quinta-feira, 24 de maio de 2018

Pesquisa sobre ciganos busca quebrar preconceitos


TCC é um livro-reportagem. Dafne acredita que esse modelo dá mais liberdade ao autor


Por Keka Werneck, da Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça

Severiana Pereira, 76 anos, cigana, moradora do bairro CPA em Cuiabá, mineira de origem camponesa, viúva, evangélica, é a protagonista do livro-reportagem, inspirado pela cultura Kalon de Mato Grosso, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dafne Henriques Spolti. Dafne escreve artigos para este site. Dona Severiana é cigana e tudo que ela é, conforme a pesquisadora, não corresponde a adjetivos depreciativos que costumam ser associados aos ciganos.

“Geralmente a gente ouve que os ciganos são ladrões, pessoas sem-vergonha, sequestram criancinhas. Eu mesma tinha uma imagem deturpada deles e quis fazer a pesquisa para informar à sociedade e para eu também me informar melhor”, explica Spolti.

A pesquisa “Ciganos entre nós – a caminhada de uma família Kalon de MT” vem contribuir com um limitadíssimo arsenal literário sobre os povos ciganos no Brasil. E procura desmistificar preconceitos. “A história registrada dos ciganos é marcada por narrativas preconceituosas”, afirma Dafne.

Sobre a fama de ladrões, Dafne conta um mito. Ciganos teriam roubado o quarto prego que seria usado na crucificação de Cristo. Por isso, os pés dele teriam sido presos sobrepostos. Outro mito sobre as ciganas serem sequestradoras de criancinhas: mulheres que não queriam seus filhos, durante uma época, os entregavam a elas e elas os criavam.

São muitos os povos ciganos. O livro-reportagem foca nos Kalon, como é o caso de dona Severiana. Ela, na verdade não nasceu cigana, é uma mulher gadjin, mas virou cigana kalin, quando se casou com Isidoro, uma paixão que fluiu quando ela tinha 15 anos, em uma fazenda de Minas Gerais.

Severiana ficou órfã de mãe aos 8 meses e foi criada pelo pai, um matuto severo. Quando os ciganos chegaram na roça onde ela morava foi aquele bochicho, lembra a protagonista. As amigas estava ouriçadas pela beleza dos homens, entre eles Isidoro. Ela, que nunca tinha pensado em se casar com um cigano – dizia: Deus me livre! – acabou enredada por um forte amor.

Dafne Spolti, ao apresentar o TCC ontem, dia 7 de julho, no Departamento de Comunicação Social da UFMT, procurou dar algumas informações sobre os Kalon fora do senso comum.

Segundo a pesquisadora, ciganos são pessoas comuns e complexas como todos nós, envolvidas por questões culturais que passam principalmente pelo nascimento e o casamento, pessoas que gostam de festa e roupas coloridas, primam pela virgindade e pregam intensa união familiar. Usam fortemente a oralidade para passar conhecimentos entre gerações, são ricos e pobres, de várias religiões. Dona Severiana, por exemplo, é evangélica. São nômades, mas muitos vivem fixados e mesmo os errantes durante um período se fixam também.

Os ciganos, diz Dafne, são historicamente perseguidos. Durante o nazismo de Hitler, por exemplo, 500 mil ciganos foram executados. A autora mostrou foto chocante de crianças ciganas, vítimas de experiências médicas nazistas.

Políticas públicas

Conforme Dafne pesquisou, no Brasil não há política pública voltada para os ciganos, a não ser iniciativas muito frágeis, como o Dia do Cigano, 24 de maio, dedicado à santa Sara Kali, protetora dos ciganos. Ela explicou que escolheu o modelo de livro-reportagem porque, na prática jornalística, persegue a liberdade de expressão e os meios de comunicação censuram rotineiramente conteúdos. Segundo ela, também por conta disso, os ciganos e outros povos não têm visibilidade na mídia.

O professor Aluízio Azevedo, da banca examinadora, que também é cigano, agradeceu e parabenizou a aluna pela escolha do tema. “Isso muito me emociona”, disse ele.

Sobre a preocupação da estudante com a garantia da liberdade de expressão, o professor Airton Segura, orientador do TCC, lembrou que a liberdade é um processo em construção permanente, que não tem fim. A cada conquista, novos enfrentamentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário