nossa realidade”, explicou. 

Para ela, é urgente dar visibilidade e soluções às lutas e reivindicações dessa população. “Houve uma evolução “pro form” – por formalidade – , os povos ciganos estão sendo colocados em projetos de governo e planos próprios, no entanto, nada muda nas dificuldades enfrentadas. Continuamos vivendo por nossa própria conta e risco.  Os povos ciganos precisam ser realmente enxergados por parte da estrutura para que sejam inclusos e suas especificidades sejam consideradas em cargos de tomada de decisão”, disse Hayanne. 

Desconstruindo estereótipos

Além da invisibilidade e negação de direitos, as comunidades ciganas no Brasil ainda enfrentam as barreiras dos rótulos, generalizações, invenções e estereótipos.  As imagens construídas para justificar exclusões e as narrativas distorcidas reforçam políticas de apagamento, dificultam a inclusão em políticas públicas e alimentam o preconceito cotidiano.

“Só existe, praticamente, o estereótipo cigano. O cigano que é conhecido por uma gigantesca parte das pessoas é o estereótipo e a fantasia, construído por pessoas não ciganas, que sobrevivem de práticas chamadas de “esotéricas” ou “exóticas”. Esse estereótipo gera muito dinheiro no Brasil, principalmente para pessoas que sequer conhecem ciganos de verdade, justificados num ‘misticismo recreativo’”, disse Sara Macedo. 

A situação faz com que o movimento cigano precise concentrar forças em mais um campo de enfrentamento. 

“Infelizmente grande parte de nosso ativismo que deveria estar concentrado em outras pautas, está em combater esse véu das mistificações, chegando ao ponto de perguntarem a pessoas da etnia, porque não nos vestimos igual ao ‘ciganos piratas’. É um trabalho cansativo e que não vemos fim. Cigano não é religião, nem um culto, e não há como ser batizado para se tornar um membro da comunidade. Cigano é etnia, pertencimento, reconhecimento mútuo e comunidade”, explicou. 

A ativista diz que um dos grandes estereótipos é de que os povos ciganos vivem de forma itinerante por critérios culturais e de escolha, uma realidade muito distante da materialidade atual do mundo e da vida dessa população. 

“Hoje no Brasil, praticamente somente a minha etnia, Calón, sobrevive de forma itinerante, ou semi itinerante. Estima-se que 20% dos Calón ainda estão na estrada. Categorizar todas as etnias ciganas como nômades é negar todas as complexidades do mundo que estamos inseridos. Um mundo que expulsa e desterritorializa pessoas por conta de sua racialidade e etnia, assim como da falta de condições materiais, naturais e climáticas para sobreviver como nossos antepassados”, disse Sara.

A ativista e bailarina explica que sedentarizar [fixar residência num determinado lugar] acaba sendo um destino da maioria dos ciganos porque não existem boas condições de estar no trecho, ainda que alguns ainda estejam. “É uma tradição que segundo os mais antigos, tem haver com o trânsito de estar com todos os primos, rotacionar a terra, acesso a novos alimentos, convivência com outras culturas e permanência onde somos bem vindos. Também tem haver com uma veia muito não proprietária, o que acaba gerando outros problemas no presente, como não ter onde sobreviver dignamente, para muitos ciganos que vivem em comunidade. Sei que os indígenas também já viveram assim, e o aldeamento que hoje é bastante defendido para manter as suas existências, também foi uma imposição institucional. Modos de vida diversos são sempre desrespeitados, e há que se lutar muito para não esquecer o que é nosso, e o que não é”. 

O movimento ativista cigano afirma que desconstruir os estereótipos é responsabilidade coletiva e que esse é um passo essencial para construir uma sociedade que respeite todas as formas de existir em diferentes territórios. Há muita luta pela frente. Esse enfrentamento pode gerar um mundo mais justo para as pessoas ciganas. 

“Precisamos de mais de nós dentro da universidade, dos espaços de tomada de decisão e dos espaços de pesquisa. Queremos falar de nós e para nós e queremos que entendam que somos capazes e não precisamos de tutela alguma, conseguimos caminhar com nossas próprias pernas. Precisamos de oportunidades, que nossa existência seja reconhecida e valorizada, pois a formação desse país tem muito de nosso sangue e suor”, finalizou a ativista Hayanne Iovanovitchi. 

Disponível em: https://escoladeativismo.org.br/ativismo-cigano-desafia-estigmas-e-busca-visibilidade-e-politicas-publicas/

Ciganos cobram inclusão no Censo e mais acesso a políticas públicas

Estimativa é que no Brasil haja de 800 mil a 1 milhão de ciganos

Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil

Publicado em 24/05/2025 - 10:21 - São Paulo

Um povo que resiste, que carrega na memória séculos de diáspora e perseguição, mas também de cultura, tradição e luta pela autodeterminação. Assim é o povo romani — ou povos ciganos —, composto principalmente pelas etnias calon, rom e sinti, que integra a diversidade dos povos tradicionais do Brasil.

Mesmo com esse legado, o povo romani segue entre os grupos mais invisibilizados do país, apontando pouca presença no debate público e nas políticas públicas. Como outros povos tradicionais, reivindica direitos básicos, como moradia digna, acesso à educação e ao trabalho.

A série de reportagens Invisíveis do Brasil, da Agência Brasil, publicada por ocasião do Dia Nacional do Cigano (24 de maio), amplia a voz dessas lideranças e revela as principais demandas e desafios enfrentados pelo movimento romani no país. O dia foi instituído em 2006, por meio de decreto presidencial, em homenagem ao povo romani e à sua padroeira, Santa Sara Kali.

Estima-se que, no Brasil, a população cigana (também conhecida como romani) seja de 800 mil a 1 milhão de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O povo romani tem uma história de diáspora, higienização étnica, genocídio e perseguição, inclusive, pelos nazistas. Um dos 28 povos tradicionais relacionados no Decreto nº 8.750/2016, os ciganos habitam o Brasil pelo menos desde 1574, ano em que o primeiro calon, João Torres, chegou ao país com a esposa e os filhos, vindo de Portugal.

Em 1686, o país começou a deportar ciganos para o Brasil. Documentos portugueses datados daquele ano registram que eles deveriam ser degredados para o Maranhão. Antes, eram levados somente para as colônias africanas.

O multiartista, pesquisador, ativista, jornalista e produtor cultural Aluízio de Azevedo destaca que as pessoas de sua etnia, a calon, sempre tiveram uma ligação com a Península Ibérica, ainda que não fossem de lá. Ele tem a clareza de que as manifestações de repulsa que os colonizadores do Brasil direcionavam aos calon eram reproduzidas no trato com as outras etnias.

"Portugal e Espanha sempre rejeitaram muito os ciganos e os proibiam de falar a sua língua, de praticar ofícios tradicionais, como a leitura de mãos, de uma série de coisas. Por exemplo, de ficar mais de 48 horas em um mesmo lugar. Daí o nomadismo ser uma coisa um pouco forçada. E as penas eram degredo para seu país e suas colônias", explica.

Segundo Azevedo, por três séculos, Portugal conservou a postura de repelir esses povos. "Além dessas políticas persecutórias e colonialistas que Portugal fez, chegando ao Brasil, o Brasil seguia as mesmas regras, porque era uma colônia portuguesa. Era Portugal quem mandava. E, depois, isso permaneceu no Estado brasileiro, quando ele se liberta administrativa e politicamente de Portugal. Continua com o modus operandi", observa.

"Durante séculos, o Estado brasileiro foi muito mau com os ciganos, foi muito ruim. Inclusive, ocorreram episódios que ficaram conhecidos como as correrias ciganas, que era a polícia invadir acampamento, matar todo mundo e provocar a correria de todo mundo em fuga", emenda.

"Isso aconteceu até muito recentemente, com mais força até a década de 1970, mas ainda acontece", completa Aluízio de Azevedo.

No Brasil, entre os problemas ainda enfrentados por essa parcela da população estão o racismo, o preconceito e a falta de acesso a políticas públicas específicas, como apontam lideranças ciganas entrevistadas pela Agência Brasil.

"Sempre o racismo, o preconceito e a discriminação têm nos distanciado de acessarmos as oportunidades e feito uma diferença entre nós e a sociedade em geral. Nosso sangue é vermelho, igual ao dos outros, também sentimos fome, sede, dor, alegria, paixão. Somos seres humanos comuns, iguais a todos", diz o presidente administrativo da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), o calon Wanderley da Rocha.

O fundador da Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci), Claudio Iovanovitchi, rom do Paraná, argumenta que o povo romani não está pedindo nada excepcional. "Não queremos inventar a roda, o fogo, novos caminhos para as Índias, coisas diferentes. Não é isso. Queremos o que já existe: o acesso à educação, à escola, à saúde, à habitação. Tudo que queremos já existe. Respeitando as especificidades dos ciganos", pontua.

"Eu não quero gueto. Não quero gueto na escola. Quero que meu ciganinho seja bem-vindo na escola, com professores preparados", declara.

Em um de seus artigos científicos, intitulado A incriminação pela Diferença, o pesquisador Felipe Berocan Veiga pontua que "os ciganos ora são vistos como uma sobrevivência ou um arcaísmo, ora como uma recorrente ameaça".

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), ele explica que a aversão ao povo romani tem "raízes profundas no imaginário, na iconografia, na literatura e nos contos populares", que acabam ativando "medos infantis e evitações inconscientes". E que estes, por sua vez, são capazes de aguçar os mais intolerantes a cometer atos de "violência mais explícita" contra membros de suas comunidades.

Desde o século 16, os povos ciganos ainda pleiteiam a contagem atualizada da população e a vigência do Estatuto dos Povos Ciganos, a ser criado por meio de projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. Atualmente, a matéria (Projeto de Lei nº 1.387/22) está parada na Câmara dos Deputados.

Apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto já foi aprovado na Casa e é considerado imprescindível pelas lideranças porque obrigaria o Estado a cumprir seus deveres para com os ciganos.

Plano Nacional

Em agosto de 2024, o governo federal instituiu o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, que engloba ações previstas para serem implementadas no período de 2024 a 2027 e oficializa a criação de seu comitê gestor. Com o Decreto 12.128/24, o Brasil se tornou o segundo país do mundo a lançar uma política nacional voltada estritamente para o povo romani.

Ao todo, o plano foi estruturado em dez objetivos, que envolvem combate ao anticiganismo, reconhecimento da territorialidade própria dos povos ciganos, direito à cidade, educação, saúde, documentação civil básica, segurança e soberania alimentar, trabalho, emprego e renda e valorização da cultura.

Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-05/ciganos-cobram-inclusao-no-censo-e-acesso-politicas-publicas