Barbara Warnock e Toby
Simpson escrevem sobre o genocídio dos ciganos a propósito da exposição que
organizam na Biblioteca Wiener sobre o Holocausto.
Asperg, deportação de
Roms e Sinti. Maio de 1940. Foto de Das Bundesarchiv/wikicommons
Em comparação com o
Holocausto, o assassinato em massa de meio milhão de membros das comunidades
Roms e Sinti europeias permanece desconhecido e não reconhecido. Esta ausência
e a perseguição de que continuam a ser alvo levantam questões às quais ainda
temos dificuldades em responder.
É o “genocídio esquecido”
da Segunda Guerra Mundial: à volta 500 mil ciganos da Europa foram assassinados
pelos nazis e seus colaboradores durante a Segunda Guerra Mundial, no
seguimento da implementação de políticas que visavam persegui-los. Porque é que
o genocídio dos ciganos foi amplamente esquecido? Porque é que o
reconhecimento, ainda que parcial, das suas mortes demorou tanto tempo? Que
obstáculos nos impedem ainda hoje de reconhecer completamente a importância
deste genocídio?
A exposição atual da
Biblioteca Wiener sobre o Holocausto, em Londres, Vítimas Esquecidas: O
genocídio nazi dos Sinti e Roms, é consagrada à análise da destruição da vida
dos ciganos pelos nazis, ao exame das políticas que precederam o massacre e ao
esclarecimento dos aspetos desta história que continuaram escondidos e
amplamente desconhecidos durante décadas.
Os Roms e Sinti foram
vítimas de preconceitos e de discriminações na Alemanha antes de 1933, mas a
chegada ao poder dos nazis correspondeu a uma intensificação das perseguições.
Em meados dos anos 1930,
os ciganos são impedidos de exercer certas profissões e muitos foram obrigados
a viver em campos de internamento. No final dos 1930, a ideologia racial nazi
foi ampliada para englobar a noção segundo a qual os ciganos eram de “sangue
estrangeiro” e representariam uma ameaça para a força racial da “raça superior
ariana”.
No quadro do
desenvolvimento destas ideias, os ciganos foram submetidos a um programa
massivo de investigações pseudo-científicas. Foram igualmente marcados para
esterilização forçada.
Durante a Segunda Guerra
Mundial, os ciganos dos territórios ocupados pela Alemanha nazi foram
deportados para campos e ghettos, obrigados a trabalho forçado e mortos pela
fome, pelos maus tratos, pelos fuzilamentos de massa e os gaseamentos nos
campos como o de Chelmno e o de Auschwitz. Regimes colaboracionistas, como os
Ustashe na Croácia, perpetraram assassinatos de massa contra as suas populações
judaica e cigana.
Num relato oferecido à
biblioteca Wiener, o Dr Max Benjamin, um sobrevivente judeu de Auschwitz,
descreveu o testemunho da “liquidação” do “campo de ciganos” em 2 e 3 de agosto
de 1944: neste noite, “de um só golpe, todos os ciganos representavam a
população deste campo foram enfiados nas câmaras de gás.”
Apesar dos sofrimentos e
das injustiças aterradoras sofridas pela população cigana da Europa durante o
período nazi, o genocídio dos ciganos foi frequentemente negligenciado ou
minimizado. Uma das principais razões desta situação são as múltiplas camadas
de preconceitos, de discriminação e de marginalização com as quais os
sobreviventes roms e sinti continuam a ser confrontados depois da libertação. A
hostilidade e os estereótipos negativos relativamente aos ciganos persistiram.
Em numerosos países, a exclusão permanente dos ciganos da representação
política e do poder económico impediu a sua capacidade de fazer campanha pelo
seu reconhecimento.
Esta marginalização
revela-se através da ausência de acusações contra os autores de crimes contra
os ciganos nos primeiros processos por crimes de guerra. Na Alemanha Ocidental
do pós-guerra, reinava um clima de negação da amplitude dos horrores cometidos
contra as vítimas ciganas que frequentemente não recebiam as compensações
atribuídas às outras vítimas das perseguições raciais nazis. Os numerosos
monumentos comemorativos construídos nas décadas que se seguiram à guerra não
reconheciam as vítimas ciganas.
Foi apenas em 1982 que a
Alemanha reconheceu oficialmente os crimes nazis contra os ciganos como um
genocídio; as primeiras desculpas da França pela sua colaboração nos crimes
nazis contra os Roms e os Sinti foram apresentadas em 2016.
Na URSS e na Europa de
Leste, as experiências dos ciganos durante o genocídio foram igualmente
amplamente ignoradas. Os ciganos que desejavam permanecer nómadas foram
obrigados a instalar-se em casas. No período pós-comunista, a discriminação
face aos ciganos aumentou, enquanto que as suas condições de vida e o acesso a
serviços diminuíram fortemente.
A nossa exposição tenta
abordar a amnésia coletiva que envolve o genocídio dos ciganos. A Biblioteca
Wiener sobre o Holocausto possui importantes coleções sobre este tema,
nomeadamente os primeiros testemunhos de sobreviventes roms
[https://blog.ehri-project.eu/author/cschmidt/](link is external) recolhidos no
quadro de um projeto desenvolvido pela Drª Eva Reichmann a partir dos anos
1950. A Biblioteca prevê publicar alguns destes testemunhos mais tarde ainda
durante este ano.
Possuímos igualmente
material recolhido aquando do primeiro projeto de investigação que tentou
documentar sistematicamente o genocídio, um projeto conduzido por Donald
Kenrick e Grattan Puxon no final dos anos 1960. Um certo número de elementos
desta coleção incluindo resumos de testemunhos de sobreviventes são
apresentados na exposição.
Um outro elemento
impressionante da exposição é uma fotografia do pós-guerra de Margarete Kraus.
A tatuagem do número do campo no seu antebraço esquerdo é pouco visível:
Margarete Kraus era uma sobrevivente rom checa de Auschwitz, onde tinha sido
vítima de experiências médicas forçadas. O retrato de Kraus foi feito pelo
jornalista leste-alemão Reimar Gilsenbach nos anos 1960. Gilsenbach investigou
a perseguição dos ciganos durante o período nazi.
Uma peça bastante
diferente é um documento intitulados “Interdições publicadas relativamente a
polacos, judeus e ciganos” submetida mais tarde no processo por crimes de
guerra de Nuremberga como prova dos crimes nazis. Data de 10 de março de 1944,
trata-se de uma circular enviada por Heinrich Himmler a um grupo de altos
funcionários do Estado, informando-os que “terminada a evacuação e o
isolamento” dos judeus e ciganos isso significava que não eram necessárias
novas diretivas.
“Evacuação” e
“isolamento” neste contexto significavam que a vasta maioria dos judeus, Sinti
e Roma da grande Alemanha tinham já sido deportados para ghettos e campos e
assassinados. A terminologia usada aqui exemplifica a “pesada matéria de facto”
da linguagem burocrática dos SS, memoravelmente descrita pelo historiador Mark
Roseman como uma “diabólica paródia da precisão administrativa”.
Outra história contada na
exposição é a de Hans Braun, um homem Sinti alemão nascido em Hannover em 1923.
Braun sobreviveu aos campos de Auschwitz e Flossenbürg. A maior parte da sua
família morreu em Auschwitz. Quando em 1950 reclamou uma compensação do Estado
alemão, a polícia local decidiu pelo contrário abrir uma investigação contra
ele – buscando provas espúrias de que Braun tinha sido preso enquanto
“criminoso” - como fundamento para rejeitar a sua petição.
O facto de que a
verdadeira natureza e escala do genocídio cigano tenha sido negado, minimizado
ou ignorado por tantos durante tanto tempo foi doloroso e enfurecedor para as
vítimas e as suas famílias.
Apesar de ser tarde
demais para retificar as injustiças que eles experienciaram, não é tarde demais
para lidarmos com a marginalização e discriminação que enfrentam as comunidades
ciganas hoje em dia em lugares como a Hungria, nos quais a discriminação e
hostilidade contra os ciganos é comum, e a Ucrânia, onde grupos fascistas
levaram a cabo muitos ataques violentos contra ciganos nos últimos anos. Talvez
esta exposição marque um começo, por reconhecer aquilo a que a discriminação e
o preconceito podem conduzir.
Artigo publicado(link is
external) no A l'encontre. Tradução de Carlos Carujo
Toby Simpson é diretor da
Biblioteca Wiener sobre o Holocausto da Biblioteca de Londres.
Barbara Warnock é
curadora e responsável pelo setor educativo. É a responsável pela exposição: As
vítimas esquecidas: exposição sobre o genocídio nazi dos Roms e Sinti.
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