segunda-feira, 25 de maio de 2020

Na Mídia: a urgência em se pensar no futuro das populações ciganas, sem estereótipos


No dia Nacional dos Ciganos, texto publicado no Site Brasil de Fato fala sobre as pautas prioritárias do movimento cigano brasileiro
Por Gabriela Marques, Aluízio de Azevedo e Aline Miklos
Para Instituto de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais (IPDMS), Direitos e Movimentos Sociais
24 de Maio de 2020 às 17:53
Desde 2006 se celebra o 24 de Maio como o Dia Nacional dos Povos Ciganos no Brasil. Nesta data, estabelecida tardiamente se comparada à chegada das comunidades romani ao país, se comemora não só a existência destas populações, mas também se reivindica direitos e políticas afirmativas que revertam a perseguição e o racismo histórico que esses povos enfrentam até os nossos dias. 
Além disto, esta comemoração também é marcada por debates cujo objetivo é refletir sobre as culturas, modos de vida e narrativas construídos por estes povos.Este ano, no entanto, a data nos leva a fazer outras reflexões. 
A crise sanitária da covid-19 escancarou as rachaduras existentes em nossa sociedade e as desigualdades que atingem uma imensa parte da nossa população. O contexto em que vivemos evidenciou também não ser mais possível deixar para depois a tomada de algumas decisões políticas e sociais, em especial em relação às populações romanis.
A pandemia também fez vir à tona o racismo e os discursos de ódio contra as comunidades ciganas, que atualmente somam em torno de 500 mil pessoas no Brasil. A expulsão de famílias romanis nômades em três cidades no estado do Paraná - denunciada em nota pública por ativistas e pesquisadores - sob a alegação de que elas eram vetores da covid-19, nos mostra como a discussão sobre o anticiganismo é urgente e necessária. 
Num cenário em que uma das principais prevenções ao coronavírus são as medidas de higiene, como a limpeza das mãos e demais objetos com água e sabão; a quantidade de acampamentos ciganos sem acesso à água encanada e saneamento básico nos mostra a extrema necessidade de se garantir infraestrutura básica para estas famílias itinerantes.
Os municípios que são rotas de passagem de grupos ciganos nômades ou semi-itinerantes devem, por exemplo, disponibilizar espaços próprios com toda essa infraestrutura para receber as caravanas. Além disso, devem oferecer atendimentos e serviços de assistência social, saúde, educação e outras formas de integração social cidadã.
Considerando que um grande número de ciganas e ciganos trabalham no mercado informal, sendo diretamente atingidos pelas medidas de distanciamento social para prevenção da covid-19; a vulnerabilidade econômica destas famílias nos mostra a urgência em se pensar políticas públicas específicas para estes grupos sociais no que se refere, especialmente, ao acesso à educação.
Os decretos existentes direcionados a esta população não são suficientes para resolver os desafios aqui citados. Por isso é urgente pensar no futuro destas comunidades a partir de ações efetivas realizadas no presente. Políticas que reconheçam a diversidade étnica cigana, que se divide em três grandes troncos, os Rom, os Sinti e os Kalon, que por sua vez, se subdividem em inúmeros grupos e famílias e possuem culturas, tradições e saberes milenares.
Aliás, a sociedade brasileira tem muito a aprender com as comunidades ciganas, que estão no Brasil desde o século XVI. Um pequeno exemplo é o modo como tratam os seus idosos. Ao contrário das sociedades ocidentais, em que os anciãos são desvalorizados, ao ponto de serem deixados sozinhos em asilos; os grupos romani possuem modos de organização sociocultural estruturados em torno da família, em que os idosos ocupam lugares de interlocução centrais.

Nas comunidades ciganas, os idosos atuam como conselheiros, apaziguadores e reguladores das comunidades ciganas. Neste momento de pandemia eles estão nos grupos de risco, mas continuam sendo uma fonte importante de sabedoria, inclusive no que se refere à saúde, pois também dominam a medicina tradicional cigana e os modos de compreensão da saúde, do adoecimento e da morte. São assim, o vínculo necessário entre o passado e o futuro das comunidades.

Gabriela Marques é jornalista e pesquisadora, doutora em Comunicação com estudo sobre populações ciganas.

Aluízio de Azevedo é cigano Kalon, jornalista, cineasta, mestre em educação e mitologias ciganas, doutor em comunicação e saúde cigana e assessor para ciência e comunicação da AEEC-MT

Aline Miklos é cigana Romi, doutoranda em História da Arte (EHESS/USP), cantora e produtora cultural.

#Orgulhoromani é um coletivo internacional que nasceu há cerca de três meses e tem buscado atuar na militância política, acadêmica e cultural com foco na América Latina e Península Ibérica.

Edição: Douglas Matos

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