Apesar de todas as intempéries e perseguições: nós ciganos resistimos
Por Aluízio de Azevedo e Pimènio Ferreira
No dia 24 de maio se comemora no Brasil o Dia Nacional
dos povos e comunidades ciganas. A data foi estabelecida em 2006 por meio do decreto
presidencial de 25 de maio de 2006, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
levando em conta o dia de Santa Sara Kali, também comemorado a 24 de maio, ignorando
que somos de várias religiões, como muçulmanos, umbandistas, entre outras e não
apenas cristãos e católicos.
A história cigana no país, todavia, é muito mais
antiga, porém, foi invisibilizada historicamente. O registro da entrada dos
primeiros ciganos no Brasil ocorreu em 1574, quando autoridades de Portugal
decretaram o degredo do Calon português João de Torres e sua família para a
colônia brasileira, justamente pelo “crime” de serem ciganos. Uma prática que
se arrastou por todo o período do Brasil-colônia.
Passados 446 anos da chegada de João de Torres em
terras tupiniquins e 14 anos da aprovação do Dia Nacional dos Ciganos, somos 500
mil pessoas ciganas brasileiras espalhadas por todos os 27 Estados. Mas enquanto
ciganos brasileiros nos perguntamos: o que temos a comemorar?
Se refletirmos que ser Cigano era um crime
estabelecido em leis de Portugal e sua colônia durante mais de 300 anos, com punições
que iam do degredo, prisões e galés, à violência policial e inúmeros castigos, como
a pena de morte, o sequestro de bens e a proibição de praticar/guardar costumes,
símbolos e autonomia política como a nossa língua, o Romanon-chibe.
Um dos principais “motes dos reis católicos” era: um
só poder, uma só religião, uma só língua, uma só maneira de vestir, de estar e
de sentir. Leis anticiganas foram forjadas juntamente com todo um imaginário desumanizante,
estereotipado e racista sobre nós, expresso na mídia, na literatura e nas artes,
justamente, para legitimar a perseguição e desconsiderando que pertencemos a três
troncos étnicos, os Rom, os Calon e os Sinti, com costumes e tradições
distintas.
Se considerarmos que no Estado Brasileiro “Independente”,
as normativas pró-ciganas só surgiram a partir da Constituição Federal de 1988,
que acolheu a todas as “minorias étnicas” como cidadãs, uma garantia que para nós
ciganos só ocorreu a partir de 2006, com a criação do dia nacional dos ciganos.
Então, de fato, as comunidades ciganas brasileiras não
têm muito o que comemorar sobre o modo como a sociedade e o Estado brasileiro
nos tratou. Temos sim muito a comemorar a nossa resistência histórica, que
mesmo diante de todas as perseguições, conseguimos defender nossa dignidade e
manter nossas próprias culturas, saberes e mitologias milenares.
Temos muito a mostrar sobre nossos valores, que se
expressam, entre outros, pelo reconhecimento dos seres humanos à frente dos
bens materiais. Especialmente, no respeito à sabedoria dos mais velhos, no
acolhimento das crianças e no reconhecimento das mulheres como centrais para o
prosseguimento das nossas culturas.
Temos muito a cobrar como a efetividade de normas
pró-ciganas, como a Portaria 4384 de 2018, que reconhecendo a diversidade
cultural e especificidades ciganas, cria a política nacional de atenção
integral a saúde dos povos ciganos ou a portaria 940 de 2011, dispensando as
pessoas ciganas de comprovarem endereço para serem atendidos no Sistema Único
de Saúde (SUS).
Comemoramos nosso dia assim: valorizando nossa
resistência e exigindo reparação histórica e leis afirmativas que garantam direitos
sociais, políticos e econômicos, como cidadãos brasileiros e ciganos que somos.
Exigindo que além das normativas, os governos federal, estadual e municipais
garantam urgentemente um forte investimento na saúde pública, entre outros
serviços essenciais, para garantir vida condigna a todas as pessoas,
independente de seus contextos geográficos, sociais e culturais.
Aluízio de Azevedo
é Calon, jornalista, mestre em educação ambiental e mitologias ciganas e doutor
em Comunicação e Saúde Cigana.
Piménio Ferreira
é calon, militante antirracista, graduado e mestre em Engenharia Física,
nascido no Brasil e de nacionalidade portuguesa
que texto importante e belo num momento de tremendas perdas sociais e uma violenta crise na saúde. luta dos ciganos é importante e precisamos somar para que a ética prevaleça!
ResponderExcluirMimi que bom ter o seu e do GPEA apoio e carinho sempre. Nós ciganos somos muito gratos pela parceria e força. Beijos
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