Por Sara Macedo, Coletivo Ciganagens
É categórico, nós povos
ciganos somente somos mencionados na escola formal, no dia 22 de agosto (são
raras as exceções). A mentira se tornou verdade, e até no ensino escolar nossa
história não é outra. Somos mula sem cabeça e saci-pererê, apenas conto e mística,
nem parece que estamos vivos.
Cigano virou adjetivo
relacionado a religião, misticismo recreativo, liberdade pra inglês ver,
exotismo predatório, sedução que nos objetifica e desonestidade sem um pingo de
crédito. Recurso esotérico de uma população que tem grande fetiche em povos que
consideram estar distantes o suficiente da sua própria realidade individual,
para não se incomodar em serem transformados em brincadeira mística.
Nessa estrada folclórica
de nós mesmos, em que não conhecem nossas verdadeiras tradições, nossa
identidade se transformou num boneco sem vida. Sem direito à discussão de
sexualidade, gênero e racialidade própria. O folclore não deixa espaço para
isso, pois estamos sempre sendo convocados a responder demandas que nos atacam,
carregadas de estereótipos e fantasiação.
Entendemos a vontade de
pessoas ditas “progressistas” em não mais se associar a rituais religiosos
cristãos, por todo o saldo de devastação que esses dogmas trouxeram ao mundo.
Mas, se apropriar e passar por cima da tradição de diversos povos (que sequer
conhecem pessoalmente), revela a face de outra cartilha colonial. Aquela que
não pede licença, não dá nenhum retorno às comunidades, e que fala em nosso
lugar, se autodeclarando cigano.
Nesse contexto, não temos
temporalidade para debater nossas dissidências sexuais e de gênero dentro de
nossas comunidades, fortalecer um orgulho epistêmico, encorajar os nossos
primos a adentrar a educação formal, discutir se um feminismo cigano vale a pena,
falar sobre demarcação de território cigano, entre tantas outras demandas
urgentes.
Na terra do cigano
“pirata” vestido de cetim sem nexo, temos buscado energia e saúde mental para
colocar em pauta o que verdadeiramente importa. Que somos diversos, que podemos
fazer tudo, que somos também humanos.
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