No dia Nacional dos Ciganos, texto publicado no Site Brasil de Fato fala sobre as pautas prioritárias do movimento cigano brasileiro
Por Gabriela Marques, Aluízio de Azevedo e Aline Miklos
Para Instituto
de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais (IPDMS), Direitos e Movimentos Sociais
24
de Maio de 2020 às 17:53
Desde 2006 se celebra o 24 de Maio como o Dia
Nacional dos Povos Ciganos no Brasil. Nesta data, estabelecida tardiamente se
comparada à chegada das comunidades romani ao país, se comemora não só a
existência destas populações, mas também se reivindica direitos e políticas
afirmativas que revertam a perseguição e o racismo histórico que esses povos
enfrentam até os nossos dias.
Além disto, esta comemoração também é marcada por
debates cujo objetivo é refletir sobre as culturas, modos de vida e narrativas
construídos por estes povos.Este ano, no entanto, a data
nos leva a fazer outras reflexões.
A crise sanitária da covid-19 escancarou as
rachaduras existentes em nossa sociedade e as desigualdades que atingem uma
imensa parte da nossa população. O contexto em que vivemos evidenciou também
não ser mais possível deixar para depois a tomada de algumas decisões políticas
e sociais, em especial em relação às populações romanis.
A pandemia também fez vir à tona o racismo e os discursos de ódio contra
as comunidades ciganas, que atualmente somam em torno de 500 mil pessoas no
Brasil. A expulsão de famílias romanis nômades em três cidades no estado do
Paraná - denunciada em nota pública por ativistas e
pesquisadores - sob a alegação de que elas eram vetores da covid-19, nos mostra
como a discussão sobre o anticiganismo é urgente e necessária.
Num cenário em que uma das
principais prevenções ao coronavírus são as medidas de higiene, como a limpeza
das mãos e demais objetos com água e sabão; a quantidade de acampamentos
ciganos sem acesso à água encanada e saneamento básico nos mostra a extrema
necessidade de se garantir infraestrutura básica para estas famílias
itinerantes.
Os municípios que são rotas de
passagem de grupos ciganos nômades ou semi-itinerantes devem, por exemplo,
disponibilizar espaços próprios com toda essa infraestrutura para receber as
caravanas. Além disso, devem oferecer atendimentos e serviços de assistência
social, saúde, educação e outras formas de integração social cidadã.
Considerando que um grande
número de ciganas e ciganos trabalham no mercado informal, sendo diretamente
atingidos pelas medidas de distanciamento social para prevenção da covid-19; a
vulnerabilidade econômica destas famílias nos mostra a urgência em se pensar
políticas públicas específicas para estes grupos sociais no que se refere,
especialmente, ao acesso à educação.
Os decretos existentes direcionados a esta população não são suficientes
para resolver os desafios aqui citados. Por isso é urgente pensar no futuro
destas comunidades a partir de ações efetivas realizadas no presente. Políticas
que reconheçam a diversidade étnica cigana, que se divide em três grandes
troncos, os Rom, os Sinti e os Kalon, que por sua vez, se subdividem em inúmeros
grupos e famílias e possuem culturas, tradições e saberes milenares.
Aliás, a sociedade brasileira
tem muito a aprender com as comunidades ciganas, que estão no Brasil desde o
século XVI. Um pequeno exemplo é o modo como tratam os seus idosos. Ao
contrário das sociedades ocidentais, em que os anciãos são desvalorizados, ao
ponto de serem deixados sozinhos em asilos; os grupos romani possuem modos de
organização sociocultural estruturados em torno da família, em que os idosos
ocupam lugares de interlocução centrais.
Nas comunidades ciganas, os
idosos atuam como conselheiros, apaziguadores e reguladores das comunidades
ciganas. Neste momento de pandemia eles estão nos grupos de risco, mas
continuam sendo uma fonte importante de sabedoria, inclusive no que se refere à
saúde, pois também dominam a medicina tradicional cigana e os modos de
compreensão da saúde, do adoecimento e da morte. São assim, o vínculo
necessário entre o passado e o futuro das comunidades.
Gabriela Marques é jornalista e pesquisadora, doutora em
Comunicação com estudo sobre populações ciganas.
Aluízio de Azevedo é cigano Kalon, jornalista, cineasta, mestre em
educação e mitologias ciganas, doutor em comunicação e saúde cigana e assessor para ciência e comunicação da AEEC-MT
Aline Miklos é cigana Romi, doutoranda em História da Arte
(EHESS/USP), cantora e produtora cultural.
#Orgulhoromani é um coletivo internacional que nasceu há cerca de
três meses e tem buscado atuar na militância política, acadêmica e cultural com
foco na América Latina e Península Ibérica.
Edição:
Douglas Matos
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