Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT): NOTA DE REPÚDIO DIA NACIONAL DOS POVOS CIGANOS: O QUE TEMOS A COMEMORAR?

quinta-feira, 23 de maio de 2024

NOTA DE REPÚDIO DIA NACIONAL DOS POVOS CIGANOS: O QUE TEMOS A COMEMORAR?

No último dia 10 de maio, o Ministério da Igualdade Racial (MIR), por meio da Coordenação-geral de Políticas para Ciganos da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, encaminhou e-mail para lideranças ciganas de todos os Estados e regiões brasileiras convidando para participação em Brasília, no dia 24 de maio (quando comemoramos o dia Nacional dos Povos Ciganos), quando seria o lançamento do Plano Nacional de Políticas para os Povos Ciganos.

Contudo, no dia 16 de maio, as mesmas lideranças ciganas receberam outro email do órgão cancelando o evento de lançamento do plano nacional, um documento que aguardamos sua conclusão há mais de 10 anos, com a seguinte desculpa:

“Devido à atual situação no Rio Grande do Sul, decidimos adiar o Encontro de lançamento do Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos que estava previsto para ocorrer no dia 24 de maio de 2024 (sexta-feira). Entendemos que assegurar a segurança, o bem-estar e a participação de todas as famílias ciganas é de extrema importância. Assim, nossa equipe está dedicada à construção de ações de atendimento emergencial às famílias ciganas gaúchas”. (sic)

Evidentemente, nós dos coletivos ciganos brasileiros não estamos alheios à situação dos nossos irmãos gaúchos, em especial, às pessoas ciganas que vivem no Estado. Racismo ambiental e mudanças climáticas impactam sobretudo as populações racializadas e em desigualdade social, caso das etnias ciganas. Externamos o mais profundo respeito e sentimentos pelas vítimas e familiares dessa tragédia e nos colocamos a disposição para auxiliar não apenas às famílias ciganas em dificuldade, como outras famílias que necessitam. Ocorre que no nosso entendimento, as desigualdades sociais, o racismo estrutural, a exclusão, o preconceito e a discriminação continuam a existir nos outros Estados e regiões do país. Estamos no Brasil desde os primórdios da colonização, auxiliamos na construção da economia, da identidade, da cultura, enfim, da sociedade brasileira. Mas nossos esforços e contribuições foram invisibilizadas da história oficial.

Secularmente fomos perseguidos pelo estado brasileiro, que durante séculos implementou inúmeras políticas persecutórias e anticiganas, proibindo de falar nossas línguas, praticar nossos ofícios tradicionais e a mais comum delas a expulsão perpétua.

Somente em 2006 surgiu a primeira política pública em prol dos povos ciganos, com a criação do Dia Nacional dos Povos Ciganos. A data foi estabelecida por meio do Decreto de 25 de maio, pelo presidente Lula. Mas passados quase 20 anos da sua criação, nos perguntamos: o que de fato temos a comemorar?

De fato, não temos muito o que comemorar. Além desta iniciativa, apenas outras duas implementam direitos aos povos ciganos no país: o Decreto Presidencial 6.040 de 2007, que nos reconheceu como povos e comunidades tradicionais brasileiros, ao lado de outros 27 povos e comunidades e a portaria 4348 de 2018, do Ministério da Saúde, que criou no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani.

Com a ascensão do governo popular e com um discurso bastante alinhado aos movimentos identitários e racializados em 2023 e logo como uma louvável medida, a criação da Coordenação Geral de Políticas Para Povos Ciganos no MIR, acreditávamos que políticas públicas afirmativas e reparatórias finalmente chegariam às nossas comunidades. Ledo engano!

Até a presente data, 23 de maio de 2024, o MIR sequer fez uma reunião de apresentação da equipe da coordenação às lideranças do movimento cigano brasileiro. Tampouco se dignou a nomear para esta coordenação uma pessoa cigana, que conhece e tem a experiência com os grupos ciganos.

As únicas ações realizadas até agora, as Caravanas Brasil Cigano e a proposta de mapeamento qualitativo em parceria com universidades federais capitaneadas pela Universidade Federal de Jataí, foram realizadas sem qualquer consulta coletiva ao movimento, assim como o próprio Plano Nacional que seria apresentado. Todos foram empurrados de cima para baixo.

As caravanas foram ações de visitas da coordenação do MIR a algumas poucas comunidades brasileiras, com o intuito de ouvir nossas demandas. O mesmo objetivo também foi colocado quanto a proposta de mapeamento qualitativo. Contudo, consideramos essas ações insuficientes, pois as equipes do MIR e do mapeamento, por mais esforçadas e cheias de boas intenções estejam, não conseguirão resultados expressivos, pois a falta de informações e dados confiáveis sobre os povos ciganos só se resolverá quando o IBGE finalmente nos incluir no censo populacional.

Infelizmente, a maior ação do MIR, que seria o lançamento do Plano Nacional, com propostas para várias áreas, como saúde, educação, cultura e habitação, com recursos, orçamentos e articulações com outros Ministérios, foi mais uma vez adiada em total desrespeito aos povos ciganos brasileiros. Assim, reafirmamos o nosso repúdio a inanição do MIR e ao cancelamento do encontro no dia nacional dos povos ciganos.

Não adianta nada publicar cards nas redes sociais de parabéns, sem políticas públicas estruturantes! Sem isso continuaremos sem ter nada o que comemorar.