terça-feira, 15 de julho de 2025

Forjaram um folclore tão forte de Nós, que perdemos o direito a ter nossas próprias individualidades

Arte: Danillo Kalón

Por Sara Macedo, Coletivo Ciganagens

É categórico, nós povos ciganos somente somos mencionados na escola formal, no dia 22 de agosto (são raras as exceções). A mentira se tornou verdade, e até no ensino escolar nossa história não é outra. Somos mula sem cabeça e saci-pererê, apenas conto e mística, nem parece que estamos vivos.  

Cigano virou adjetivo relacionado a religião, misticismo recreativo, liberdade pra inglês ver, exotismo predatório, sedução que nos objetifica e desonestidade sem um pingo de crédito. Recurso esotérico de uma população que tem grande fetiche em povos que consideram estar distantes o suficiente da sua própria realidade individual, para não se incomodar em serem transformados em brincadeira mística. 

Nessa estrada folclórica de nós mesmos, em que não conhecem nossas verdadeiras tradições, nossa identidade se transformou num boneco sem vida. Sem direito à discussão de sexualidade, gênero e racialidade própria. O folclore não deixa espaço para isso, pois estamos sempre sendo convocados a responder demandas que nos atacam, carregadas de estereótipos e fantasiação. 

Entendemos a vontade de pessoas ditas “progressistas” em não mais se associar a rituais religiosos cristãos, por todo o saldo de devastação que esses dogmas trouxeram ao mundo. Mas, se apropriar e passar por cima da tradição de diversos povos (que sequer conhecem pessoalmente), revela a face de outra cartilha colonial. Aquela que não pede licença, não dá nenhum retorno às comunidades, e que fala em nosso lugar, se autodeclarando cigano. 

Nesse contexto, não temos temporalidade para debater nossas dissidências sexuais e de gênero dentro de nossas comunidades, fortalecer um orgulho epistêmico, encorajar os nossos primos a adentrar a educação formal, discutir se um feminismo cigano vale a pena, falar sobre demarcação de território cigano, entre tantas outras demandas urgentes. 

Na terra do cigano “pirata” vestido de cetim sem nexo, temos buscado energia e saúde mental para colocar em pauta o que verdadeiramente importa. Que somos diversos, que podemos fazer tudo, que somos também humanos. 

  

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