Moisés, o Rei do Pedal, já teve que vender uma caminhonete para manter o circo durante a pandemia
Por Paulo Henrique Silva (phenrique@hojeemdia.com.br)
Sem comida, água, energia elétrica e lugar para ficar.
Esse é o retrato de grande parte dos circos de Minas, proibidos de se
apresentar devido à pandemia do novo coronavírus. Os recursos para salvar os
artistas do picadeiro já foram prometidos pelos órgãos públicos, mas a ajuda
ainda não chegou da forma esperada.
"Eles estão isolados, sem poder fazer cadastro em
posto de saúde nas cidades [por falta de endereço fixo] ou recorrer ao auxílio
emergencial do governo federal", lamenta Sula Mavrudis, presidente da Rede
de Apoio ao Circo, diretora da área no Sindicato dos Artistas e Técnicos em
Espetáculos de Diversos de Minas Gerais e membro da Comissão para o Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
Ela é autora de um levantamento que identificou, pelo
menos, 65 circos do Estado que estão em situação de fome. "Podem ser mais,
com certeza. Listamos apenas os que estão associados à Rede. Todos eles têm em
comum a falta de ajuda das prefeituras, que cortam água e luz após o vencimento
do prazo de uso provisório, quase que expulsando-os das cidades", explica.
Em boa parte, ressalta, são famílias inteiras que não
têm para onde ir. "Ali estão todas as gerações de uma mesma família, povos
nômades que mudam de cidade a cada semana, mas que, por causa da pandemia,
tiveram que parar. Eles têm o direito, pela lei, de serem assistidos onde
estiverem", observa Sula.
Sem auxílio emergencial
Quase todos os artistas tiveram o pedido de inclusão
no plano de auxílio emergencial recusado, por não se enquadrarem nos critérios
exigidos pelo programa. Outros não sabem manusear os aplicativos. O governo do
Estado, segundo Sula, tentou ajudar enviando cestas básicas, mas elas não têm
chegado a todos, devido, principalmente, à dificuldade de logística.
"De uma família de 18 pessoas, somente quatro
conseguiram", lamenta Silvânia Soares da Silva, do circo Mundial, sobre os
pedidos para o auxílio emergencial. Segundo ela, vários tiveram os pedidos
negados ou continuam em análise. "Estamos sobrevivendo da doação de cestas
básicas, além da venda de maçãs do amor e algodão doce, quando dá para
sair", registra.
O circo está localizado num terreno cedido pela
Prefeitura de BH, no bairro Milionários, onde se apresentaram pela última vez,
em março. "Desmontamos a lona, deixando só a estrutura de ferro, as
carretas e as moradias", explica Silvânia, frisando que o circo já está na
quinta geração de sua família.
"O futuro é incerto. Já sei de muita gente que
vai para casa, que vai parar com o circo. Também estou me sentindo desamparada,
mas não posso desistir. É a única coisa que sei fazer", assinala a
integrante do Mundial.
Moisés, o Rei do Pedal, que está à frente do circo de
mesmo nome, já teve que vender uma caminhonete de R$ 45 mil por R$ 27 mil para
manter a estrutura. "Há dois meses que não ganho nada. Só estou
gastando", detalha. Ele e sua trupe estão no terreno de um sítio em
Contagem, no bairro Estâncias Imperiais. No local, também estão integrantes do
Montenegro e de outros circos.
"Se ficar mais tempo (parado), não sei se vou
aguentar", avalia Moisés, que trabalha com diversos tipos de bicicletas em
suas apresentações."Os governos deveriam olhar para nós. O circo é a
diversão mais antiga do mundo e não pode acabar", ressalta.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social (Sedese) enviou nota explicando que "está
articulando com órgãos e entidades estaduais ações para atendimento integral de
famílias de povos tradicionais em situação de vulnerabilidade".
A principal ação destacada pela Sedese é justamente a
distribuição de cestas básicas, feita em parceria com a Defesa Civil, prestando
atendimento a cinco mil famílias - além dos artistas de circo, estão
quilombolas, indígenas, ciganos e vazanteiros.
"A Sedese busca também novas parcerias junto à
iniciativa privada para atender a demanda dessas famílias que estão com
dificuldades em acessar benefícios emergenciais que garantam sua segurança
alimentar", conclui a nota.
Leônidas Oliveira, secretário de Cultura e Turismo do
Estado, afirma que o primeiro desafio é levar assistência básica às comunidades
tradicionais. "Os artistas de circo são pessoas que vivem do dinheiro que
ganham no dia anterior e estão numa situação crítica", afirma.
Segundo ele, um primeiro movimento a ser feito, junto
com a sociedade civil, é formar um grande grupo "para que possamos cuidar
dessa emergência inicial, que é levar alimento e ajudar com recursos para pagar
água e luz".
A ideia também é ajudar os artistas a ingressarem no
plano de auxílio emergencial.
Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/trupes-de-mais-de-60-circos-mineiros-est%C3%A3o-sem-comida-%C3%A1gua-luz-e-acesso-a-postos-de-sa%C3%BAde-1.786693
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