quarta-feira, 24 de junho de 2020

Uma luta transnacional que merece ser lembrada e reforçada: 24/06 é dia nacional dos ciganos em Portugal

 

Ativistas ciganos portugueses manifestam contra o racismo no último dia 06 de junho
Foto: Rita Alves

*Por Piménio Ferreira e Aluízio de Azevedo

Neste dia, 24 de Junho, comemora-se o dia Nacional das comunidades ciganas em Portugal. A data é apontada por uma mobilização histórica de trabalhadores ciganos para feiras e mercados que marcava os festejos do dia de S. João vindos de vários pontos do País.

Em contraste, hoje não se pode fazer ajuntamentos. Por isso, os trabalhadores precários como feirantes são os mais afectados pela desproteção neoliberal ante a crise pandémica e quando consideramos que trabalhadores ciganos (homens e mulheres, jovens e menos jovens) têm a precariedade laboral como única forma de sustento, percebemos qual o grupo de pessoas mais afectado por esta conjuntura.

Adicionemos agora a precariedade e a segregação habitacional que afecta 80% das famílias ciganas e vemos que os mais afectados são também os menos preparados para responder aos desafios do confinamento e do desemprego.

Este retrato por sua vez, não é um recorte isolado em território nacional. Trata-se de uma realidade transversal em todo o ‘mundo ocidental’, construída às custas do Anticiganismo através das políticas do identarismo ocidental (branco, cristão, aristocrata/burguês, totalitário, imperialista e genocida), que remete as mesmas pessoas para as mesmas situações de discriminação em nome de sustentar os privilegios (económicos, sociais e políticos) das mesmas elites de sempre.

Um Anticiganismo Estrutural e histórico que tem sido confrontado com uma resistência igualmente histórica e transnacional que dura até aos dias de hoje. Do século XIII ao século XXI passando pelo periodo de perseguição anticigana pan-europeia formador da Europa moderna, iniciado no século XV; as ações genocidas e escravocratas do branco europeu sempre foram confrontadas e desafiadas pelas suas vítimas em todos os períodos, nunca tendo sido aceites em tempo nenhum, apenas impostas pela violência.

Já no século XX, homens e mulheres Roma e Sinti de vários Países lutaram unidos contra a Europa Nazi, ora como membros da Resistência Francesa, ora como Partisans, ou soldados do Exército Vermelho, ora como organizações independentes.

Nas últimas manifestações de 6 de Junho em Portugal, por exemplo, vimos pessoas e coletivos antirracistas ciganos na rua em Solidariedade e Luta contra o Racismo e a brutalidade policial. Na mesma altura em que vários coletivos gitanos em Espanha organizaram uma manifestação e a campanha #AntigitanismoMata dedicada a lembrar os atos genocídas do Antigitanismo de Estado.

Entre colectivos e ativistas, pessoas ciganas de vários Países conversam, debatem e organizam-se colectivamente. Projectos como Orgulho Romani, organizado inclusive por um homem cigano no Brasil e uma mulher cigana na Argentina, que promovem as lives ‘Uma cigana me contou’ no instagram, têm colocado em conversa ativistas e artistas ciganos de Espanha, Portugal, Brasil, entre outros Países. Algo que manifesta o caracter transnacional da luta Romani, sempre presente inclusive em todos os Congresso Internacional Romani, uma das iniciativas de organização transnacional realizadas na Europa na história recente.

Mas é acima de tudo nas próprias comunidades que vemos a organização mais potentes: Moradores dos denominados ‘bairros autoconstruidos’ têm se organizado colectivamente, fazendo alianças com outras comunidades ciganas e não ciganas, para lutar pelo direito à habitação condigna. Mulheres, homens, estudantes ciganos têm vindo a desenvolver suas organizações colectivas na luta pela dignidade, pelo direito ao trabalho com segurança, à Educação de qualidade, e resposta a situações emergenciais habitacionais ou sanitárias.

Estas organizações são tão mais relevantes quando vemos os discursos e ações de ódio a serem perpetrados pela extrema direita, com a permeabilidade dos Estados e partidos políticos Liberais brancos e burgueses, que ao mesmo tempo que nos segregam, protegem organizações e cidadãos abertamente racistas que nos perseguem.

Organizemo-nos. Preparemo-nos. Resistamos!

Que neste dia nos lembremos da realidade despriviligiada construída historicamente ao longo destes séculos e ganhemos folego na luta coletiva organizada, com a coragem de assumir o Poder Popular que podemos construir e que é capaz de derrubar regimes e governos injustos por inteiro, como os movimentos antirracistas têm derrubado ícones esclavagistas e figuras do Poder Identitário branco – como o derrube da Estátua de Roosevelt em Nova Iorque. E que nos lembremos que homens, mulheres e jovens ciganos também participam da História da Libertação da Humanidade, tal como no passado Roma e Sinti libertaram outros Roma e Sinti, bem como não Roma, das garras do nazifascismo.

A nossa luta é contínua e contra o Colonialismo que se concretiza no Capitalismo, Racismo e Patriarcado, incluindo lgbtfobia, e que se actualiza à medida que vai sendo confrontado e derrotado.

Que continuemos a abandonar as ilusões coloniais de que a libertação está entre o Poder dos que nos oprimem e seus ‘instrumentos de resposta’ institucionais e a acreditar mais no nosso poder colectivo, nas nossas comunidades e nas gentes como nós.

Se há alguem que pode construir um Poder de Resistência contra-dominante, esse alguém somos nós, todas as pessoas que recusamos um Sistema Capitalista, Racista, LGBTfobico e Machista.

*Ativistas Romani da Etnia Calon. Piménio é cigano nascido no Brasil e de nacionalidade portuguesa e Aluízio é brasileiro, com doutoramento sanduíche na Universidade Aberta de Lisboa (UAb).

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