Durante
séculos o Brasil somente praticou políticas violentas e de exclusão contra as
pessoas ciganas. Foram executadas as mais diversas perseguições, com leis que
proibiam as pessoas ciganas de falarem suas línguas, praticarem suas tradições
e costumes. Construiu-se um imaginário preconceituoso e estereotipado e
invisibilizou-se na história oficial as contribuições ciganas à sociedade
brasileira.
Apesar
disso, os povos ciganos resistiram e hoje estão vivendo em todos os estados
brasileiros, a maior parte em situação de exclusão e desigualdades sociais,
efeitos do anticiganismo – o racismo estrutural contra os povos ciganos. A
situação, só foi mudar a partir da redemocratização do país, quando pode
emergir um movimento social cigano no Brasil e a partir daí começaram a surgir
as primeiras políticas públicas afirmativas em prol dos Calon, dos Rom e dos
Sinti.
Entre
essas políticas, destaca-se o Decreto Presidencial nº 12.128 de 01 de agosto de
2024, que “Institui o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos”. O
decreto é a última normativa publicada pelo estado brasileiro buscando a
reparação história, o reconhecimento e a garantia de direitos às pessoas
pertencentes as três etnias ciganas.
Mas
também há outras importantes, a exemplo do Decreto 6.040 de 2007 que nos
reconheceu como povos tradicionais brasileiros, a Portaria 4348 de 2018 do
Ministério da Saúde que criou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
do Povo Cigano/Romani.
Conheça
abaixo as principais políticas que amparam e reconhecem os direitos dos povos
Ciganos
Constituição
Federal de 1988
A
primeira grande e maior lei que nos ampara é a Constituição Federal de 1988,
que em seu artigo 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
No
inciso primeiro do mesmo artigo não cita propriamente os povos ciganos, mas
informa que o estado deverá proteger os grupos participantes do processo
civilizatório nacional, prevendo a valorização, proteção e salvaguarda das
diversidades étnicas e culturais, além de prever a garantia do estabelecimento
de datas nacionais, que foi o que subsidiou aquela que viria a ser a primeira
normativa pró-cigana do Brasil, o que veremos a seguir.
Há outros artigos da CF que também amparam como o Art. 5 "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", sem distinção de raça ou etnia, cor, credo, orientação sexual, idade...
Ministério
Público Federal protege pessoas ciganas
A
Lei Complementar 75/1993 - atribuiu ao MPF a proteção e a defesa dos interesses
das minorias étnicas. Em 1994 o órgão cria a Câmara de Coordenação e
Revisão dos Direitos das Comunidades Indígenas e Minorias e inclui as
comunidades ciganas. A sexta câmara do MPF é a titular que defende os direitos
dos povos ciganos. Qualquer denúncia de violação dos direitos humanos e
violências contra os povos ciganos devem ser denunciados ao MPF, inclusive
racismo, preconceito, discriminação e exclusão social.
Dia
Nacional dos Ciganos: 24 de maio
Somente
em 2006, no governo do ex e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi
criada a primeira política afirmativa reconhecendo e valorizando os povos
ciganos para a cultura e a sociedade nacionais.
Neste
ano, graças a atuação de alguns pioneiros ativistas do movimento cigano
brasileiro, como os saudosos Mirian Stanescon (Rommi do Rio de Janeiro - RJ),
Mio Vacite (Rom do Rio de Janeiro - RJ) e Claudio Iovanovich (Rom de Curitiba -
PR), foi criado o Dia
Nacional dos Ciganos, comemorado a 24 de maio, em homenagem ao dia de Santa
Sara Kali, a padroeira dos ciganos.
Ciganos
Reconhecidos como Povos Tradicionais
No
ano seguinte, em 2007, fomos reconhecidos pelo governo federal, por meio do Decreto
Presidencial 6.040, como povos tradicionais brasileiros, ao lado
de indígenas e quilombolas, portanto, com direitos garantidos, inclusive de
salvaguarda do patrimônio cultural e imaterial, por meio de políticas
afirmativas e reparatórias específicas.
Portaria
dispensa ciganos de apresentar comprovante de endereço para atendimentos no SUS
Em
2011, o Ministério da Saúde publicou a Portaria
940, que regula o Cartão Nacional do SUS e em seu artigo 23,
dispensa as pessoas ciganas em situação de itinerância de apresentar
comprovante de endereço para serem atendidos nos serviços do sistema. Assim, é
possível exigir que o atendimento ocorra em função da especificidade cultural
das pessoas ciganas que têm a itinerância como um modo de vida e trabalho,
mesmo, muitas vezes tendo fixado residência, continua as itinerâncias.
Recomendação
do MPF regulariza inviolabilidade do lar nas barracas ciganas
Em
2013, o Ministério Público Federal, Procuradoria da República do Estado de
Minas Gerais (MPF/MG), publicou a Recomendação nº 81, de 01 de agosto de 2013,
abordando a questão da inviolabilidade dos domicílios das comunidades ciganas,
especialmente suas tendas.
Nesse
entendimento, as policias são obrigadas a reconhecer e a respeitar as tendas
ciganas como verdadeiros lares, portanto, só podem ter acesso ao local com
ordem judicial, como em qualquer outra habitação brasileira. Caso haja esse
tipo de intimidação, é cabível denúncia ao MPF e os policiais podem ser
processados. O MPF disponibiliza um link com formulário online para denúncia: https://contecomagente.mpf.mp.br/
Resolução
do Conanda garante direitos às crianças e adolescentes ciganas
Em
10 de março de 2016, foi publicada a Resolução nº
181 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente -
parâmetros para interpretação dos direitos e adequação dos serviços
relacionados ao atendimento da Crianças e dos Adolescentes pertencentes a Povos
e Comunidades Tradicionais no Brasil.
Resolução
03 de 16 de maio de 2012 do Conselho Nacional de Educação,
Em
2012, mais especificamente no dia 16, o Conselho Nacional de Educação publicou
a Resolução 03,
que prevê o atendimento de pessoas ciganas itinerantes nas escolas públicas
brasileiras. A resolução diz que as escolas devem se adaptar para atender à
diversidade do estilo de vida itinerante de muitos grupos ciganos e inclusive
em casos que não tenho comprovação escolar ou de transferência escolar.
Plano
Nacional de Segurança Alimentar – 2017 traz metas para povos tradicionais
O
Plano
Nacional de Segurança Alimentar trouxe metas exclusivas para povos
tradicionais, incluindo os povos ciganos. Muitas comunidades ciganas estão
abaixo da linha da pobreza, vivendo em exclusão e miséria e são beneficiárias
de programas como Cad único, Bolsa Família e recebimento de cestas básicas,
entre outros.
Durante
a pandemia, essa situação se agravou, devido a impossibilidade do trabalho com
as vendas por conta do isolamento social e essa situação ainda tem reflexos
negativos nos dias de hoje, aprofundando exclusão.
Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani garante direitos no
SUS
Em
28 de dezembro de 2018, o Ministério da Saúde publicou a portaria 4348 criando
a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani. O Art. 3º da
portaria estabelece que a política “tem como objetivo geral promover a saúde
integral do Povo Cigano/Romani, respeitando suas práticas, saberes e medicinas
tradicionais, priorizando a redução e o combate à ciganofobia ou romafobia”.
A política estabelece responsabilidades para a União, os Estados e Municípios para fortalecer o atendimento das pessoas ciganas no SUS, inclusive, com a aplicação de recursos financeiros, como em seu Art. 2º, eixo VI “garantia da implementação da Política Nacional de Saúde Bucal para o Povo Cigano/Romani, com mais investimentos financeiros e de pessoal nos estados e municípios e propiciar a ampliação e implantação de Centros de Especialidades Odontológicas – CEO”.
Plano
Nacional de Políticas Públicas para Ciganos
A
última política afirmativa publicada pelo governo federal em prol dos Calon,
dos Rom e dos Sinti, foi o Decreto presidencial nº 12.128 de 01 de agosto de
2024 - Plano
Nacional de Políticas para Povos Ciganos e a
Portaria do Ministério da Igualdade Racial (MIR) 194 de 04/11/2024, que Aprova
ações e compromissos estratégicos do Plano Nacional de Políticas para Povos
Ciganos para o período 2024 a 2027 e institui o seu Comitê Gestor.
As
eleições do Comitê Gestor ocorreram e já temos 12 representantes/ativistas
representando os povos ciganos no órgão, sendo seis homens e seis mulheres,
garantida a representação das três etnias: Calon, Rom e Sinti.
Apesar
de inúmeros avanços, o Plano e a portaria ainda são muito restritos (apenas
quatro páginas tem o plano e a portaria 12 metas), com muitas ações que atendem
demandas específicas e pontuais de algumas comunidades, mas poucas ações que
alcancem a totalidade das necessidades e demandas necessárias.
Mas é um avanço e o documento reafirma aos Estados e Municípios a importância da inclusão social dos povos ciganos e o combate aos preconceitos e racismo seculares, além, é claro de valorizar e reconhecer as identidades, memórias, histórias, tradições, saberes e modos de vida das pessoas ciganas e suas construções e contribuições históricas à nação brasileira, uma vez que foram omitidas na história oficial.
Assessoria para Ciência e Comunicação da AEEC-MT
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